E que é o que até aqui dissemos, meu Deus, minha VIDA, minha doçura santa, ou que poderá alguém dizer quando fala de ti? Mas ai dos que nada dizem de ti, pois, embora seu muito falar, não passam de mudos charlatães. Confissões I, IV
E que pretendo dizer-te, Senhor, senão que ignoro de onde vim para aqui, para esta não sei se posso chamar VIDA mortal ou morte vital? Não o sei. Mas receberam-me os consolos de tuas misericórdias, conforme o que ouvi de meus pais carnais, de quem e em quem me formaste no tempo, pois eu de mim nada recordo. Receberam-me os consolos do leite humano, do qual nem minha mãe, nem minhas amas enchiam os seios; mas eras tu que, por meio delas, me davas aquele alimento da infância, de acordo com o seu desígnio, e segundo os tesouros dispostos por ti até no mais íntimo das coisas. Confissões I, VI
Então eu já existia, já vivia de verdade; e, já no fim da infância procurava sinais com que pudesse exprimir aos outros as coisas que sentia. Com efeito, de onde poderia vir semelhante criatura, senão de ti, Senhor? Acaso alguém pode ser artífice de si mesmo? Porventura existirá algum outro manancial por onde corra até nos o ser e a VIDA, diferente da que nos dais, Senhor, tu em quem ser e VIDA não são coisas distintas, porque és o Sumo Ser e a Suprema VIDA? Com efeito, és sumo, e não te mudas, nem caminha para ti o dia de hoje, apesar de caminhar por ti, apesar de estarem em ti com certeza todas estas coisas, que não teriam caminho por onde passar se não as contivesses. E porque teus anos não fenecem, teus anos são um perpétuo hoje. Oh! Quantos dias nossos e de nossos pais já passaram por este teu hoje, e dele receberam sua duração, e de alguma maneira existiram, e quantos passarão ainda, e receberão seu modo, e seu ser? Mas tu és sempre o mesmo, e todas as coisas de amanhã e do futuro, e todas as coisas de ontem e do passado, nesse hoje as fazes, nesse hoje as fizeste. Confissões I, VI
Quem me poderá lembrar o pecado da infância, já que ninguém está diante de ti limpo de pecado, nem mesmo a criança cuja VIDA conta um só dia sobre a terra? Quem mo recordará? Confissões I, VII
Certa vez, vi e observei um menino invejoso. Ainda não falava, e já olhava pálido e com rosto amargurado para o irmãozinho caçula. Quem não terá testemunhado isso? Dizem que as mães e as amas tentam esconjurar este defeito com não sei que práticas. Mas se poderá considerar inocência o não suportar que se partilhe a fonte do leite, que mana copiosa e abundante, com quem está tão necessitado do mesmo socorro, e que sustenta a VIDA apenas com esse alimento? Mas costuma-se tolerar com indulgência essas faltas, não porque sejam insignificantes, mas porque espera-se que desapareçam com os anos. Por isso, sendo tais coisas perdoáveis em um menino, quando se acham em um adulto, mal as podemos suportar. Confissões I, VII
Assim, pois, meu Senhor e meu Deus, tu que me deste a VIDA e corpo, o qual dotaste, como vemos, de sentidos e proveste de membros, adornando-o de beleza e de instintos naturais, com os quais pudesse defender sua integridade e conservação, tu me mandas que te louve por esses dons e te confesse e cante teu nome altíssimo. Serias Deus onipotente e bom ainda que só tivesses criado apenas estas coisas, que nenhum outro pode fazer senão tu, ó Unidade, origem de todas as variedades, ó Beleza, que dás forma a todas as coisas, e com tua lei as ordenas! Tenho vergonha, Senhor, de ter de somar à VIDA terrena que vivo aquela idade que não recordo ter vivido, na qual acredito pelo testemunho de outros, por vê-lo assim em outras crianças, embora essa conjectura mereça toda a fé. As trevas em que está envolto meu esquecimento a seu respeito assemelham-se à VIDA que vivi no ventre de minha mãe. Confissões I, VII
Ó meu Deus, meu Deus! Que de misérias e enganos não experimentei então, quando se me propunha, em criança, como norma de bem viver, obedecer os mestres que me instigavam a brilhar neste mundo, e me ilustrar nas artes da língua, fiel instrumento para obter honras humanas e satisfazer a cobiça! Mudaram-me à escola, para que aprendesse as letras, nas quais eu, miserável, desconhecia o que havia de útil. Contudo, se era preguiçoso para aprendê-las, era fustigado, num sistema louvado pelos mais velhos; muitos deles, que levavam esse gênero de VIDA antes de nós, nos traçaram caminhos tão dolorosos pelos quais éramos obrigados a caminhar, multiplicando assim o trabalho e a dor aos filhos de Adão. Confissões I, IX
Ainda menino, ouvi falar da VIDA eterna, que nos está prometida pela humildade de Jesus, nosso Senhor, que desceu até nossa soberba; e fui marcado com o sinal da cruz, sendo-me dado saborear de seu sal logo que saí do ventre de minha mãe, que sempre esperou muito em ti. Confissões I, XI
Tu viste, Senhor, que numa ocasião, ainda menino, atacou-me repentinamente um dor de estômago que me abrasava, e que me aproximou da morte. Tu viste também, meu Deus, pois já me tinhas sob tua guarda, com que fervor de espírito e com que fé pedi à piedade de minha mãe, e da mãe de todos nós, tua Igreja, o batismo de teu Cristo, meu Deus e Senhor. Perturbou-se minha mãe carnal, pois que me criava com mais amor em seu casto coração em tua fé para a VIDA eterna e, solícita, já havia cuidado de que me iniciasse e purificasse com os sacramentos da salvação, confessando-te, ó meu Senhor Jesus, em remissão de meus pecados, quando, de repente, comecei a melhorar. Em vista disso, diferiu-se minha purificação, considerando que seria impossível, se eu vivesse, que não me tornasse a manchar; pois a culpa dos pecados cometidos depois do batismo é muito maior e mais perigosa. Confissões I, XI
Porque odiava eu as letras gregas, que me ensinavam quando eu era criança? Não o sei, e nem agora o posso explicar. Em compensação, as letras latinas me apaixonavam, não as ensinadas pelos professores primários, mas a que é explicada pelos chamados gramáticos, porque aquelas primeiras, com as quais se aprende a ler, a escrever e a contar, não me foram menos pesadas e insuportáveis que as gregas. Mas donde podia proceder essa aversão, senão do pecado e da vaidade da VIDA, porque eu era carne e vento que caminha e não volta? Confissões I, XIII
Aquelas primeiras letras, pelas quais podia, como ainda faço, chegar e ler tudo o que há escrito e a escrever tudo o que quero, eram melhores e mais úteis que aquelas outras nas quais me obrigavam a decorar os erros de um tal Eneias, esquecido dos meus, e a chorar a morte de Dido, que se suicidou por amor, enquanto isso, eu, miserabilíssimo, suportava a minha própria morte com olhos enxutos, morrendo para ti, ó meu Deus, minha VIDA! Na verdade, que pode haver de mais miserável do que um infeliz que não se compadece de si mesmo e que, chorando a morte de Dido por amor de Eneias, não chora sua própria morte por falta de amor a ti, ó Deus, luz de meu coração, pão interior de minha alma, virtude fecundante de meu pensamento? Não te amava; prevaricava longe de ti, e ouvia de todas as partes: “Muito bem! Muito bem!” — porque a amizade deste mundo é adultério contra ti; e se aclamam a alguém dizendo: “Muito bem! Muito bem!” — é para que este não se envergonhe de ser assim. Eu não chorava estas faltas, chorava a morte de Dido “que se suicidou com a espada”, eu procurava as últimas de tuas criaturas, abandonando-te a ti, como terra que eu era, atraída pela terra. Se então me proibissem a leitura de tais coisas, me afligiriam por não ler aquilo que me comovia até a dor. Confissões I, XIII
Do mesmo modo, se lhes perguntar o que seria mais prejudicial para a VIDA humana: esquecer o ler e o escrever, ou todas as ficções dos poetas, quem não vê o que logo responderia aquele que não estivesse de tudo esquecido de ti? Pequei, pois, em minha infância, ao preferir vãos aos proveitosos, ou para dizer melhor, ao amar àqueles e ao odiar a estes; era para mim uma cantiga odiosa aquele “um e um, dois; dois e dois, quatro; enquanto considerava espetáculo encantador a história do cavalo de madeira cheio de guerreiros e o incêndio de Tróia, “e até a sombra de Creuza”. Confissões I, XIII
Mas qual o proveito disso — ó VIDA verdadeira, meu Deus — de que me servia ser aplaudido por minha declamação mais que todos os meus coetâneos e condiscípulos? Não era tudo aquilo fumo e vento? Acaso não havia outra coisa em que exercitar meu talento e minha língua? Teus louvores, Senhor, teus louvores, consignados nas Escrituras, poderiam soerguer a frágil planta de meu coração, e eu não teria sido arrebatado pela vaidade de vãs quimeras, presa imunda das aves. Com efeito, há diversas maneiras de oferecer sacrifício aos anjos rebeldes. Confissões I, XVII
Digo e confesso diante de ti, meu Deus, essas misérias, que me angariavam o louvor daqueles cuja simpatia equivalia para mim a uma VIDA honesta, pois não via o abismo pois não via o abismo de torpeza em que tudo isso me lançara, longe dos teus olhos. A teus olhos quem era mais repelente do que eu? E eu até desagradava tais homens, enganando com infinidade de mentiras a meus criados, mestres e pais por amor dos jogos, por gosto de ver espetáculos frívolos e o desejo inquieto de os imitar. Confissões I, XIX
Oh! Se alguém refreasse aquela minha miséria, para que fizesse bom uso da fugaz beleza das criaturas inferiores; limitasse suas delicias, a fim de que as vagas daquela minha idade rompessem na praia do matrimonio, já que de outro modo não podia haver paz — contendo-se nos limites da geração, como prescreve tua lei, Senhor, tu que crias o gérmen transmissor de nossa VIDA mortal, e que com mão bondosa podes suavizar a agudeza dos espinhos, que mantiveste fora do paraíso! Porque tua onipotência está perto de nós, mesmo quando vagueamos longe de ti. Confissões II, II
Fora de ti, que impões a dor em mandamento, e feres para sarar, e nos tiras a VIDA para que não morramos sem ti. Confissões II, II
Mas, a quem conto eu estes fatos? Certamente, não a ti, meu Deus, mas em tua presença conto estas coisas aos da minha estirpe, ao gênero humano, ainda que estas páginas chegassem às mãos de poucos. E para que então? Para que eu, e quem me ler, pensemos na profundeza do abismo de onde temos de clamar por ti? E que há de mais próximo a teus ouvidos que o coração contrito e a VIDA que procede da fé? Confissões II, III
Nem então minha mãe carnal, que já fugira do meio da Babilônia, mas que em outras coisas caminhava mais devagar, cuidou — como fizera ao aconselhar-me a castidade — de conter com os laços do matrimonio aquilo de que seu marido lhe falara a meu respeito. Já percebera ela que me era pestilento, e que mais adiante me seria perigoso — já que essa paixão não podia ser cortada pela raiz. Não pensou nisso, digo, por temer que o vínculo matrimonial frustrasse a esperança que sobre mim acalentava; não a esperança da VIDA futura, que ela já tinha posto em ti, mas a esperança das letras que ambos, meu pai e minha mãe, desejavam ardentemente; meu pai, porque não pensava quase nada de ti, mas apenas ambições vãs a meu respeito; minha mãe, porque considerava que tais tradicionais estudos das letras não só não me seriam de estorvo, sendo de não pouca ajuda para chegar a ti. Assim julgo eu, agora, enquanto me é possível pela lembrança, o caráter de meus pais. Confissões II, III
