Tomás de Aquino — Summa theologica I, q. LXXVI, art. 1
A ALMA INTELECTIVA UNE-SE AO CORPO COMO FORMA
É necessário afirmar que o entendimento, que é princípio da operação intelectual, é a forma do corpo humano.
Porque aquilo em cuja virtude uma coisa opera primordialmente, é a forma dessa coisa à qual se atribui a operação, como a saúde é aquilo por cuja virtude o corpo é primordialmente são, e a ciência aquilo por cuja virtude a alma primordialmente sabe, de onde a saúde é uma forma do corpo, e a ciência, de certo modo, uma forma da alma. E a razão disto está em que nada opera a não ser estando em ato, e que, por conseguinte, opera em virtude daquilo que o constitui em ato.
Ora, é evidente que o corpo vive em primeiro lugar pela alma, e como a vida se manifesta por operações diversas, nos diversos graus dos seres viventes, aquilo pelo que se exerce primariamente cada uma destas funções vitais é a alma. A alma é, com efeito, o primeiro que nos faz nutrir-nos e sentir e mover quanto a lugar, assim como também entender. Este primeiro princípio de nosso entender, pois, que se o chame entendimento ou alma intelectiva, é a forma do corpo, demonstração que também dá Aristóteles (lib. II, De Anima, tex. 24). E se alguém quiser sustentar que a alma intelectiva não é a forma do corpo, ã ele lhe toca investigar de que modo essa ação, que é entender, é ação de tal homem. Já que cada um sabe por experiência que ele mesmo é o que entende. (…)
Pode-se provar também o mesmo pela natureza da espécie humana. Com efeito, a natureza de cada coisa se manifesta por sua operação, e a operação própria do homem, como homem, é a de entender, pela qual excede a todos os animais. Por isto Aristóteles (Ethic, lib. X, cap. 7) põe esta operação como própria do homem, a felicidade última. É preciso, pois, segundo isto, que o homem tome sua espécie do que é o princípio desta operação; e como o que dá a espécie a cada ser é a forma própria, conclui-se que o princípio intelectivo seja a forma própria do homem.
Porém se deve considerar que, quanto a forma mais nobre for, tanto mais dominará a matéria corporal, e menos estará imersa nela e mais a excederá em sua operação ou virtude: vemos assim que a forma de um corpo mixto tem uma ação diversa da que resulta das qualidades elementares. E à medida que se ascende na nobreza das formas, observa-se maior excelência na virtude da forma sobre a matéria elementar; assim, a alma vegetativa é mais nobre que a forma elementar; e a alma sensível, superior à alma vegetativa. Sendo, pois, a alma humana a mais nobre entre as formas, excede a matéria corporal em sua virtude, porquanto tem uma operação e potência de que aquela não participa: e esta virtude ou potência recebe o nome de entendimento.
E deve-se ter em conta que se alguém afirmasse que a alma se compõe de matéria e forma, não poderia dizer de modo algum que a alma é a forma do corpo; porque sendo a forma um ato e a matéria um ente só em potência, o que é composto de matéria e forma não pode ser de modo algum a forma de outro ser em sua totalidade. E se é forma segundo uma parte de si mesma, damos então o nome de alma ao qual é forma, e dizemos que o primeiro animado é aquilo de que é forma, como já se disse.