Biblioteca de Nag Hammadi — FGBG/” data-internallinksmanager029f6b8e52c=”191″ title=”Apocalipse de Adão [FGBG]”>Apocalipse de Adão (V,5)
Tradução de F. Morard, in BCNH, n. 15, 1985. (trad. em português de Álvaro Campos)
Este tratado, uma revelação dada por Adão a seu filho Set e à sua descendência, assemelha-se a outros tratados de Nag Hammadi (A Hipóstase dos Arcontes, KDNH/” data-internallinksmanager029f6b8e52c=”1149″ title=”Três Estelas de Set [KDNH]”>Três Estelas de Set, KDNH/” data-internallinksmanager029f6b8e52c=”922″ title=”Protenoia Trimorfe [KDNH]”>Protenoia Trimorfe). Não é esta a única revelação atribuída a Adão (cf., por exemplo, a Vida de Adão e Eva ou o Testamento de Adão), mas é o único texto chamado de apocalipse conhecido até hoje (talvez citado em Epifânio, Panarion, 26,8). Este documento fala do desenvolvimento da história humana desde o primeiro casal até o dia do juízo final. Essa história da salvação se desenvolve em três etapas, marcadas pela passagem de um grupo de Grandes Homens (p. 65,26-71,10) ou de um Iluminador solitário (p. 76,9). Cada uma dessas passagens provoca a ira do Pantocrator, que reage com dilúvio de água, dilúvio de fogo e perseguição. Com efeito, o demiurgo pensava que o mundo era totalmente seu. Mas eis que não pode impedir a salvação daqueles que adotaram a gnose, reconheceram os Enviados celestes e recusaram a escravidão dos arcontes. O juízo final segue-se ao castigo do deus das forças, à perturbação dos treze reinos e ao combate escatológico.
A modo de introdução, Adão explica a Set como foi que ele e Eva perderam a glória e a gnose:
O criado, ergue-se diante de nós e nos diz: “Adão, por que suspirais em vosso coração? Não sabeis que fui eu o Deus que vos criou e que insuflei em vós um sopro de vida para fazer-vos uma alma vivente?” (Cf. Gn 2,7) Então, fez-se treva em nossos olhos (…). E então desapareceu em nós a acuidade de nosso conhecimento eterno e a fraqueza tomou conta de nós. Foi por isso que os dias de nossa vida diminuíram. Com efeito, eu compreendi que havia caído sob o poder da morte (p. 66,9-67,14).
A segunda fase, p. 70,8-76,7, é aberta por segunda intervenção dos Grandes Homens, que estabelecem Noé como rei da terra. O demiurgo reagiu com dilúvio de fogo, mas a descendência de Sem seria agradável ao criador:
(Então fala) Sem1 filho de Noé: “Minha descendência será agradável diante de ti e de tua força. Marca-a com o selo de tua mão forte, no temor e sob comando, porque é toda a descendência que saiu de mim. Eles não se afastaram de ti e do deus Pantocrator, servindo na humildade e no temor de seu conhecimento”. Então outros, da descendência de Cam e de Jafé2 foram-se, em número de quatrocentos mil homens, entraram em outra terra e habitaram com esses Homens, aqueles que saíram da grande gnose eterna, pois a sombra de sua força preservará aqueles que habitam junto deles de toda obra má e de todo desejo impuro. Então, a descendência de Cam e de Jafé formará doze reinos (p. 73,1-27).
A terceira fase, p. 76,8-85,1, acompanha a passagem do Iluminador: a cólera do demiurgo abate-se sobre ele e o combate escatológico opõe os espirituais aos servos do Pantocrator. Os povos abençoam os primeiros e confessam o Deus da verdadeira gnose:
Então, os povos gritaram com voz poderosa, dizendo: “Feliz a alma desses Homens, porque eles conheceram Deus em gnose de verdade. Eles viverão para a eternidade, pois eles não se aniquilaram pelo desejo com os anjos e não executaram as obras dás forças, mas mantiveram-se de pé em sua presença em gnose de Deus, como luz que saiu do fogo e do sangue. Nós, porém, cumprimos toda obra no disparate dessas forças e nos orgulhamos na transgressão de nossas obras (…)” (p. 83,9-27).
A passagem mais misteriosa deste terceiro período é a proclamação sucessiva dos treze reinos, da origem e da identidade do Iluminador. Essas definições apresentam ecos das tradições apocalípticas judaicas. Eis a proclamação do segundo reino:
E o segundo reino3 diz a seu respeito: “Ele nasceu de grande profeta. Veio um pássaro, tomou o filho que foi gerado, levou-o para alta montanha e ele foi nutrido pelo pássaro do céu. Um anjo saiu de lá e disse-lhe: ‘Levanta-te, Deus te glorificou’. Ele recebeu glória e força e, desse modo, veio sobre a água” (p. 78,6-17).
Este tratado, portanto, conhece o mito do Salvador celeste, no seio da apocalíptica judaica, à primeira vista não-cristã. Para o descendente de Set, o essencial é conhecer as etapas de sua história, a fim de escapar ao obscurecimento dos espíritos pelo Pantocrator e ficar do lado certo quando do combate final. A salvação é sempre questão de conhecimento. E, prevenidos por seu antepassado Adão, os “setianos” o conseguem.
Sem, que reclama o selo de gnóstico, permanece escravo do Pantocrator. E é desvalorizado em relação a Set. ↩
Enquanto a descendência de Sem recusa a conversão, certos filhos de Cam e de Jafé juntam-se aos “setianos”. ↩
Este texto faz pensar na história de Elias (1Rs 17,4-6 e 19,5-8). Sem dúvida, há também eco distante da cena do batismo de Jesus (cf. Mc 1, 9-11) e de sua transfiguração (Mc 9,2-10). (Cf. também Jo 12,28-29). ↩