Todavia, para obtermos estas coisas, não é necessário abandonarmos a ti, nem nos desviar de tua lei. Também a VIDA que aqui vivemos tem seus encantos, por certa beleza que lhe é própria, e pela harmonia que tem com as demais belezas terrenas. Cara é, finalmente, a amizade dos homens pela união que une muitas almas com o doce laço do amor. Confissões II, V
Todavia, se indagares porque agia assim, dir-te-ei que mediante o exercício de crimes, depois de tomada a cidade, conseguisse honras, poderes e riquezas, libertando-se do medo das leis e das dificuldades da VIDA, causados pela pobreza de seu patrimônio e a consciência de seus crimes. Logo, nem o próprio Catilina amava seus crimes, mas aquilo por cujo motivo os cometia. Confissões II, V
E agora pergunto, meu Deus: que é que me deleitava no furto? Pois não encontro nenhuma beleza nele. Já não falo da beleza que reside na justiça e na prudência, nem sequer da que resplandece na inteligência do homem, na memória, nos sentidos ou na VIDA vegetativa; nem da que brilha nos magníficos astros em suas órbitas, ou na terra e no mar, cheios de criaturas, que nascem para sucederem umas às outras; nem sequer da defeituosa e sombria formosura dos vícios enganadores. Confissões II, VI
Eis aqui o servo que, fugindo do seu senhor, seguiu uma sombra. Ó podridão! Ó monstro da VIDA e abismo da morte! Como pôde agradar-me o ilícito, e não por outro motivo, senão porque era ilícito? Confissões II, VI
Quem desatará este nó, tão enredado e emaranhado? Como é asqueroso! Não quero voltar para ele os olhos, não quero vê-lo. Só a ti quero, justiça e inocência, tão bela e graciosa aos olhos puros, e com insaciável saciedade. Só em ti se acha o descanso supremo e a VIDA imperturbável. Quem entra em ti, entra no gozo do seu Senhor, e não temerá, e estará perfeitamente bem no sumo bem. Eu me afastei de ti e andei errante, meu Deus, mui longe de teu esteio em minha adolescência, e cheguei a ser para mim mesmo uma região de esterilidade. Confissões II, X
Tal era minha VIDA. Mas, seria isto VIDA, meu Deus? Confissões III, II
Oh! Quão longe estavas daquelas minhas quimeras, fantasmas de corpos que jamais existiram em comparação, são mais reais as imagens dos corpos existentes; e, mais reais ainda essas imagens, esses mesmos corpos, os quais, todavia, não são tu! Mas também não és a alma que dá VIDA aos corpos — mas é a VIDA das almas, a VIDA das vidas, que vives, imutável, por ti mesma; a VIDA de minha alma. Confissões III, VI
Diremos, por isso, que a justiça é vária e inconstante? O que acontece é que os tempos a que ela preside não caminham no mesmo passo, porque são tempos. Mas os homens, cuja VIDA terrestre é breve, por não saberem harmonizar as causas dos tempos idos, e das gentes que não viram nem conheceram, com as que agora veem e experimentam e, como também veem facilmente o que no mesmo corpo, na mesma hora e lugar convém a cada membro, a cada tempo, a cada parte e a cada pessoa, escandalizam-se com as coisas daqueles tempos, enquanto aceitam as de agora. Confissões III, VII
Pecam também os que com o pensamento e a palavra se revoltam contra ti, dando coices contra o aguilhão; ou quando, uma vez quebrados os limites da sociedade humana, alegram-se audaciosamente com as facções ou desuniões, de acordo com as suas simpatias ou antipatias. E tudo isso o homem faz quando és abandonado, fonte da VIDA, único e verdadeiro criador e senhor do universo, e com orgulho egoísta ama-se uma parte do todo como se fosse o todo. Confissões III, VIII
Há outras ações semelhantes a ações maldosas ou a delitos, e que não são pecados, porque nem te ofendem a ti, Senhor, nosso Deus, nem tampouco à sociedade humana; como por exemplo quando procuramos coisas convenientes para o uso da VIDA e às circunstâncias, sem que se saiba se essa busca é cobiça, ou quando castigamos a alguém como desejo de que se corrija, fazendo uso do poder ordinário, e não se sabe se o fazemos por vontade de mortificar. Confissões III, IX
Naqueles anos eu ensinava retórica e, movido pela cobiça, vendia a arte de vencer pela loquacidade. Contudo, bem sabes, Senhor, que preferia ter bons discípulos, dos que se chamam “bons”, aos quais ensinava sem rodeios a arte de enganar, não para que usassem dela contra a VIDA de um inocente, mas para algum dia defender algum culpado. Mas, ó Deus, tu me viste de longe vacilar sobre um caminho escorregadio, viste brilhar, entre espesso fumo, os fulgores da boa fé que eu demonstrava ao ensinar àqueles amantes da vaidade, àqueles pesquisadores de mentiras, eu, seu irmão e semelhante. Confissões IV, II
Contudo, deixaste acaso de cuidar de mim também por meio daquele ancião? Ou talvez desistisse de curar minha alma? Tendo-me familiarizado muito com ele, passei a ser assistente assíduo e frequente de suas conversas, que eram agradáveis e graves, não pela elegância da linguagem, mas pela vivacidade das sentenças. Assim que ficou sabendo, por conversa, que eu me dedicava à leitura dos livros dos astrólogos, admoestou-me benigna e paternalmente a que os deixasse, e a que não gastasse inutilmente nessas quimeras meus cuidados e trabalho, que melhor empregaria em coisas úteis. Acrescentou que também ele havia cultivado aquela arte, a ponto de querer adotá-la, em sua juventude, como profissão para ganhar a VIDA, pois, se havia entendido Hipócrates, podia também entender aqueles livros; por fim, deixara aqueles estudos pelos da medicina, por causa da sua falsidade, não querendo, como homem sério, ganhar o pão enganando os outros. “Mas tu, disse-me ele — que tens para manter entre os homens tuas aulas de retórica, segues essas mentiras não por necessidade, mas por mera curiosidade; mais um motivo para que acredites no que te digo, pois cuidei de aprendê-la tão perfeitamente que quis viver apenas de seu exercício”. Confissões IV, III
Mas eis que, seguindo de perto no encalço de teus servos fugitivos, ó Deus das vinganças, que és a um tempo fonte de misericórdia, e nos converte a ti por estranhos caminhos, eis que tu o arrebataste desta VIDA, quando eu apenas havia gozado um ano de sua amizade, mais doce para mim que todas as doçuras da minha VIDA. Confissões IV, IV
Quem poderá enumerar teus louvores, mesmo limitando-se ao que experimentou em si mesmo? Que fizeste então, meu Deus! E quão impenetrável é o abismo de teus juízos! Lutando meu amigo contra a febre, ficou por muito tempo sem sentidos, banhado no suor da morte; e, como temessem por sua VIDA, batizaram-no sem que ele o soubesse, com o que não me importei, convencido que estava de que seu espírito reteria melhor aquilo que eu lhe havia inculcado do que o sinal que recebera sobre o corpo inconsciente. Confissões IV, IV
Mas, por que motivo dos gemidos, do choro, dos suspiros e das queixas colhe-se como fruto doce do amargor da VIDA? Esperamos que nos ouça? Virá daí a doçura? Isso acontece na oração que leva em si o desejo de chegar a ti; porém, poder-se-á dizer o mesmo da dor da perda ou do pranto que então me avassalavam? Confissões IV, V
Mas para que falar dessas coisas, se agora não é tempo de investigar, mas de me confessar a ti? Eu era miserável, como o é toda alma prisioneira do amor pelas coisas temporais; se sente despedaçar quando as perde, sentindo então sua miséria, que a torna miserável antes mesmo de as perder. Assim é como eu era então e, chorando muito amargamente, descansava na amargura. E como era miserável! Contudo, mais que o amigo caríssimo, eu amava minha VIDA miserável, porque embora desejasse mudá-la, não queria perdê-la como ao amigo, não sei se gostaria de perdê-la por ele, como se conta de Orestes e Pílades — se não é ficção — que queriam morrer um pelo outro, porque para eles viver separados era pior que a morte. Mas não sei que novo sentimento nascera em mim, muito contrário a este: sentia pesado tédio de viver, e ao mesmo tempo tinha medo de morrer. Creio que quanto mais amava o amigo tanto mais odiava e temia a morte, como inimigo feroz que mo havia arrebatado; pensava que ela acabaria de repente com todos os homens, como o fizera com ele. Este era meu estado de espírito, pelo que me lembro. Confissões IV, VI
Meu Deus, eis aqui meu coração, ei seu conteúdo! Olha para o meu passado, porque sei, esperança minha, que me purificas da impureza desses afetos, atraindo para ti meus olhos, e libertando meus pés dos laços que me aprisionavam. Maravilhava-me de que sobrevivessem os outros mortais a seus amados se nunca houvessem de morrer; e mais me maravilhava ainda de que, morto ele, eu continuasse a viver, porque eu era outro ele. Bem disse um poeta quando chamou ao amigo “metade da sua alma”. E eu senti que minha alma e a sua não eram mais que uma em dois corpos, e por isso causava-me horror a VIDA, porque não queria viver pela metade; e ao mesmo tempo tinha muito medo de morrer, para que não morresse de todo aquele a quem eu tanto amara. Confissões IV, VI
Voltai, pecadores, ao coração, e ligai-vos àquele que é vosso criador. Firmai-vos nele, e estareis firmes; descansai nele, e estareis descansados. Para onde ides por esses ásperos caminhos? Para onde ides? O bem que amais, dele procede, mas só é bom e suave quando se dirige a ele; porém, será justamente amargo se, abandonando a Deus, amardes injustamente o que dele procede. Por que continuai por caminhos difíceis e trabalhosos? O descanso não está onde o buscais. Buscais a VIDA feliz na região das trevas: não está lá. Como achar a VIDA bem-aventurada onde nem sequer há VIDA? Confissões IV, XII
Ele, nossa VIDA real veio até nós; sofreu nossa morte, e a suplantou com a abundância de sua VIDA; com voz de carne mortal, para não ficar sempre mortal. Confissões IV, XII
Dali, como o esposo que sai do tálamo, deu saltos como um gigante, para correr seu caminho. E não se deteve; correu clamando com suas palavras, com suas obras, com sua própria morte, com sua VIDA, com sua descida aos ínferos e com sua ascensão, clamando para que voltássemos a ele. Se ele se afastou de nossa vista, foi para que entremos em nosso coração, e ali o encontremos; se partiu, ainda está conosco. Não quis ficar por muito tempo entre nós, mas não nos abandonou. Retirou-se de onde nunca se afastou, pois o mundo foi criado por ele, e no mundo estava, e ao mundo veio para salvar os pecadores. E a ele se confessa minha alma, a ele que a cura e contra quem pecou. Confissões IV, XII
Filhos dos homens, até quando sereis duros de coração? Será possível que, depois de ter a VIDA descido até vós, não queirais subir e viver? Mas para onde subis, quando vos ergueis e abris vossa boca no céu? Descei para subir, para subir até Deus, já que caístes levantando-vos contra Deus. Confissões IV, XII
Mas, como eu amava a paz da virtude, e aborrecia a discórdia do vício, notava naquela certa unidade e neste certa desunião; parecia-me que residisse nessa unidade a alma racional, a essência da verdade e do sumo bem. Na desunião, via eu não sei que substância de VIDA irracional e a natureza do sumo mal, que não era apenas substância, mas também verdadeira VIDA. Todavia não procedia de ti, meu Deus, de quem procedem todas as coisas. E chamava àquela unidade mônada, como alma sem sexo, e a esta multiplicidade díada, como a ira nos crimes, a concupiscência nas paixões, sem saber o que dizia. Ignorava então, ainda não havia aprendido que o mal não é substância alguma, nem que nosso espírito não é o bem soberano e imutável. Confissões IV, XV
