Tomás de Aquino — Summa theologica I, q. LXXV, art. 4
A ALMA NÃO É O HOMEM
De duas maneiras se pode entender que a alma seja o homem. Uma, que o homem (em geral) é a alma; porém que tal homem (em particular), por exemplo, Sócrates, não é a alma, mas que é um composto de alma e corpo. E digo isto, porque alguns supuseram que só a forma era essencial à espécie; mas que a matéria era parte do indivíduo e não da espécie. O que é falso, porque pertence à natureza da espécie o significado na definição. E a definição nas coisas naturais não significa somente a forma, mas a forma e a matéria. De onde se segue que a matéria é parte da espécie nas coisas naturais; não tal matéria determinada, que é princípio de individuação, mas a matéria comum. Pois assim como é da essência de tal homem determinado, que conste de tal alma e tais carnes e tais ossos, assim é da essência de homem (em geral) que conste de alma, carne e ossos, visto que deve pertencer à substância da espécie tudo quanto é comum à substância de todos os indivíduos contidos sob essa espécie.
De outra maneira se pode entender também que a alma seja o homem, no sentido de que também esta alma é este homem e isto se poderia apoiar na hipótese de que a operação da alma sensitiva fosse própria dela mesma sem o corpo, visto que todas as operações que se atribuem ao homem conviriam à alma só. Dizemos que é uma determinada coisa aquilo que realiza as operações próprias dessa coisa; portanto, homem é aquilo que realiza as operações próprias do homem. Ora, está demonstrado que o sentir não é uma operação só da alma. Assim, pois, sé ò sentir é uma operação do homem, ainda que não própria, é evidente que o homem não é somente a alma, mas um composto de alma e corpo. Por isso Platão, ao afirmar que o sentir era próprio da alma, pode sustentar que o homem era uma alma que utilizava um corpo.