Alógeno

BIBLIOTECA DE NAG HAMMADI — ALÓGENO

Excertos de do livro de R. Kuntzmann e J.-D. Dubois, trad. de Álvaro Cunha
O Alógeno (XI,3)
Eis um tratado filosófico sob a forma de discurso: Alógeno, o “estrangeiro” ou “aquele de outro tipo”, transmite a seu filho Messos revelações divinas que podem ser divididas em duas séries: as p. 45,1-57,23 apresentam ensinamentos da divindade feminina Iuel, sob a forma de descrição mitológica do mundo das forças, sobretudo de Barbela, a virgem macho e jovem, o primeiro dos Eões (p. 45,20); as p. 57,29-69,20 apresentam o relato da ascensão do Alógeno e de sua iniciação progressiva pelos Luminares celestes.

Por vezes, o Alógeno é identificado com Set, pai da raça espiritual dos setianos. De fato, o tratado apresenta características neoplatônicas e gnósticas (cf. Três Estelas de Set, Zostriano e Marsano), um conjunto muito sensível à teoria da Tríplice Força, três-e-um, que se expressa na tríade Existência, Vida e Espírito. Como já apresentamos textos sobre essa tríade, basta aqui citar algumas linhas da teologia negativa do Único Incognoscível: o parentesco com Apócrifo de João (II, 3,17-4,1) saltará aos olhos. Vamos ler o que é dito a respeito desse Único Ignorado (p. 62,28-63,32):

Ele não é divindade, nem bem-aventurança, nem perfeição. Ela (a tríade) é muito mais uma materialização incognoscível dele, não um de seus atributos. Mais do que qualquer outro, ele é melhor do que a bem-aventurança, a divindade e a perfeição. Pois ele não é perfeito, mas é outra coisa (mais) deliciosa. Ele não é ilimitado, mas não é limitado por nada. Ao contrário, ele é algo de melhor. Ele não é corporal, mas não é incorporai. Ele não é grande, mas não é pequeno. Ele não é multidão, mas não é criatura. E ele também não é coisa que exista, que se possa conhecer; em contrapartida, ele é algo diferente do melhor, ele é incognoscível.

Ele é a primeira revelação e o conhecimento de si mesmo, porque somente ele se conhece a si mesmo. Como ele não é nada do que existe, mas sim outro ser, ele é o melhor do melhor. Mas, como seus atributos ou não-atributos, ele não participa nem do Eão nem do tempo. Ele não recebe nada de outra pessoa. Ele não é diminuído nem diminui nada além, mas não é sem diminuição. Em contrapartida, ele é a autocompreensão, visto que é tão incognoscível que ultrapassa aqueles que se superam em incognoscibilidade.

Esta página basta para dar uma ideia deste tratado dedicado à expressão do indizível. Essa literatura teve sucesso no mundo helenístico tardio. O neoplatônico Porfírio cita o Alógeno, e o diz conhecido de Plotino. Parece que o original grego do tratado foi traduzido para o copta em Alexandria, por volta do ano 300 de nossa era.