Assim como se cometem crimes quando o movimento do espírito é vicioso e se atira insolente e turbulento, e se cometem infâmias quando o afeto da alma, fonte dos prazeres carnais, é imoderado, assim os erros e falsas opiniões contaminam a VIDA se a alma racional está viciada, como estava a minha então. Ignorava que ela deveria ser ilustrada por outra luz para participar da verdade, por não ser da mesma essência da verdade, porque tu, Senhor, alumiarás minha lâmpada; tu, meu Deus, iluminarás minhas trevas, e todos participamos de tua plenitude, porque és a luz verdadeira que ilumina a todo homem que vem a este mundo, e porque em ti não há mudança nem a momentânea obscuridade. Confissões IV, XV
Falarei, na presença de meu deus, do ano vigésimo nono de minha VIDA. Já havia chegado a Cartago um dos bispos maniqueus, chamado Fausto, grande laço do demônio, no qual caíam muitos pelo encanto sedutor de sua eloquência. Apesar de ser exaltada por mim, eu a sabia contudo discernir das verdades que desejava conhecer. Não era o prato do estilo que eu considerava, mas o alimento doutrinal que nele me era servido por aquele famoso Fausto, tao reputado entre os seus. Confissões V, III
Admiram-se disto os ignorantes, e pasmam. Os sábios gloriam-se disso, e se desvanecem, e com ímpia soberba afastam-se e se eclipsam de tua luz. E, prevendo com exatidão o eclipse vindouro do sol, não veem o seu, que já está presente. Não procuram religiosamente saber de onde lhes vem o talento com que investigam essas coisas e, achando que tu as criaste, não se entregam a ti, para que conserves o que lhes deste, nem se te oferecem em sacrifício, como se tivessem feito a si mesmos; nem dão morte às suas soberbas, que alçam voo como aves do céu; nem às suas insaciáveis curiosidades que, como peixes do mar, passeiam pelas secretas sendas do abismo; nem às suas luxúrias, que os igualam aos animais do campo, a fim de que tu, ó Deus, fogo devorador, destruas estas suas preocupações de morte, e os torne a criar para uma VIDA imortal. Confissões V, III
Com isso vi-me obrigado, quando professor, a suportar nos outros costumes que não quis adotar como meus quando estudante; e por isso desejava ir para uma cidade na qual, segundo me asseguravam, não aconteciam tais coisas. E tu, Senhor, minha esperança e meu quinhão na terra dos vivos, a fim de que eu mudasse de residência para a saúde de minha alma, me punhas espinhos em Cartago, para arrancar-me dali, e deleites em Roma para atrair-me para lá. Atraías-me por meio de homens que amavam uma VIDA morta, dos quais uns agiam aqui como loucos, e outros me aliciavam alhures com bens ilusórios. E, para corrigir meus passos, usavas ocultamente da sua e da minha perversidade. Porque os que perturbavam minha paz estavam cegos por uma raiva vergonhosa, e os que me convidavam para mudar sabiam a terra; e eu, que detestava em Cartago uma verdadeira miséria, buscava em Roma uma falsa felicidade. Confissões V, VIII
Por fim, depois de ter-me chamado de mentiroso e de mau filho, pôs-se de novo a rezar por mim e voltou para sua VIDA habitual, enquanto eu me dirigia a Roma. Confissões V, VIII
Em Roma fui colhido pelo flagelo de uma doença corporal, que esteve a ponto de me mandar para a sepultura, carregado de todos os pecados cometidos contra ti, contra mim e contra o próximo; pecados numerosos e pecados, que se somavam à cadeia do pecado original, pelo qual todos morremos em Adão. Ainda não me tinhas perdoado nenhum deles em Cristo, nem ele havia apagado com sua cruz as inimizades que contraíra contigo com meus pecados. E como poderia ele desfazê-los por uma cruz de onde eu não via pender mais que um fantasma? Porque tão falsa me parecia a morte de sua carne como verdadeira a morte de minha alma, e tão verdadeira a morte de sua carne como falsa a VIDA de minha alma, que disto se não persuadia. Confissões V, IX
Nem se abalou seu coração com alegria exagerada ao ouvir quanto já se havia cumprido daquilo que com tantas lágrimas te suplicava todos os dias. Viu-me, senão na posse da verdade, já afastado do erro. E como estava certa de que me concederias o que faltava — pois lhe havias prometido a graça total — respondeu-me, com muita calma e com o coração cheio de confiança, que esperava em Cristo que, antes de sair desta VIDA, me havia de ver católico fiel. Confissões VI, I
Foi o que me disse. Mas diante de ti, ó fonte das misericórdias, redobrava as súplicas e lágrimas, para que apressasses teu auxílio e aclarasses minhas trevas. Ia com maior solicitude à igreja para ficar suspensa dos lábios de Ambrosio, como da fonte de água viva que jorra para a VIDA eterna. Minha mãe amava este varão como a um anjo de Deus, pois sabia que fora ele quem me fizera mergulhar naquela dúvida, pela qual antevia, segura, que eu haveria de passar da enfermidade pela saúde, depois de um perigo mais grave, que os médicos chamam de crítico. Confissões VI, I
Mas, parece-me, meu Senhor e meu Deus — e assim o crê meu coração em tua presença — que minha mãe não teria abdicado tão facilmente desse costume — que todavia era necessário cortar — se outro a quem não amasse tanto como a Ambrosio o tivesse proibido. De fato, ela o estimava muito por ter-me salvado, e ele a tinha em grande estima pela religiosidade e solicitude com que frequentava a igreja, na prática das boas obras. Por isso, muitas vezes quando me encontrava com ele, irrompia em louvores à minha mãe, e me felicitava por ser seu filho. Ignorava o filho que ela tinha em mim, filho que duvidava de tudo, e julgava impossível achar o caminho da VIDA. Confissões VI, II
Depois, com suavidade e misericórdia, começaste, Senhor, a cuidar e à preparar aos poucos o meu coração, e foi aceitando tudo o que eu acreditava sem o ter visto, e a cuja realização não presenciara. Tantos fatos da história dos povos, tantas notícias sobre lugares e cidades que não vira, tudo o que aceitava acreditando em amigos, em médicos e em outras pessoas que, se não as acreditássemos, não poderíamos dar um passo na VIDA. E, sobretudo, que fé inabalável eu tinha em ser filho de meus pais, coisa que não poderia saber sem prestar fé no que ouvia. Então me convenceste de que os dignos de censura não são os que acreditam em teus livros, cuja autoridade estabeleceste entre quase todos os povos, mas o que não creem neles. E eu não devia dar ouvidos ao que talvez me dissessem: “Como sabes que esses livros foram dados aos homens pelo Espírito de Deus, único e verdadeiro?” Ora, era precisamente isto o que eu devia crer, porque nenhuma objeção caluniosa ou agressiva, das que eu havia lido nos escritos contraditórios dos filósofos, nunca conseguiram arrancar-me a certeza de tua existência, embora ignorasse o que eras, e a certeza de que o governo das coisas humanas está em tuas mãos. Confissões VI, V
Muitas coisas disse então sobre isso a meus amigos, e muitas vezes eu costumava examinar minha VIDA, e achava-me infeliz. Isso me afligia e redobrava minha dor; se me sorria alguma ventura, não acudia para apanhá-la, porque escapava-me das mãos antes mesmo que a pudesse alcançar. Confissões VI, VI
Assim era então este amigo, tão intimamente unido a mim, e que comigo buscava o tipo de VIDA que deveríamos seguir. Confissões VI, X
Assim como eu, ele suspirava, partilhando minha perplexidade, mostrando-se investigador ardoroso da VIDA feliz e indagador acérrimo das questões mais difíceis. Confissões VI, X
Eram três bocas famintas que comunicavam mutuamente a própria fome, esperando que lhes desses comida no tempo oportuno. Na amargura, que graças à tua misericórdia sempre seguia nossas ações mundanas, se desejávamos entender a causa dos sofrimentos, encontrávamos trevas. Afastávamos gemendo e dizendo: Até quando durará este sofrimento? E isto repetíamos com frequência, mas não abandonávamos nosso modo de VIDA, porque não víamos nenhuma certeza a que nos pudéssemos abraçar, se o abandonássemos. Confissões VI, X
Chegado porém aos trinta anos, ainda continuava preso ao mesmo lodaçal, ávido de gozar dos bens presentes, que me fugiam e me dissipavam. Entretanto, dizia: “Amanhã hei de encontrá-la; a verdade aparecerá clara, e a abraçarei. Fausto virá, e dará todas as explicações. Ó grandes varões da Academia: é verdade que não podemos compreender nenhuma coisa com certeza para a conduto de nossa VIDA?” Confissões VI, XI
“Perca-se tudo! Deixemos essas coisas vãs e fúteis. Entreguemo-nos por completo à busca da verdade. A VIDA é miserável, e a hora da morte, incerta. Se esta me surpreender de repente, em que estado sairei do mundo? E onde aprenderei o que deixei de aprender aqui? Não serei antes castigado por essa negligência? Mas, e se a própria morte cortar e for o fim a todo cuidado e sentimento? Também seria conveniente investigar este ponto. Mas afastemos tais pensamentos! Não é por acaso nem é em vão que se difunde por todo o mundo a fé cristã, com grande prestígio. Deus jamais teria criado tantas e tais coisas por nós, se com a morte do corpo terminasse também a VIDA da alma. Por que hesitar, pois, em abandonar as esperanças do mundo para me consagrar à busca de Deus e da bem-aventurança?” Confissões VI, XI
Enquanto assim pensava, e os ventos cambiantes impeliam meu coração de um lado para outro, o tempo passava, e eu retardava minha conversão ao Senhor. Adiava de dia para dia o viver em ti, morrendo todavia todos os dias em mim mesmo. Amando a VIDA feliz, temia buscá-la em sua morada; procurava-a fugindo dela! Pensava que seria mui desgraçado se me visse privado das carícias da mulher. Não pensava ainda no remédio de tua misericórdia, que cura esta enfermidade, porque nunca o havia experimentado. Julgava que a continência fosse obra de nossa própria força, que eu pensava não ter. Eu era bastante néscio para ignorar que ninguém, como está escrito, é casto sem que tu lhes dê a força. Essa força certamente ma darias se eu ferisse teus ouvidos com os gemidos de minha alma, e com fé firme lançasse em ti meus cuidados. Confissões VI, XI
Ele admirava-se de que eu, a quem tanto estimava, estivesse tão preso ao visco do prazer a ponto de afirmar, sempre que tratávamos desse assunto, que me era impossível levar VIDA casta. Para esgrimir contra sua admiração, dizia-lhe que havia grande diferença entre sua rápida e furtiva experiência do prazer, de que mal se lembrava e que, por isso, podia desprezar facilmente, e as delícias de uma ligação verdadeira, à qual, se juntasse o honesto nome de matrimonio, já não causaria admiração se eu não pudesse desprezar aquela VIDA. Com isso, Alípio também começou a desejar o matrimonio, não certamente vencido pelo apetite do prazer, mas pela curiosidade. Desejava saber, dizia ele, o que era aquele bem sem o qual minha VIDA — que ele tanto apreciava — não me parecia VIDA, mas tormento. De fato, livre dessa prisão, sua alma pasmava de tal servidão, e do espanto passava ao desejo de experimentá-la. Depois talvez caísse naquela mesma servidão que o espantava, pois queria fazer um pacto com a morte, e o que ama o perigo, nele cairá. Confissões VI, XII
Éramos muitos os amigos, que aborrecíamos as mazelas da agitação da VIDA humana. Em nossas conversas, havíamos debatido e quase resolvido nos retirar da multidão para viver sossegadamente. Nosso projeto organizava a VIDA de tal sorte que tudo o que tivéssemos seria comunitário, formando de todos os patrimônios um patrimônio único. Graças à nossa amizade sincera não haveria mais a fortuna deste ou daquele, mas uma só fortuna comum. Confissões VI, XIV
