Ambrosio Sacramentos IV

1 — Os2
Excertos da tradução de D. Paulo Evaristo Arns de “Os Sacramentos e os Mistérios”
OS SACRAMENTOS E OS MISTÉRIOS
Livro Quarto

1 No Antigo Testamento, os sacerdotes costumavam entrar, frequentemente, na primeira tenda; na segunda entrava, uma vez ao ano, o sumo-sacerdote. É, sem dúvida, isso que o Apóstolo Paulo explana aos hebreus, no momento em que recorda a continuidade do Antigo Testamento. Na segunda tenda, conservava-se o maná. Lá também estava depositado o bastão de Aarão que secara, e em seguida reflorescera, lá se encontrava também o3 dos perfumes.

2 Por que referir tal coisa? Para entenderdes que é na segunda tenda que vos introduziu o Bispo — naquela em que o sumo-sacerdote costumava entrar uma vez ao ano”; isto é, no batistério, onde floresceu o bastão de Aarão. Antes, estava ele seco, depois floresceu. Também tu eras seco e começaste a reflorescer na corrente da fonte. Havias secado pelos pecados. Havias secado pelos erros e pelas faltas, mas agora já começaste a produzir fruto, plantado que foste junto à corrente das águas.4

3 Talvez, no entanto, digas que importância tem para o povo o fato de o bastão do sacerdote secar e reflorescer? O povo mesmo não é ele um povo sacerdotal? A ele foi dito: Vós, porém, sois uma raça escolhida, sacerdócio régio, povo santo. Qual é o sentido da afirmação do Apóstolo Pedro? Cada qual é ungido para o sacerdócio, é ungido para a realeza. Trata-se, é evidente, de uma realeza espiritual e de um sacerdócio espiritual.

4 Na segunda tenda, encontra-se também o5 dos perfumes. É o6 dos perfumes que costuma difundir o bom odor. Assim também vós já agora sois o bom odor de Cristo. Já não mais existe em vós mancha alguma de faltas, odor algum de pecado mais grave.

5 Depois disto, vos aproximáveis do7. Começastes a avançar. Os anjos vos olhavam. Viam que vos aproximáveis e que aquela condição humana, antes conspurcada pela negra mancha dos pecados, começava de repente a refulgir a seus olhos. Foi por isso que disseram: Quem é aquela que sobe, toda branca, do deserto? Portanto, também os anjos se enchiam de admiração. Queres saber até que ponto se admiravam eles? Ouve o apóstolo Pedro, que afirma terem-nos sido conferidas as coisas que até os anjos desejam ver. Ouve ainda: O que olho algum viu e ouvido algum ouviu foi o que Deus preparou àqueles que O amam.

6 Compenetra-te, a partir disso, do que acabas de receber. O santo Profeta Davi viu esta graça em figura e a desejou. Queres saber quanto a desejou? Escuta-o novamente, quando diz: Tu me aspergirás com o hissopo e serei purificado; tu me lavarás e serei mais branco que a neve. Por quê? Porque a neve, embora branca, se deslustra e se desfaz logo por qualquer mancha. Esta graça que recebeste, caso conserves o que recebeste, durará sem nunca terminar.

7 Vinhas, pois, cheio de desejo — não era para menos, porque havias visto tamanha graça — vinhas cheio de desejo para o8, pelo qual irias receber o sacramento. Diz tua alma: E me aproximarei do9 de meu Deus, do Deus que alegra minha juventude. Depuseste a velhice dos pecados; e te revestiste da juventude da graça. Foi o que te deram os sacramentos celestiais. Escuta, afinal, mais uma vez, a Davi, que diz: Tua juventude se renovará como a da águia. Começaste a ser uma boa águia que se lança em direção ao céu. Aborreces o que é terrestre. As boas águias cercam o10: Pois lá onde está o corpo, também estão as águias. O corpo representa o11, e o corpo de Cristo está sobre o12. Vós sois as águias que se renovaram ao se apagar a culpa.

8 Tu te aproximaste do13. Voltaste tua atenção para os sacramentos depositados sobre o14 e te encheste de admiração diante desta mesma criatura: trata-se, no entanto, de uma criatura assídua e conhecida.

9 Talvez diga alguém: Deus proporcionou tamanha graça aos judeus, que lhes fez chover o maná do céu. Que mais deu ele a seus fiéis? Que mais proporcionou ele a quem prometera mais?

