Alma e Espírito

ALMA e ESPÍRITO

Mestre Eckhart: Vom Seelenfünklein

Algumas vezes falei de uma luz na alma, que é incriada e incriável. Costumo uma vez e outra aludir, em minha pregação, precisamente a esta luz, tomando assim a Deus de um modo imediato, não encoberto, e nu, como é em si mesmo; e isto deve ser entendido da obra da geração do Filho único. Pois na verdade posso afirmar que esta luz tem mais unidade com Deus do que com qualquer das forças da alma, com as quais, evidentemente, é una segundo a essência. Deveis saber que dentro do ser de minha alma essa luz não é mais nobre do que a faculdade mais inferior e grosseira, como o ouvido ou a vista ou qualquer outra energia que pode ser afetada pela fome ou pela sede, pelo frio ou pelo calor; e isto decorre de que a essência da alma é uma unidade. Se se tomam, portanto, as energias da alma dentro da essência da alma, todas são uma só e são igualmente nobres; porém se se tomam as energias da alma em sua operação, uma é muito mais nobre e elevada do que a outra.

Por isto afirmo: Quando o homem se afasta de si mesmo e de todas as coisas criadas, na medida em que isto fazes, mudas-te em unidade e beatitude na pequena centelha da alma que ainda nunca teve contato nem com o tempo nem com o espaço. Esta centelha contrapõe-se a todas as criaturas e nada deseja a não ser Deus como é em si mesmo. Não lhe basta o Pai, nem o Filho nem o Espírito Santo, nem de um modo geral as três pessoas, na medida que cada uma permanece em seu próprio ser. Sim, afirmo que essa luz tampouco encontra satisfação na unidade da natureza divina criadora, que unifica as três pessoas. Quero afirmar ainda mais, o que soa de um modo ainda mais estranho: Digo com plena seriedade que esta luz nem sequer se contenta com a simples essência divina, que permanece em total repouso, que nem dá nem recebe; mas quer saber de onde vem esta essência, quer penetrar no fundo simples, no deserto tranquilo, em que nunca assomou nada distinto, nem Pai, nem Filho, nem Espírito Santo. Somente no mais íntimo, onde ninguém reside, essa luz se contenta, e aí está mais intimamente em sua casa do que em si mesma, pois este fundo é pura quietude, que permanece imóvel em si mesma, e todas as coisas são movidas por essa imobilidade. Dela receberão a vida todas as que vivem sob a direção da razão e recolheram-se em si mesmas. Que nós também vivamos racionalmente deste modo, que Deus nos ajude!


Evangelho de Tomé: Evangelho de ToméLogion 98 — É a alma um ente até certo ponto autônomo, um eu pessoal?

O duplo sentido que admite a palavra psyche e que autoriza a dar-lhe a significação de alma, ou de vida segundo o juízo exegético que se siga, da pé a que se possa interpretar que Jesus ensinava que há uma só vida, e esta é a opinião da exegese oculta, ou que há duas classes de vida, uma imortal, eterna, e outra mortal, transitória, para uso unicamente terreno.

Esta última interpretação, sustentada pela teologia manifesta, sugere a coexistência de dois mundos, o de aqui e o de além, e é, portanto, dualista.

Por outra parte a antropologia manifesta explica que o homem é uma dicotomia de corpo e alma, e no uso lógico dessa particularidade anfíbia da palavra psyche, procura não relacionar a alma com qualquer significação de morte, de onde se pode coligir que a alma é mortal.

A admissão de uma alma mortal teria consequências catastróficas para o homem dicótomo, de só corpo e alma, pois deixaria a este sem nenhum princípio dotado de vida eterna em si mesmo. Em tal caso não se vê como poderia o Filho do Homem, no dia do juízo, dotar de vida às almas mortais, em contradição com sua natureza constituída e isso não só em favor da perpetuação dos justos, senão também para obter a inútil satisfação de que o castigo dos não justos seja eterno.

É certo que a exegese manifesta recorda a promessa da efusão universal do Espírito nos últimos dias, posto que em Lucas se promete o Espírito a todo aquele que o peça.

O Espírito de Deus só encontra no homem, para recebê-lo, o espírito do homem. O Espírito de Deus é universal e o espírito do homem é pessoal, individual, mas é a esfera superior de si mesmo, o Eu espiritual do eu psicológico. A diferença entre o Espírito e o espírito é dimensional, potencial — tal como se aprecia entre a chama da vela e a que ascende a fogueira — mas ambos são da mesma natureza ígnea.

Depois de pôr sobre o homem sua presença em línguas de fogo, o Espírito dá início a sua unção prolongada e sustentada. A unção do Espírito é o vínculo de sua união — , conhecimento, universalidade — com o espírito, porque cada gota densa de óleo santo que vem do Espírito é para o homem signo de sua transformação até a universalidade de Deus, degraus da subida ao Pai. O primeiro tramo deste formoso mistério foi descrito por Paulo Apostolo: O Espírito mesmo se une a nosso espírito para dar testemunho de que somos filhos de Deus.

Justamente por ser o Eu espiritual do homem o único conhecedor, ocorre que o espírito do homem não é conhecido pela consciência psicológica. A isto se deve que ninguém possa encontrar em si mesmo o espírito e classificá-lo como um componente da estrutura psicológica do homem.

O espírito é o componente superior da estrutura do homem, mas não é psicológico senão espiritual, e não pode ser conhecido. Se em algum caso pudesse ser conhecido, deixaria de ser o conhecedor para passar a ser conhecido, e outro espírito teria que vir substituir ao conhecedor conhecido. Seria uma regressão sem fim.

No entanto, como o espírito é a essência da alma, pode ocorrer que esta, a alma, após autoreconhecer laboriosamente suas próprias vivências conscientes como transitórios dados de consciência, após reconhecê-los e desprezá-los por ser periféricos, adventícios, mortais, chegue a descobrir — e este descobrimento será obra própria da e do discernimento — que o único estável, eterno, imortal, que nele há, é o espírito, o qual é o si-mesmo, o Eu do eu, o companheiro inseparável.

Então, a alma, dirá o mesmo que disse João Batista, a figura evangélica da alma que busca e encontra:
Esta é minha alegria, que alcancei sua plenitude.
É preciso que ele cresça
e que eu diminua.