E também a ti, VIDA de minha VIDA, imaginava-te como um Ser imenso, penetrando por todas as partes, através dos espaços infinitos, toda a massa do mundo, alastrando-se sem limites na imensidão, de sorte que a terra, o céu e todas as coisas te continham, e tudo isso tinha em ti seu limite, sem que te limitasses em parte alguma. E assim como a massa do ar — deste ar que está sobre a terra — não impede a passagem da luz do sol, não o impede de a atravessar, de a penetrar sem romper ou cortar, antes enchendo-a totalmente, assim eu pensava que não somente a substância do céu, do ar e do mar, mas também a da terra se deixava atravessar e penetrar por ti em todas as suas partes, grandes e pequenas, que receberiam tua presença, que, com secreta inspiração, governa interior e exteriormente tudo o que criaste. Confissões VII, I
O fato de eu ter a consciência de possuir uma vontade, como tinha consciência de minha VIDA, era o que me erguia para a tua luz. Assim, quando queria ou não queria alguma coisa, estava certíssimo de que era eu, e não outro, o que queria ou não queria, e então me convencia de que ali estava a causa do meu pecado. Quanto ao que fazia contra a vontade, notava que isso mais era padecer do mal do que praticá-lo; julgava que isso não era culpa, mas castigo, que me instava a confessar justamente ferido por ti, considerando tua justiça. Confissões VII, III
Ainda por isso, meu Deus, quero confessar-te tuas misericórdias desde o mais íntimo de minha alma! Foste tu, e só tu — pois, quem pode afastar-nos da morte do erro, senão a VIDA que desconhece a morte, a Sabedoria que ilumina as pobres inteligências sem precisar de outra luz, e que governa o mundo até as folhas que tremulam nas árvores? Foste tu que medicaste a obstinação com que me opunha ao sábio velho Vindiciano e ao magnânimo jovem Nebrídio, que diziam — o primeiro, com veemência, o segundo com alguma hesitação, mas frequentemente — não existir a tal arte de predizer as coisas futuras, e que as conjecturas dos homens muitas vezes têm concurso do acaso e que, de tanto repetir, acertavam em predizer algumas coisas, sem que os mesmos que as diziam o soubessem. Confissões VII, VI
Após esta abertura e nela baseado, ruminava dentro de mim tais coisas, para que nenhum daqueles loucos que buscam nisso o lucro, e a quem eu então desejava refutar e ridicularizar, não me objetasse que Firmino ou o pai podia ter contado mentiras. Voltei pois minha atenção ao caso dos gêmeos, muitos dos quais saem do seio materno com tão breve intervalo de tempo, que por mais que o pretendam importante, não pode ser apreciado pela observação humana, nem pode ser considerado nos signos que o astrólogo lançará mão para fazer uma previsão certa. Mas os vaticínios não serão verdadeiros pois, vendo os mesmos signos, deveria predizer a mesma sorte para Esaú e Jacó, sendo que os sucessos da VIDA de ambos foram muito diversos. Confissões VII, VI
Deste modo, ó meu auxílio, já me havias libertado daqueles grilhões. Contudo eu buscava ainda a origem do mal, e não encontrava solução. Mas não permitias que as vagas de meu pensamento me apartassem da fé. Fé na tua existência, na tua substância imutável, na tua providência para os homens, e na tua justiça que os julgará. Já acreditava que traçaste o caminho da salvação dos homens, rumo à VIDA que sobrevém depois da morte, em Cristo, teu Filho e Senhor nosso, e nas Sagradas Escrituras, recomendadas pela autoridade de tua Igreja Católica. Confissões VII, VII
Neles eu li — não com estas palavras, mas substancialmente o mesmo e expresso com muitos e diversos argumentos — que “no princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Este estava desde o princípio em Deus. Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada foi feito do que foi feito. O que foi feito é VIDA nele, e a VIDA era a luz dos homens. E a luz brilha nas trevas, mas as trevas não a compreenderam. Diziam também que a alma do homem, embora dê testemunho da luz, não é a luz, mas o Verbo, Deus, é a verdadeira luz, que ilumina a todo homem que vem a este mundo. E que neste mundo estava, e que o mundo é criatura sua, e que o mundo não o conheceu”. Confissões VII, IX
E eu ouvi como se ouve no coração, sem deixar motivo para dúvidas; antes, mais facilmente duvidaria de minha VIDA que da existência da verdade, que se manifesta à inteligência pelas coisas da criação. Confissões VII, X
Buscava um meio que me der força necessária para gozar de ti, e não a encontrei enquanto não me abracei ao Mediador entre Deus e os homens, o homem Cristo Jesus, que está sobre todas as coisas, Deus bendito por todos os séculos, que chama e diz: Eu sou o caminho, a verdade e a VIDA. Ele une o alimento à carne (alimento que eu não tinha forças para tomar), porque o Verbo se fez carne, para que tua Sabedoria, pela qual criaste todas as coisas, fosse o leite de nossa infância. Confissões VII, XVIII
Alípio porém pensava que os católicos, crendo em um Deus revestido de carne, entendiam quem eu em Cristo, além de Deus e da carne, não havia alma humana; e não julgava que lhe atribuíssem inteligência humana. E como estava bem persuadido de que os atos atribuídos tradicionalmente a Cristo não podiam ser senão obras de um criatura cheia de VIDA e de inteligência, Alípio se aproximava com certa relutância da fé cristã. Mas depois, ao saber que este erro era próprios dos hereges apolinaristas, aderiu alegremente à fé católica. Confissões VII, XIX
Rompeste com grilhões, e te oferecerei um sacrifício de louvor. Contarei como os rompeste, e todos os que te adoram exclamarão quando me ouvirem: “Bendito seja o Senhor no céu e na terra! Grande e admirável é seu nome! Tuas palavras, Senhor, tinham-me gravado profundamente em meu coração, e me via cercado apenas por ti de todos os lados. Tinha certeza de tua VIDA eterna, embora apenas a visse em enigma e como em espelho. Já fora dissolvida toda dúvida quanto à tua substância incorruptível, ao saber que toda substância procedia dela. E o que desejava não era tanto estar mais certo de ti, mas mais firme em ti. Confissões VIII, I
Quanto à minha VIDA temporal, estava eu ainda vacilante, e era necessário que meu coração se purificasse do velho fermento. O caminho certo, que é o próprio Salvador, me encantava, mas titubeava ainda em caminhar por seus estreitos desfiladeiros. Confissões VIII, I
Então me inspiraste a ideia — que me pareceu excelente — de me dirigir a Simpliciano, que eu tinha como um de teus bons servidores, em quem brilhava tua graça. Sobre ele ouvira também que desde sua juventude te consagrava devotamente sua VIDA, e como já encanecia, achei que em tão longa VIDA, dedicada ao estudo de teus caminhos, teria acumulado grande experiência e instrução; e de fato assim era. Por isso queria confiar-lhe minhas inquietações, para que me apontasse o modo de VIDA mais idôneo de alguém, com minhas disposições interiores, seguir teu caminho. Confissões VIII, I
Quanto a mim, aborrecia-me a VIDA que levava no mundo, e era para mim fardo pesadíssimo, agora que os apetites mundanos, como a esperança de honras e riquezas, já não me animavam para suportar tão pesada servidão. Essas paixões haviam perdido para mim o encanto, diante de tua doçura e da beleza de tua casa, que já amava. Mas sentia-me ainda fortemente amarrado à mulher. Sem dúvida o Apóstolo não me proibia de casar, embora em seu ardente desejo de ver todos os homens semelhantes a ele, exortasse a um estado mais elevado. Confissões VIII, I
Mas eu, ainda muito fraco, escolhia a condição mais fácil; por isso, vivia hesitando em tudo o mais, e me desgastava com preocupações enervantes, pois a VIDA conjugal, a que me julgava destinado e obrigado, ter-me-ia obrigado a novas incumbências, que eu não queria suportar. Confissões VIII, I
Até os prazeres da VIDA humana, não só compensam os homens de desgraças casuais e involuntárias, mas também de moléstias premeditadas e desejadas. Não há prazer algum em beber ou comer sem que haja antes o estímulo da sede ou da fome. Os ébrios costumam comer antes alguma coisa salgada, que lhes cause sede ardente e que transformará em prazer quando acalmada com a bebida. O costume quer que as esposas não sejam entregues imediatamente aos maridos: o marido desprezaria a noiva se não tivesse que esperar e suspirar por ela. Confissões VIII, III
Agora contarei de que modo me arrancaste do vínculo do desejo carnal, que me prendia fortemente, e da servidão dos negócios do mundo, e confessarei teu nome, ó Senhor, meu auxílio e minha redenção. Levava minha VIDA habitual com angústia crescente; todos os dias suspirava por ti, frequentava tua igreja, quando me deixavam livre os negócios, cujo peso me fazia sofrer. Confissões VIII, VI
Caminhando a esmo, estes últimos deram com uma cabana, habitada por alguns servos teus, pobres de espírito, a quem pertence o reino dos céus. Lá encontraram um exemplar manuscrito da VIDA de Santo Antão. Um deles começou a lê-lo, e, admirado e arrebatado cogitou, enquanto lia, em abraçar aquele gênero de VIDA, abandonando o serviço do mundo, para servir unicamente a ti. Confissões VIII, VI
Estes dois eram os chamados agentes de negócios do imperador. De repente, tomado de amor santo e casto pudor, irado consigo mesmo, olha para o companheiro, e lhe diz: “Dize-me, te peço, onde pretendemos chegar com todos estes nossos trabalhos? Que buscamos? Qual a finalidade do nosso labor? Podemos aspirar mais no palácio do que ser amigos do imperador? E mesmo nisto, quanta incerteza, quantos perigos! E quantos perigos teremos de passar para chegar a um perigo ainda maior? E quando chegaremos a isso? Mas, se eu quiser ser amigo de Deus, posso sê-lo agora mesmo”. Disse essas palavras, e exaltado pela gestação da nova VIDA voltou os olhos para o livro; ao ler, transformava-se interiormente, o que só tu sabias, e seu espírito se despia do mundo, como logo se evidenciou. Confissões VIII, VI
E dizia comigo mesmo: “Vamos! Mãos à obra, sem demoras!” E quase passava da palavra à ação. Estava a ponto de agir, mas não agia. Eu já não recaía nas antigas paixões, mas delas estava bem próximo, e tomava ainda alento de seu ar. Quase a alcançava, faltava pouco, cada vez menos, e já quase chegava ao termo e a segurava; mas não a alcançava, nem a tocava; hesitava entre morrer para a morte e viver para a VIDA. O mal arraigado dominava-me mais do que o bem, cujo hábito eu não possuía; na medida que ia se aproximando o momento em que me transformaria em outro homem, maior era o horror que me incutia, sem contudo me fazer voltar para trás ou mudar de caminho. Simplesmente mantinha-me indeciso. Confissões VIII, XI
Tinhas alvejado nosso coração com as setas do teu amor, e levávamos tuas palavras cravadas em nossas entranhas; os exemplos de teus servos, que das trevas trouxeram para a luz, e da morte para a VIDA, ardiam no fundo de nosso espírito em uma espécie de fogueira, que inflamava e consumia nosso torpor, para que não mais nos inclinássemos para as baixezas. Confissões IX, II
Contudo, com sua grande bondade, pôs à nossa disposição sua propriedade no campo pelo tempo que nos aprouvesse. Tu, Senhor, haverás de recompensá-lo no dia da retribuição dos justos, pois já concedeste a graça. Porque, estando nós ausentes e já em Roma, atacado de uma enfermidade corporal, Verecundo saiu desta VIDA depois de se fazer cristão e crente. Assim te compadeceste não apenas dele, mas também de nós, para que quando pensássemos na grande generosidade que teve conosco este amigo, não nos afligíssemos de dor intolerável por não poder contá-lo entre os de tua grei. Confissões IX, III