10 Aceita o que vou dizer-te: os mistérios cristãos são mais antigos do que os dos judeus e os sacramentos dos cristãos são mais divinos do que os dos judeus. Como? Escuta. Quando é que os judeus começaram a existir? Evidentemente, desde Judá, um dos descendentes de Abraão, ou, se o quiseres entender assim, desde a Lei, quer dizer, desde o momento em que mereceram receber o direito de Deus15. Portanto, a partir de um dos descendentes de Abraão é que foram chamados judeus no tempo de São Moisés. Deus fez então chover dos céus o maná, em favor dos judeus que murmuravam. Em teu favor, no entanto, a figura destes sacramentos veio antes, a saber, no tempo do próprio Abraão, na hora em que ele reuniu 318 servidores e se foi, perseguindo os adversários e arrancando o sobrinho do cativeiro. Voltou, então, vitorioso. Correu-lhe ao encontro o sacerdote Melquisedeque e ofereceu pão e vinho. Quem tinha pão e vinho? Abraão não os tinha. Mas quem os tinha então? Melquisedeque. Foi ele portanto o autor dos sacramentos. Quem é Melquisedeque, cujo nome significa rei de justiça, rei da paz? Quem é este rei de justiça? Por acaso pode algum homem ser rei de justiça? Quem é, pois, rei de justiça, senão a justiça de Deus? Quem é a paz de Deus, a sabedoria de Deus? Aquele que pode dizer: Eu vos dou a minha paz, eu vos deixo a minha paz.

11 Compreende, portanto, em primeiro lugar, que estes sacramentos que recebes são anteriores a quaisquer sacramentos que os judeus pretendem ter. Compreende que o povo cristão começou a existir antes de que começasse a existir o povo dos judeus. Mas nós, pela predestinação. Ele, o povo dos judeus, pelo nome.

12 Melquisedeque ofereceu, pois, pão e vinho. Quem é Melquisedeque? Sem pai, dizem, sem mãe, sem genealogia, sem começo de dias nem fim de vida, semelhante ao Filho de Deus. É o que contém a Epístola aos Hebreus. Sem pai e sem mãe, dizem. Sem mãe nasceu o Filho de Deus pela geração celeste, porque nasceu só de Deus Pai. E, por outro lado, nasceu sem pai, quando nasceu da Virgem. Pois não foi gerado por semente de homem, mas nasceu do16 e da Virgem Maria, procedente do seio virginal. Semelhante em tudo ao Filho de Deus, Melquisedeque era também Sacerdote, porque o Cristo, por sua vez, é Sacerdote de quem se diz: Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque.

13 Concluindo, pois, quem c o autor dos sacramentos, senão o Senhor Jesus? Foi do céu que vieram estes sacramentos, pois o desígnio todo vem do Céu. É, no entanto, um grande e divino milagre ter Deus feito chover do céu o maná em favor do povo e ter o povo comido sem trabalhar.

14 Talvez digas: é meu pão de cada dia. Mas este pão é pão antes das palavras sacramentais; desde que sobrevenha a consagração, a partir do pão se faz a carne de Cristo. Passemos então a provar esta verdade. Como pode aquilo que é pão ser corpo de Cristo? Com que termos então se faz a consagração e com as palavras de quem? Do Senhor Jesus17. Efetivamente, tudo o que foi dito antes é dito pelo sacerdote: louva-se Deus, dirige-se a Ele a oração, pede-se pelo povo, pelos reis e pelos outros. Quando se chega a produzir o venerável sacramento, o Sacerdote já não usa suas próprias palavras, mas serve-se das palavras de Cristo. É, pois, a Palavra de Cristo que produz este sacramento.

  • LIVRO IV, 15-29

NOTAS:


  1. Ambrósio de Milão 

  2. Sacramentos 

  3. altar 

  4. O Batismo, portanto, era conferido uma só vez ao ano, em Milão, por ocasião da festa da Páscoa

  5. altar 

  6. altar 

  7. altar 

  8. altar 

  9. altar 

  10. altar 

  11. altar 

  12. altar 

  13. altar 

  14. altar 

  15. S. Ambrósio faz um jogo de palavras: iudaei — ius-dei, que talvez nos pareça um pouco abusivo. Mas os antigos apreciavam tais formas. 

  16. Espírito Santo 

  17. Cf. Myst. 52. Ambrósio atribui a consagração às palavras da instituição e não a uma epiclese. Os textos da oração eucarística. citados a seguir, excluem, aliás, a presença de uma epiclese.