Santo Anselmo — Monologion
A ALMA IMORTAL
(Monologion, cap. LXIX.)
Não há dúvida de que a alma humana é uma criatura racional. Portanto, deve ela estar feita para amar a Suma Essência. É necessário, por conseguinte, que esteja feita para amar sem fim, ou para perder uma vez, livre e violentamente, este amor. Porém é impossível julgar que a suprema sabedoria a haja feito para que, alguma vez, despreze um bem tão grande, ou, querendo possuí-lo, perda-o por alguma violência. Resta, pois, somente haver sido feita para amar sem fim a Suma Essência.
Porém não pode fazer isto se não vive sempre. Portanto, foi feita de modo que viva sempre, se quiser fazer sempre aquilo para o que foi feita. Além disso, é demasiado impróprio do sumamente bom, sábio e onipotente criador fazer que não seja o que fez para que o amasse, enquanto o ame verdadeiramente; e tirar ou permitir que se tire o amante, para que necessariamente não ame, o que espontaneamente deu ao que não amava, para que o amasse sempre; sobretudo, quando não se deve duvidar de modo algum que ame toda natureza que o ame de verdade. Pelo qual é evidente que nunca é tirada a vida à alma humana, se almeja sempre amar a suprema vida.
(Monologion, cap. LXXII.)
Porém necessariamente, nem a alma que ama (a Deus) será eternamente feliz nem a que o despreza desditada, se for mortal. Portanto, quer ame quer despreze aquele para amar o qual foi criada, é mister que seja imortal. Mas se há algumas almas racionais, das quais não se pode pensar nem que amem que desprezem, como parecem ser as almas das crianças, que se deve opinar acerca das mesmas? São mortais ou imortais? Porém, todas as almas humanas são indubitavelmente da mesma natureza. Portanto, como consta que algumas são imortais, é necessário que toda alma humana seja imortal.