Mas quando encontrei tempo suficiente para dar testemunho de todos os grandes benefícios que me concedeste nessa época da VIDA, uma vez que tenho pressa de chegar a outros assuntos mais importantes? Volta-me — e me é doce confessá-lo, Senhor — a lembrança dos estímulos internos com que me domaste; o modo como me aplanaste a alma derrubando as colinas e montanhas de meus pensamentos; como endireitaste meus caminhos tortuosos e suavizasse minhas asperezas; como também submeteste Alípio — o irmão de meu coração — ao nome de teu Filho único, Jesus Cristo, Senhor e Salvador nosso, nome que ele mal suportava em minhas obras, porque preferia o cheiro dos soberbos cedros das escolas, já abatidos pelo Senhor, ao odor das salutares ervas de tua Igreja, antídoto contra o veneno das serpentes. Confissões IX, IV
Há um livro meu que se intitula O Mestre, no qual Adeodato dialoga comigo. Tu sabes que todos os pensamentos ali manifestados são dele quando tinha dezesseis anos. Muitas outras qualidades maravilhosas notei ainda nele, admirado por sua inteligência. Mas quem, além de ti, poderia ser o autor dessas maravilhas? Cedo o arrebataste desta terra; e a lembrança dele se torna mais tranquila, nada mais tendo a temer por sua infância, por sua adolescência ou por toda sua VIDA adulta. Associamo-lo a nós como irmão na graça, para educá-lo em tua lei. Fomos batizados, e os remorsos de nossa VIDA passada se afastaram de nós. Confissões IX, VI
Por fim, conquistou para ti o seu marido, já no fim da VIDA, não tendo que lamentar no cristão o que havia tolerado no infiel. Confissões IX, IX
Ela era verdadeiramente a serva de teus servos, e todos os que a conheciam te louvavam, honravam, te amavam em sua pessoa, porque percebiam tua presença em seu coração, confirmada pelos frutos de uma VIDA santa. Confissões IX, IX
Estando já próximo o dia em que teria de partir desta VIDA — que tu, Senhor, conhecias, e nós ignorávamos — sucedeu, creio, por disposição de teus ocultos desígnios — que nos encontrássemos sós, eu e ela, apoiados em uma janela que dava para o jardim interior da casa em que morávamos. Era em Óstia, sobre a foz do Tibre, onde, longe da multidão, depois do cansaço de uma longa viagem, recobrávamos forças para a travessia do mar. Confissões IX, X
Ali, sozinhos, conversávamos com grande doçura, esquecendo o passado, ocupados apenas no futuro, indagávamos juntos, na presença da Verdade, que és tu, qual seria a VIDA eterna dos santos, que nem os olhos viram, nem os ouvidos ouviram, nem o coração do homem pode conceber. Abríamos ansiosos os lábios de nosso coração ao jorro celeste de tua fonte — da fonte da VIDA que está em ti — para que, banhados por ela, pudéssemos de algum modo meditar sobre coisa tão transcendente. Confissões IX, X
Nossa conversa chegou à conclusão que nenhum prazer dos sentidos carnais, por maior que seja, e por mais brilhante e maior que seja a luz material que o cerca, não parece digno de ser comparado à felicidade daquela VIDA em ti. Elevando nosso sentimento para mais alto, mais ardentemente em direção ao próprio Ser, percorremos uma a uma todas as coisas corporais, até o próprio céu, de onde o sol, a luz e as estrelas iluminam a terra. Confissões IX, X
E subimos ainda mais em espírito, meditando, celebrando e admirando tuas obras, e chegamos até o íntimo de nossas almas. E fomos além delas, para alcançar a região da abundância inesgotável, onde apascentas eternamente a Israel com o alimento da verdade, lá onde a VIDA é a própria Sabedoria, por quem foram criadas todas as coisas, as que já existem e as vindouras, sem que ela própria se crie a si mesma, pois existe agora como antes existiu e como sempre existirá. Antes, nela não há nem passado, nem futuro: ela apenas é, porque é eterna; mas ter sido ou haver de ser não é próprio do ser eterno. Confissões IX, X
E enquanto assim falávamos dessa Sabedoria e por ela suspirávamos, chegamos a tocá-la momentaneamente com supremo ímpeto de nosso coração; e, suspirando, deixando ali atadas as primícias de nosso espírito, e voltamos ao ruído vazio de nossos lábios, onde nasce e morre a palavra humana, em nada semelhante a teu Verbo, Senhor nosso, que subsiste em si sem envelhecer, renovando todas as coisas! E dizíamos: Suponhamos que se calasse o tumulto da carne, as imagens da terra, da água, do ar e até dos céus; e que a própria alma se calasse, e se elevasse sobre si mesma não pensando mais em si; se calassem os sonhos e revelações imaginarias e, por fim, se calasse por completo toda língua, todo sinal, e tudo o que é fugaz — uma vez que todas as coisas dizem a quem sabe ouvi-las: Não fizemos a nós mesmas; fez-nos o que permanece eternamente — se, dito isto, todas se calassem, atentas a seu Criador; e se só ele falasse, não por suas obras, mas por si mesmo, de modo que ouvíssemos sua palavra, não por uma língua material, nem pela voz de um anjo, nem pelo ruído do realidade, e supondo que essa visão se prolongasse, que todas as outras visões cessassem, e unicamente esta arrebatasse a alma de seu contemplador, e a absorvesse e abismasse em íntimas delícias, de modo que a VIDA eterna seja semelhante a este momento de intuição que nos fez suspirar, não seria isto a realização do entrar em gozo de teu Senhor? Mas quando se dará isto? Por acaso quando todos ressuscitarmos? Mas então não seremos todos transformados? Confissões IX, X
Tais coisas dizíamos, embora não deste modo, nem com estas palavras. Mas tu sabes, Senhor, que naquele dia, à medida que falávamos dessas coisas, quanto nos parecia vil este mundo, com todos os seus deleites — disse-me minha mãe: “Filho, quanto a mim, já nada me atrai nesta VIDA. Não sei o que faço ainda aqui, nem por que ainda estou aqui, se já se desvaneceram pra mim todas as esperanças do mundo. Uma só coisa me fazia desejar viver um pouco mais, e era ver-te católico antes de morrer. Deus me concedeu esta graça superabundantemente, pois te vejo desprezar a felicidade terrena para servi-lo. Que faço, pois, aqui?” Confissões IX, X
Soube também depois que em Óstia, estando eu ausente, falou certo dia com alguns amigos meus, com maternal confiança, sobre o desprezo desta VIDA e o benefício da morte. Eles, maravilhados da coragem dessa mulher — dádiva tua — perguntaram-lhe se não temia deixar o corpo tão longe da pátria. “Nada está longe para Deus — disse ela — nem preciso temer que ele ignore, no fim dos tempos, o lugar onde me ressuscitará”. Confissões IX, XI
Era para mim grande consolação o testemunho que dera de mim, quando nesta última enfermidade, respondendo com ternura às minhas atenções, chamava-me de bom filho, e recordava com grande afeto o nunca ter ouvido de minha boca uma só palavra dura ou injuriosa contra ela. Entretanto, o que era, meu Deus e meu Criador, a solicitude que eu lhe tributava, em comparação com o devotamento servil que por mim suportava? Por me ver privado de tão grande consolo, sentia a alma ferida e minha VIDA, que era uma só com sua, estava despedaçada. Confissões IX, XII
Agora, com a ferida do meu coração já sanada, na qual se podia censurar um afeto muito carnal, derramo diante de ti, meu Deus, por tua serva, outra espécie de lágrimas, bem diferentes, aquelas que brotam do espírito comovido à vista dos perigos que corre toda alma que morre em Adão. É verdade que minha mãe, vivificada em Cristo, antes mesmo de ser livre dos laços da carne, viveu de tal modo, que teu nome era louvado em sua fé e em seus costumes. Contudo, não me atrevo a dizer que desde que a regeneraste no batismo não saiu de sua boca nenhuma palavra contrária à tua lei. Porque a Verdade, que é teu Filho, disse: “Quem chamar a seu irmão de louco será réu do fogo da geena”. Ai da VIDA dos homens, por mais louvável que seja, se tu a julgares sem a tua misericórdia! Mas porque não examinas nossos pecados com rigor, confiadamente esperamos tomar lugar a teu lado. Quem enumera diante de ti seus próprios méritos, que mais expõe senão teus dons? Oh! Se os homens se reconhecessem como homens! Se quem se glorifica se glorificasse no Senhor! Por isso, Deus de meu coração, minha VIDA e minha gloria, esquecendo por um momento as boas ações de minha mãe, pelas quais te dou graças com alegria, peço-te agora perdão por seus pecados. Ouve-me pelos méritos daquele que é o médico de nossas feridas, que foi suspenso do madeiro da cruz e que, sentado agora à tua direita, intercede por nós junto a ti. Eu sei que ela sempre agiu com misericórdia, e que perdoou de coração todas as faltas contra ela cometidas; perdoa-lhe também suas dívidas, se algumas contraiu em tantos anos que se seguiram ao batismo. Perdoa-lhe, Senhor, perdoa-lhe, te suplico, e não entres em juízo com ela. Confissões IX, XIII
Creio que já fizeste o que te suplico, mas desejo, Senhor, que acolhas os desejos de minha boca. Estando iminente o dia de sua morte, ela não desejou sepultar o corpo com grande pompa, ou que fosse embalsamado com preciosos aromas, nem desejou um rico monumento, nem se preocupou em tê-lo na pátria. Nada disto nos pediu, mas desejou apenas que nos lembrássemos dela ante do teu altar, onde servira todos os dias de sua VIDA, sabendo que nele se oferece a vítima santa, com cujo sangue se destrói o libelo de nossa condenação, e pelo qual vencemos o inimigo que conta nossas faltas e procura com que nos acusar, nada achando naquele que é nossa vitória. Confissões IX, XIII
Que ela repouse em paz com seu marido, antes e depois do qual não teve outro; a quem serviu, com uma paciência cujo fruto te oferecia, para o ganhar também para ti. Mas inspira, meu Senhor e meu Deus, inspira a teus servos, meus irmãos, a teus filhos, meus senhores, a quem sirvo de coração, com a palavra e com a pena, para que, ao lerem estas páginas, diante do teu altar lembrem de Mônica, tua serva, e de Patrício, outrora seu esposo, pelos quais me introduziste misteriosamente nesta VIDA. Que lembrem com piedoso afeto daqueles que foram meus pais nesta VIDA transitória, e meus irmãos em ti, ó Pai, na Igreja Católica, nossa mãe, e meus concidadãos na eterna Jerusalém, pela qual suspira teu povo em sua peregrinação desde a saída até o regresso. Assim, graças às minhas confissões, o último desejo de Mônica será mais amplamente satisfeito com muitas orações do que só pelas minhas. Confissões IX, XIII
Esta é a esperança com que falo, e nesta esperança me alegro, quando gozo de sã alegria. Tudo o mais desta VIDA, tanto menos se há de chorar quanto mais o choramos, e tanto mais teríamos que chorar quanto menos o choramos. Confissões X, I
Que tenho eu que ver com os homens, para que me ouçam as confissões, como se eles pudessem curar as minhas enfermidades? São curiosos para conhecer a VIDA alheia, mas indolentes para corrigir a própria! Por que desejam ouvir de mim quem sou, quando não se importam em saber de ti o que são? E como podem saber, ao me ouvirem falar de mim mesmo, se lhes digo a verdade, uma vez que homem algum sabe o que se passa no outro, senão o espírito do homem, que nele, habita? Mas, se ouvissem a ti falar deles, não poderiam dizer: “O Senhor mente”. E o que é ouvir-te falar de si, senão conhecerem-se a si mesmos? E quem, conhecendo a si mesmo, pode dizer “é falso”, sem mentir? Confissões X, III
