Anjo da Face

Allard l’Olivier: L’ILLUMINATION DU COEUR [AOIC]

O Anjo da Face é o intermediário entre o indivíduo humano e Deus. Segundo a terminologia usada por Guénon, o homem individual ocupa os níveis da manifestação grosseira (corporal) e sutil (psíquica). Acima da manifestação sutil está a manifestação espiritual: é o nível disto que chamamos as criaturas angélicas, o nível do mundo do céu.

Se é verdade que, pela face interna de seu espírito voltado para Deus, o homem — a pessoa humana — está «ligado à unidade divina», como diz Ruysbroeck, como explicar que uma doutrina tradicional exponha que um princípio intelectual (e angélico), comum a todos os homens, esteja situado entre estes e Deus? Não seria que a doutrina em questão faz estado, em citando Buddhi, de uma função entre o homem individual e Deus, função exercida na origem por um anjo em seguida pelo Verbo encarnado ele mesmo que, após a ressurreição, está sentado no Céu à direita do Pai? Mas qual anjo, e como foi destinado?

Na origem, Deus, tendo criado os anjos, colocou «o mais belo e o maior dentre eles» entre o homem e Ele mesmo; e, nestas condições, na origem, a luz existencial divina não tocava a criatura humana senão através do Anjo reitor do universo. O que implica dizer que ainda que ele fosse dotado de mente, tendo sido criado à imagem de Deus, o homem, na origem, não dispunha deste Olho do Coração que significa a unidade humano-divina de que fala Ruysbroeck, e não estava ligado a Deus senão pelo intermediário de um intelecto angélico. Este anjo — o Anjo da Face Divina — é chamado Lúcifer, quer dizer etimologicamente, o Portador da Luz. A palavra Lúcifer, tendo este sentido, traduz o grego Phosphoros que é o nome do planeta Vênus, como Estrela da Manhã, portadora e anunciadora da luz do sol. Este anjo, tendo sido reprovado, foi revogado e se tornou Satã, o que significa o Adversário. A queda dos anjos, pois Lúcifer carregou em sua queda uma parte das criaturas angélicas, precede a queda do homem, e esta foi tornada tanto mais possível, por quanto Lúcifer caído, o homem se encontrava imediatamente em face de Deus e virtualmente em posse do Olho de se seu coração.

Lúcifer-Satã incita o homem à desobediência para que este Olho se abra («Prove deste fruto, vossos olhos se abrirão (Gen 3,5). Quando a desobediência foi consumada, o Olho do Coração de Adão se abriu com efeito, pois, o Anjo reitor tendo sido revogado, não havia mais intermediário entre Deus e o homem; e Adão se tornou como Deus, no sentido que enfrentou, em regime de Rigor, a identidade existencial. Mas imediatamente Deus interveio e desenvolveu o plano que, em sua presciência, tinha parado: o Verbo, para a salvação dos homens, se fará carne. O Homem-Deus, que exonera o homem do insuportável Rigor da identidade convidando-o ao rigor suportável da Cruz, será o intermediário, a Ponte , entre a Realidade divina e a irrealidade humana. Se Lúcifer não tivesse pecado, e se Adão e sua descendência permanecessem na obediência, o homem teria sido conduzido a Deus por Lúcifer ele mesmo. Depois da queda do Anjo, é pelo Homem-Deus, o Cristo-Jesus que, no céu, ocupa o lugar de Lúcifer, que o homem é conduzido ao Pai; é ele, o Cristo-Jesus, que é a Ponte — o Pontífice, o Grande Sacerdote — e que justifica a existência humana.