Este poderá ser fruto de minhas confissões, não do que fui, mas do que sou. Farei minha confissão não apenas a ti, com íntima alegria mesclada de temor, e com secreta tristeza mesclada de esperança, mas também para os homens, que compartilham minha alegria e de minha mortalidade, meus concidadãos e peregrinos como eu, quer os que me precederam, como os que me seguem ou me acompanham no caminho da VIDA. Estes são teus servos, meus irmãos, que tu quiseste fossem filhos teus e meus senhores, e a quem me mandaste servir se quisesse viver contigo e de ti. Confissões X, IV
Mas o amor às coisas criadas os escraviza, e assim os torna incapazes de julgá-las. Ora, elas só respondem aos que podem julgar-lhes as respostas. Elas não mudam sua linguagem, isto é, sua beleza, quando um só as vê, e outro as interroga; elas não lhes aparecem diferentes mas, para uns ficam mudas, enquanto falam a outros. Ou melhor: eles falam a todos, mas apenas se entendem os que comparam sua expressão exterior com a verdade interior. De fato a verdade me diz: “Teu Deus não é nem o céu, nem a terra, nem corpo algum. A natureza das coisas o diz para quem sabe ver; a matéria é menor em seus elementos que em seu todo. Por isso, minha alma, digo-te que és superior ao corpo, pois vivificas sua matéria, dando-lhe VIDA, como nenhum corpo pode dar a outro corpo. Mas teu Deus é também para ti a VIDA de tua VIDA. Confissões X, VI
Que amo, então, quando amo a meu Deus? Quem é aquele que está acima da minha alma? É por minha alma; portanto, que subirei até ele. Hei de sobrepujar a força que me ata ao corpo, e que enche meu organismo de VIDA, pois não encontro nela o meu Deus. Se assim fosse, o cavalo e a mula, que não têm inteligência, também o encontrariam, porque essa mesma força vivifica seus corpos. Confissões X, VII
Grande é o poder da memória! E ela tem algo de terrível, meu Deus, em sua complexidade infinita e profunda. E isto é o espírito, e isto sou eu mesmo. Que sou, pois meu Deus? Qual a minha natureza? VIDA vária e multiforme, de amplidão imensa. Eis-me em minha memória, em seus campos, antros, inumeráveis cavernas, tudo isso infinitamente cheio de toda espécie de coisas, também inumeráveis. Umas gravadas em imagens, como os corpos; outras, estão sob a forma de não sei que noções e sinais, como os afetos da alma, que a memória conserva quando a alma já não os sente, embora tudo o que está na memória esteja também no espírito. Percorro em todas as direções este mundo interior, vou de um lado para outro, e nele me aprofundo o mais possível, sem encontrar-lhe os limites, tão grande é a VIDA que reside no homem mortal! Que hei de fazer, pois, meu Deus, minha verdadeira VIDA? Ultrapassarei também esta faculdade que se chama memória? Ultrapassa-la-ei para chegar a ti, doce luz? Que dizes? Confissões X, XVII
Pergunto a todos se preferem encontrar a alegria na verdade ou no erro; ninguém hesita em declarar que preferem a verdade, como em dizer que querem ser felizes. É que a felicidade é a alegria que provém da verdade. E essa alegria é a que nasce de ti, que és a própria Verdade, ó meu Deus, minha luz, saúde de meu rosto! Todos querem essa VIDA, a única feliz, essa alegria que se origina na verdade. Confissões X, XXIII
Quando me unir a ti com todo meu ser, não sentirei mais dor ou fadiga; minha VIDA, cheia de ti, será então a verdadeira VIDA. Alivias aqueles que enches de ti; mas, como ainda não estou cheio de ti, sou um peso para mim mesmo. Minhas alegrias, que deveriam ser choradas, lutam com minhas tristezas que deveriam alegrar-me, e ignoro de que lado está a vitória. Confissões X, XXVIII
Ai de mim, Senhor, tem piedade de mim! As tristezas do meu mal lutam com minhas santas alegrias, e eu não sei de que lado está a vitória. Ai de mim! Senhor, tem piedade de mim! Eis minhas feridas: eu não as escondo. Tu és o médico, eu o enfermo; és misericordioso, e eu, miserável. Não é contínua tentação a VIDA do homem sobre a terra? Quem quer aborrecimentos e dificuldades? Mandas que os suportemos, e não que os amemos. Ninguém ama o que tolera, ainda que goste de o tolerar; e mesmo que alguém se alegre em tolerar, preferiria nada ter que suportar. Na adversidade, desejo a prosperidade, e na prosperidade temo a adversidade. Entre estes dois extremos, qual será o termo médio onde a VIDA humana não seja tentação? Confissões X, XXVIII
Ai das prosperidades do século, onde se receia a adversidade e a alegria é corrompida! Ai das adversidades do século, uma, duas, três vezes ai! Pelo desejo da prosperidade, por ser dura a adversidade, e pelo temor que vença a nossa paciência! A VIDA do homem sobre a terra não é pois uma contínua tentação? Confissões X, XXVIII
Não é muito para ti, ó Todo-Poderoso, que podes fazer mais do que pedimos e compreendemos, fazer com que, quer minha idade presente, quer na minha VIDA futura, eu me deleite nessas tentações — mesmo que sejam tão pequenas, que o primeiro esforço as venceria, quando adormeço com pensamentos castos. Confissões X, XXX
Quanto à sedução dos perfumes, não me preocupo demais. Quando ausentes, não os procuro; quando presentes, não os recuso, mas estou sempre disposto a deles me abster. Pelo menos assim me parece, embora talvez me engane. Trevas deploráveis me envolvem, que me escondem minhas faculdades reais; por isso, quando meu espírito indaga à respeito de suas forças, bem sabe que não pode confiar em si mesmo, por seu íntimo permanecer muitas vezes insondável, até que a experiência lho manifeste. Ninguém pois se deve ter seguro nesta VIDA, que é tentação perpétua. Pois. Como podemos nos tornar melhores, não aconteça de nos tornar piores. Nossa única esperança, nossa única confiança, nossa firme promessa é tua misericórdia. Confissões X, XXXII
Agradam-me ainda, eu o confesso, os cânticos que tuas palavras vivificam, quando executados por voz suave e artística; todavia eles não me prendem, e dele posso me desvencilhar quando quero. Para assentarem no meu íntimo, em companhia com os pensamentos que lhe dão VIDA, buscam em meu coração um lugar de dignidade, mas eu me esforço ou me ofereço para ceder-lhes só o lugar conveniente. Confissões X, XXXIII
Ó luz que Tobias contemplava quando, cego, mostrava ao filho o caminho da VIDA, caminhando à sua frente com os passos da caridade, sem jamais se perder! Luz que via Isaac, quando seus olhos carnais, oprimidos e velados pela velhice, mereceram não abençoar os filhos reconhecendo-os, mas reconhecê-los ao abençoá-los! Luz que via Jacó, também cego pela idade provecta, irradiou os fulgores de seu coração iluminado sobre as gerações do povo futuro, representadas em seus filhos! E a seus netos, os filhos de José, impôs as mãos misticamente cruzadas, não na ordem em que queria dispô-los o pai, que via com os olhos corporais, mas de acordo com seu próprio discernimento interior! Eis a verdadeira luz; ela é uma, e todos os que a veem e amam formam um único ser. Confissões X, XXXIV
Quanto à luz corporal, de que falava, com sua doçura sedutora e perigosa, é um dos prazeres da VIDA para os cegos amantes do mundo. Mas os que nela sabem encontrar motivos para te louvar, Deus, criador de todas as coisas, convertem-na em hino em teu louvor, sem se deixarem dominar por ela no sono. é assim que desejo ser. Resisto às seduções dos olhos, para que meus pés, que começam a trilhar teus caminhos, não fiquem enredados. Elevo a ti olhos invisíveis, para que libertes meus pés de seus laços. Tu não cessa de livrá-los, porque sempre estão a se prender. Tu não cessas de me livrar, e eu me deixo cair a cada passo nas insídias espalhadas por toda parte, porque não dormirás, nem cochilarás, tu que guardas a Israel. Confissões X, XXXIV
Contudo, no turbilhão diário de tantas e tão variadas tentações que atormentam minha VIDA, quando ousarei dizer que nenhuma delas atrai mais minha atenção e não cativa minha vã curiosidade? Certamente que o teatro já não me atrai, nem me importo mais em conhecer o curso dos astros; jamais, para obter uma resposta, consultei as sombras, pois detesto todos os ritos sacrílegos. Confissões X, XXXV
Dessas quedas está repleta minha VIDA, e minha única esperança está em tua infinita misericórdia. Nosso coração é o receptáculo de tais misérias, e traz em si grande quantidade de vaidades, que muitas vezes até interrompem e perturbam nossas orações; e enquanto em tua presença levantamos a voz de nossa alma até teus ouvidos, tais pensamentos fúteis, vindos não sei de onde, vêm perturbar um ato tão importante. Confissões X, XXXV
Terei também essa miséria como desprezível? Haverá algo que possa restituir-me a esperança, a não ser tua conhecida misericórdia, que começou a me transformar? Sabes o quanto já me transformaste; curaste-me primeiro da paixão da vingança, para perdoar-me também todos meus pecados, curar minhas fraquezas, resgatar minha VIDA da corrupção, conservar-me na piedade e misericórdia, e saciar dos teus bens meu desejo. Derrubaste meu orgulho pelo temor, dobrando minha cerviz a teu jugo. Agora eu trago o teu jugo, e o sinto suave, como prometeste e cumpriste. Na verdade, teu jugo já era suave, mas eu não o sabia quando receava tomá-lo sobre mim. Confissões X, XXXVI
Mas, Senhor, tu és o único que sabe mandar sem orgulho, porque és o único Senhor verdadeiro, que não tem senhor! Diga-me, terá cessado em mim, se isso pode acontecer nesta VIDA, esta terceira espécie de tentação, que consiste em querer ser temido e amado pelos homens, com o único fim de obter uma alegria que não é alegria? Que VIDA miserável, que arrogância indigna! Aí está o principal motivo porque não te amamos e tememos piamente. Por isso resistes aos soberbos, enquanto dás tua graça aos humildes. Trovejas contra as ambições do mundo, e faz abalar as montanhas até suas raízes. Confissões X, XXXVI
Quanto à riqueza, ambicionada apenas para satisfazer a uma, duas ou todas as três paixões, no caso em que a alma não perceba se as despreza quando as possui, depende só dela renunciar a elas para provar seu desapego. Todavia, para nos privar dos louvores e provar nosso poder sobre eles, será talvez necessário levar uma VIDA má, infame, horrível, a ponto de ninguém nos conhecer sem nos detestar? Pode-se dizer ou conceber maior insanidade? Confissões X, XXXVII
Se o louvor deve habitualmente acompanhar uma VIDA boa e de boas obras, não será por isso que deveremos abandonar a VIDA exemplar. Contudo, para distinguir se a privação de um bem me é indiferente ou penosa, é preciso que me prive desse bem. Confissões X, XXXVII
Quando deixaste de me acompanhar, ó Verdade, para me ensinar o que eu devia evitar ou procurar, sempre te consultei, a ti submetendo, dentro da minha limitação, meus medíocres pontos de vista? Percorri com os sentidos, como pude, o mundo exterior. Observei a VIDA de meu corpo e os meus próprios sentidos. Depois adentrei nas profundezas da memória em seus múltiplos domínios, tão maravilhosamente repletos de inúmeras riquezas; observei tudo isso, estupefato. Sem teu auxílio nada poderia distinguir, mas reconheci que nada disto eras tu. Nem era eu o descobridor de todas essas coisas; me esforcei para distingui-las e avaliá-las em seu devido valor, recebendo-a através dos sentidos e interrogando-as. Senti outras coisas unidas a mim, e as examinei, assim como aos sentidos que mas traziam; revolvi as vastas reservas da memória, analisando certas lembranças, guardando umas e trazendo outras à luz. Porque tu és a luz permanente que eu consultava sobre a existência, o valor e a qualidade de todas as coisas, e eu ouvia teus ensinamentos e tuas ordens. Costumo fazê-lo muitas vezes, pois essa é a minha alegria, e sempre que meus trabalhos me permitem algum descanso, refugio-me nesse prazer. Confissões X, XL
Em nenhuma dessas coisas que percorro consultando-te, não encontro lugar seguro para minha alma senão em ti; só em ti se reúnem meus pensamentos esparsos, sem que nada meu se aparte de ti. Às vezes, me fazes conhecer uma extraordinária plenitude de VIDA interior, de inefável doçura que, se chegasse à contemplação, não seria certamente compatível com esta VIDA. Mas torno a cair nesta baixeza, cujo peso me acabrunha; volto a ser dominado pelos meus hábitos, que me tem cativo e, apesar de minhas lágrimas, não me libertam. Tão pesado é o fardo do hábito! Não quero estar onde posso e não posso estar onde quero: miséria em ambos os casos! Confissões X, XL
O verdadeiro mediador que tua insondável misericórdia enviou e revelou aos homens, para que aprendessem a humildade pelo seu exemplo, é esse mediador entre Deus e os homens, o homem Jesus Cristo. Apareceu como intermediário entre os pecadores mortais e o Justo imortal, mortal como os homens e justo como Deus. E, como a VIDA e a paz são a recompensa da justiça, pela justiça que o une a Deus ele suprimiu a morte entre os ímpios justificados, e quis compartilhá-la com eles. Foi revelado aos santos dos antigos tempos, para que eles se salvassem pela fé em sua paixão futura, como nós nos salvamos pela fé em sua paixão passada. De fato, só é mediador enquanto homem; enquanto Verbo não é intermediário, por ser igual a Deus: Deus em Deus e, ao mesmo tempo, Deus único. Confissões X, XLIII
Como nos amaste, Pai bondoso! Não poupando teu Filho único, o entregaste por nós pecadores! Oh! Como nos amaste! Foi por amor a nós que teu Filho, que não considerava rapina o ser igual a ti, submeteu-se até a morte de cruz. Ele era o único livre entre os mortos, tendo o poder de dar sua VIDA e de novamente retomá-la. Por nós se fez diante de ti vencedor e vítima; por nós, diante de ti, se fez sacerdote e sacrifício, e sacerdote porque ele era o sacrifício; de escravos, fez de nós teus filhos; nascidos de ti, se fez nosso escravo. Com razão ponho nele a firme esperança que curarás todas as minhas enfermidades por intermédio dele, que está sentado à tua direita e intercede por nós junto de ti. De outro modo desesperaria, pois são muitos e grandes meus males; porém mais poderoso é o poder do teu remédio. Poderíamos pensar que teu Verbo estava muito longe para se unir ao homem, e desesperar de nós, se ele não se tivesse feito carne, habitando entre nós. Confissões X, XLIII
Eis, Senhor, que lanço em ti os cuidados da minha VIDA, e contemplarei as maravilhas da tua lei. Conheces minha ignorância e minha fraqueza: ensina-me, cura-me. Teu Filho único, em que estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e da ciência, me remiu com sangue. Não me caluniem os soberbos, porque eu conheço bem o preço de minha redenção. Como o corpo e bebo o sangue da vítima redentora, distribuo-a aos outros; pobre, desejo saciar-me dela em companhia daqueles que a comem e são saciados. E louvarão ao Senhor os que o buscam! Confissões X, XLIII
Senhor, tem piedade de mim, ouve meu desejo. Julgo que não desejo nada da terra, nem ouro, nem prata, nem pedras preciosas, nem belas roupas. Nem honrarias, nem prazeres carnais, nem de coisas necessárias ao corpo de nossa peregrinação desta VIDA. Tudo, alias, nos é dado por acréscimo quando procuramos teu reino e tua justiça. Confissões XI, II
É nesse princípio, ó Deus, que criaste o céu e a terra; em teu Verbo, em teu Filho, em tua virtude, em tua sabedoria, em tua verdade, falando e agindo de modo admirável. Quem o poderá compreender ou explicar? Que luz é essa que por vezes me ilumina, e que fere meu coração sem o lesar? Atemorizo-me e inflamo-me: tremo porque, de certo modo, sou tão diferente dela; e inflamo-me, porque também sou semelhante a ela. A Sabedoria é a mesma sabedoria que brilha em mim de quando em quando: ela rasga as nuvens de minha alma, que novamente me encobrem quando dela me afasto, pelas trevas e pelo peso de minhas memórias. Na indigência, meu vigor enfraqueceu de tal modo, que nem posso mais suportar o meu bem, até que tu, Senhor que te mostraste compassivo com todas minhas iniquidades, cures também todas as minhas fraquezas. Redimirás minha VIDA da corrupção; hás de me coroar na piedade e na misericórdia, e saciarás com teus bens meus desejos, porque minha juventude será renovada com a da águia. Confissões XI, IX
E o que acontece com a canção tomada em seu conjunto, também ocorre com cada uma de suas partes, com cada sílaba; e também acontece com uma ação mais longa, da qual essa melodia talvez faça parte. O mesmo acontece com toda a VIDA do homem, da qual seus atos são partes. Sucede, enfim, com toda a história dos filhos do homem, da qual cada existência é apenas uma parte. Confissões XI, XXVIII
Mas porque tua misericórdia é superior a todas as vidas, e eis que minha VIDA não é mais que distensão, e tua destra me acolheu em meu Senhor, o Filho do homem, mediador entre ti, que és uno, e nós, que somos muitos e vivemos divididos por diversas paixões. Assim. Por ele me unirei àquele, que por ele se uniu a nós, e liberto dos antigos dias, recolherei meu ser seguindo tua Unidade. Esquecido do passado, sem me preocupar com as coisas futuras e transitórias, atento apenas àquilo que é eterno, não com dispersão mas com todas as minhas forças buscarei a palma da vocação celeste, onde ouvirei a voz de teu louvor, e onde contemplarei tua alegria, que não conhece futuro nem passado. Confissões XI, XXIX
Inquieto está meu coração, Senhor, quando, na miséria de minha VIDA é atingido pelas palavras de tua Escritura Sagrada. Por isso, geralmente, a abundância de palavras é testemunho da pobreza da inteligência humana. A busca usa mais palavras que a descoberta; é maior o pedir que o obter; a mão que bate cansa-se mais do que a mão que recebe. Mas nós temos tua promessa: quem a destruirá? Se Deus está conosco, quem será contra nós? Pedi, e recebereis; procurai e encontrareis; batei, e abrir-se-vos-á. Porque todo o que pede recebe, todo o que procura encontra, e a todo o que bate se lhe abrirá. Confissões XII, I
Assim, quando o pensamento indaga o que nossos sentidos podem colher a respeito dessa matéria, responde a si mesmo: “Não é nem forma inteligível, como a VIDA, como a justiça, porque é a matéria corpórea, nem uma forma sensível, porque nada há que se possa ver ou perceber no que é invisível e sem forma”. — Quando o pensamento humano fala desse modo, procura conhecê-la ignorando-a, ou ignorá-la conhecendo-a? Confissões XII, V
Ó Verdade, luz de meu coração, faze com que se calem as minhas trevas. Deixei-me cair nelas e fiquei às escuras; mas, mesmo do fundo desse abismo, eu te amei ardentemente. Andei, errante, mas lembrei de ti. Ouvi tua voz atrás de mim, que me exortava a que voltasse; mas dificilmente podia escutá-la, por causa do tumulto de minha alma. e agora, eis que, ardente e anelante, volto à tua fonte. Que ninguém mo impeça; beberei de sua água, e assim viverei. Que não seja eu minha própria VIDA! Vivi mal por minha culpa, e fui a causa de minha morte. Em ti eu revivo! Fala-me, ensina-me. Creio em teus livros, e tuas palavras encerram profundos mistérios. Confissões XII, X
Diante disso, possa a alma, cuja peregrinação afastou de ti, compreender se já tem sede de ti, se seu pranto se tornou seu pão, quando todos os dias lhe dizem: Onde está teu Deus? — se ela deseja apenas habitar em tua morada todos os dias de sua VIDA. E que é sua VIDA, senão tu? Confissões XII, XI
Quando porém, me dizem: “O pensamento de Moisés não é o que dizes, é o que eu afirmo” — sem contudo provar a veracidade de uma ou outra interpretação, então, ó VIDA dos pobres, ó meu Deus, em cujo seio não há contradição, inunda de paz o meu coração, para que eu tenha paciência para suportar essas pessoas. Pois não emitem tais opiniões inspirados por Deus, ou porque tenham lido o pensamento de teu servo, mas porque são orgulhosos. Ignoram o pensamento de Moisés, mas só apreciam o deles, e não por que seja verdadeiro, mas por ser o deles. Assim não fosse, apreciariam igualmente a opinião alheia, quando verdadeira, assim como eu aprecio o que eles dizem de verdadeiro, não porque vem deles, mas porque é verdade, e que, por isso mesmo, é tanto deles como minha, pois pertence em comum a todos os amantes da verdade. Confissões XII, XXV
Mas seu bem reside em se manter unido a ti, para não perder, afastando-se, a luz que adquiriu com a tua proximidade, tornando a cair em uma VIDA semelhante a um abismo de trevas. Confissões XIII, II
E também nós, que por nossa alma somos criaturas espirituais, nós nos afastamos de ti, nossa luz, nós fomos outrora trevas nesta VIDA e ainda padecemos por entre os restos de nossas trevas, até que nos tornamos tua justiça em teu Filho único, como as montanhas de Deus. Pois fomos objetos de teus juízos, que são profundos como abismos. Confissões XIII, II
Sobre as palavras que proferiste no começo da criação: “Faça-se a luz, e a luz foi feita” — eu entendo que se adaptam com propriedade à criatura espiritual, que já era uma espécie de via apta a receber tua luz. Mas assim como ela não tinha merecido de ti ser essa espécie de VIDA apta a receber a luz, do mesmo modo, uma vez criada, ela como as demais formas não mereceu de ti essa iluminação. Porque sua informidade não te agradaria se não tivesse tornado luz, e isso não se contentando com existir, mas contemplando a luz que a iluminava, unindo-se intimamente a ela. Assim, ela devia a existência e o viver feliz apenas à tua graça; voltada, por uma escolha feliz, para o que não pode mudar nem para melhor, nem para pior. Voltou-se para ti, que és o único que existes, e só o teu ser é simples, pois o viver e a felicidade são para ti a mesma coisa, porque és tua própria felicidade. Confissões XIII, III
Incorruptível, imutável, bastando-se a si mesma, tua vontade era suspensa acima da VIDA que tinhas criado, para a qual viver não é o mesmo que viver feliz, porque ela vive, mesmo quando flutua sobre as trevas. Esta VIDA carece ainda voltar-se para seu Criador, para viver cada vez mais próxima à fonte da VIDA, para ver a luz na Luz divina, e nela haurir perfeição, brilho e felicidade. Confissões XIII, IV
Já falei longamente do céu do céu, da terra invisível e informe e do abismo das trevas, onde a natureza espiritual errante e fluida permaneceria tal se não se voltasse para Aquele de quem toda VIDA procede, para que, por meio de sua luz, se tornasse viva e bela, o céu do céu, criado mais tarde entre a água superior e a água inferior. Confissões XIII, V
Dá-te a mim, meu Deus, entrega-te a mim. Eu te amo. Se meu amor é pouco, faze que eu te ame com mais força. Não posso medir, não posso saber o que falta a meu amor para que seja suficiente para que minha VIDA corra para teus braços, e dali não saia antes de se esconder no segredo do teu rosto. Confissões XIII, VIII
Quisera que os homens refletissem sobre três coisas que têm dentro de si mesmos. Elas diferem muito da Trindade, e eu só as proponho para que as usem como exercício e experiência do pensamento, e com isso compreender como estão longe deste mistério. Eis as três coisas: ser, conhecer, querer. Porque existo, conheço, quero e vejo. Eu sou aquele que conhece e quer. Sei que existo e que quero, e quero existir e saber. Repare, quem puder, como nessas três coisas a VIDA é indivisível, a unidade da VIDA, a unidade da inteligência, a unidade da essência; veja a impossibilidade de distinguir elementos inseparáveis e, contudo, distintos. O homem está diante de si mesmo; que ele se examine, veja e me responda. Contudo, por ter encontrado e reconhecido esta analogia, não julgue por isso ter compreendido a essência do Ser imutável, que transcende tais movimentos da alma, que existe imutavelmente, conhece imutavelmente e quer imutavelmente. Mas é por causa de tais atributos que em deus há a Trindade, ou esses três atributos pertencem a cada pessoa divina, cada uma sendo assim uma e trina? Ou ambas as coisas são admiravelmente reais: a Trindade, misteriosamente simples e múltipla, sendo para si mesma seu próprio fim infinito, pelo qual existe, se conhece e se basta imutavelmente na magnitude superabundante de sua unidade? Quem conceberá facilmente este mistério? Quem poderia explicá-lo? Quem, temerariamente, ousaria enunciá-lo de algum modo? Confissões XIII, XI
Leem, escolhem, amam. Leem perpetuamente, e o que eles leem jamais fenece; escolhendo e amando, leem tua imutável vontade. Teu códice jamais de fecha, jamais se enrola, porque tu mesmo és eternamente esse livro; tu os estabeleceste acima deste firmamento, levantado por ti acima da fraqueza dos povos da terra, para que estes, olhando-o, reconheçam tua misericórdia, que te anuncia no tempo, tu criador do tempo. Tua misericórdia está no céu, e tua verdade se eleva até às nuvens. As nuvens passam, mas o céu permanece. Os que pregam tua palavra passam para uma outra VIDA, mas tua Escritura se estende sobre os povos até o fim dos séculos. Confissões XIII, XV
Não é justo a teus olhos que a luz imutável seja conhecida pelo ser mutável, que ela ilumina, como ela se conhece a si própria. Por isso, minha alma é para ti como terra sem água, porque assim como não pode iluminar a si mesma, não se pode saciar por seus próprios meios. Porque em ti está a fonte da VIDA, e graças à tua luz é que veremos a luz. Confissões XIII, XVI
Senhor, assim como crias e concedes alegria e força, assim te peço que nasça da terra a vontade, e que a justiça lance os olhos sobre nós do alto dos céus, e que no firmamento brilhem os astros! Dividamos nosso pão com quem tem fome, acolhamos em nossa casa o pobre sem teto, vistamos quem está nu, e não desprezemos nossos semelhantes! Quando tais frutos nascem de nossa terra, olha, Senhor, e diz: Isso é bom; faze que tua luz brilho no momento oportuno. Por esta humilde messe de boas obras, faze que nos possamos elevar a uma contemplação deliciosa do Verbo da VIDA, e que brilhemos no mundo como astros, fixados no firmamento de tua Escritura. Confissões XIII, XVIII
Aquele rico perguntava ao bom Mestre o que deveria fazer para ganhar a VIDA eterna. E o bom Mestre, que é bom porque é Deus, e não um homem como o rico o considerava, lhe declarou: “O que deseja conseguir a VIDA deve observar os mandamentos, afastar de si a amargura da malícia e da iniquidade, não matar, não cometer adultério, não roubar, não prestar falso testemunho, a fim de que se mostre a terra seca, geradora do respeito do pai e da mãe e do amor do próximo. Confissões XIII, XIX
Como se Deus tivesse dito: Façam-se luminares no firmamento, e logo se fez ouvir um ruído vindo do céu, semelhante ao de um vento violento, e foram vistas línguas de fogo, que se dividiram e se colocaram sobre cada um deles. E apareceram luminares no céu, que possuíam a palavra de VIDA. Correi por toda parte, chamas sagradas, fogos admiráveis. Vós sois a luz do mundo, e não estais debaixo do alqueire. Aquele a quem vos unistes foi exaltado e ele vos exaltou. Correi e dai-vos a conhecer a todas as nações. Confissões XIII, XIX
Todas tuas obras são belas, mas és indizivelmente mais belo tu, que criaste tudo o que existe. Se Adão não se tivesse separado de ti, em sua queda, de seu seio não teria saído o oceano amargo do gênero humano, com sua profunda curiosidade, seu orgulho cheio de tempestades, suas ondas instáveis. E os dispensadores de tuas palavras não teriam a necessidade de representar, no meio de tantas águas, por meio de sinais físicos e sensíveis, teus atos e palavras místicas. Foi nesse sentido que entendi esses répteis e essas aves. Mas até os homens iniciados nesses sinais e deles imbuídos, não avançariam no conhecimento desses mistérios, aos quais estão sujeitos, se sua alma não se elevasse á VIDA do espírito, e, após a palavra inicial, não aspirasse à perfeição. Confissões XIII, XX
Abstende-vos das violências selvagens da soberba, das ociosas voluptuosidades da luxúria, da falsidade que engana em nome da ciência, para que os animais ferozes sejam domesticados, os brutos domados e para que as serpentes sejam inofensivas: todos representam alegoricamente os movimentos da alma humana. O fastio do orgulho, as delícias da luxúria, o veneno da curiosidade, são movimentos da alma morta, mas não morta a ponto de carecer de todo movimento; é afastando-se da fonte da VIDA que ela morre, o mundo a arrebata ao passar, e a este se amolda. Confissões XIII, XXI
Mas tua palavra, meu Deus, é a fonte da VIDA eterna, e não passa. Ela mesma nos proíbe que nos afastemos de ti por essas palavras: “Não vos conformeis com o mundo em que vivemos, para que a terra, fertilizada pela fonte da VIDA, produza uma alma viva, uma alma que busque em tua palavra, transmitida por teus evangelistas, se fortificar, imitando os imitadores de teu Cristo”. — Eis o sentido da expressão “segundo sua espécie”, porque o homem imita a quem ama. “Sede como eu” — diz o Apostolo, – porque sou como vós. — Assim haverá na alma viva apenas feras sem maldade, agindo com doçura. Pois nos deste este mandamento: “Fazei vossas obras com mansidão, e sereis amados por todos” — Também os animais domésticos serão bons: se comerem, não sofrerão fastio e, se não comerem, não terão fome. As serpentes, tornando-se boas, serão incapazes de causar danos, mas continuarão astutas e cautelosas; não investigarão a natureza temporal, senão na medida necessária para compreender e contemplar a eternidade através das coisas criadas. Esses animais, as paixões, obedecem à razão, quando refreados em seus caminhos mortais, vivem e se tornam bons. Confissões XIII, XXI
E note ainda nisto, meu leitor. Há uma frase que a Escritura declara de uma só forma, e que a voz fala apenas dessa maneira: “No princípio criou Deus o céu e a terra” — E não pode a frase ser interpretada diversamente — descartando o erro ou o sofisma — conforme os diversos pontos de vista legítimos? É assim que crescem e se multiplicam as gerações dos homens! Se consideramos a natureza das coisas, não alegoricamente, mas em sentido próprio, a sentença: “Crescei e multiplicai-vos” — se aplica a todas as criaturas que nascem de uma semente. Se, ao contrário, a interpretamos em sentido figurado, como penso que foi a intenção da Escritura, que não limita inutilmente essa benção aos peixes e aos homens, encontramos então multidões de criaturas espirituais e temporais, como no céu e na terra; de almas justas e injustas, como na luz e nas trevas; de escritores sagrados que nos anunciaram a Lei, como no firmamento estabelecido entre as águas; na sociedade amargurada dos povos, como no mar; no zelo das almas piedosas, como em terra enxuta; nas obras de misericórdia praticadas nesta VIDA, como nas plantas que nascem de semente e nas árvore frutíferas; nos dons espirituais concedidos para o bem de todos, como nos luminares do céu; nas paixões dominadas pela temperança, como na alma viva. Em todas essas coisas encontramos multidões, fecundidade, crescimento. Mas que esse crescimento e essa proliferação exprimam uma mesma ideia de vários modos e que uma só expressão possa ser entendida de muitas maneiras, esse fato, apenas o encontramos nos sinais sensíveis e nos conceitos intelectuais. Confissões XIII, XXIV
Tu nos deste para alimento todas as ervas que produzem semente e que cobrem a terra, e todas as árvore que contém em si, em germe, seus frutos. E não foi somente a nós que deste esse alimento, mas também às aves do céu, aos animais da terra e aos répteis, mas não aos peixes e aos grandes cetáceos. Dizíamos que esses frutos da terra significam e representam alegoricamente as obras de misericórdia, que a terra fecunda produz para as necessidades desta VIDA. Era semelhante a uma terra assim o piedoso Onesíforo, cuja casa recebeu a graça de tua misericórdia, porque muitas vezes assistira a teu Paulo, sem se envergonhar por suas cadeias. Confissões XIII, XXV
Por isso, Senhor, direi diante de ti a verdade. Por vezes, ignorantes e infiéis que, para serem iniciados e conquistados para a fé, precisam desses rituais de iniciação e de milagres mirabolantes, simbolizados, a meu ver, pelos peixes e pelos cetáceos, acolhem teus servos e os socorrem, ou os auxiliam nas necessidades da VIDA presente, sem saber por que o fazem nem em vista de que devem agir. Desse modo, nem aqueles os alimentam, nem estes são alimentados por eles, pois os primeiros não são movidos por vontade santa e reta, e os segundos não se alegram com os dons recebidos, não descobrindo neles fruto algum. Ora, a alma só se alimenta com o que lhe traz alegria. É esta a razão pela qual os peixes e os cetáceos se nutrem de alimentos que a terra só pode produzir depois de separados e purificados de amargura das águas do mar. Confissões XIII, XXVII
Acendeste então os luzeiros no firmamento: teus santos, que possuem a palavra de VIDA e brilham pela sublime autoridade dos seus dons espirituais. Depois, para difundir a fé entre as nações idólatras, fizeste com a matéria visível dos sacramentos os milagres bem perceptíveis, e determinaste as vozes das palavras sagradas, conformes ao firmamento de teu Livro, pelas quais seriam abençoados teus fiéis. Formaste depois a alma viva dos fiéis, pela disciplina das paixões bem ordenadas e pelo vigor da continência. Por fim renovaste a alma, que não estava sujeita senão a ti, e que não tinha mais necessidade de nenhuma autoridade humana para imitar, à tua imagem e semelhança; submeteste, como a mulher ao homem, a atividade racional ao poder da inteligência. Quiseste que a teus ministros que são necessários ao progresso dos fiéis nesta VIDA, que esses mesmos fiéis propiciassem o necessário para suas necessidades temporais; obras valiosas de caridade, cujos frutos colherão no futuro. vemos todas essas coisas, e todas são muito boas, porque tu as contemplas em nós, tu que nos deste o Espírito, para que por ele pudéssemos vê-las e amar-te nelas. Confissões XIII, XXXIV
O sétimo dia, porém, não tem crepúsculo; não entardece porque o santificaste para que se prolongue eternamente. E o repouso de teu sétimo dia, depois de ter criado tantas e tão boas obras, embora sem te causar fadiga, a palavra de tua Escritura nos anuncia que também nós, depois de nossos trabalhos, que são bons porque assim nos o concedeste, encontraremos o repouso em ti, no sábado da VIDA eterna. Confissões XIII, XXXVI