És grande, Senhor e infinitamente digno de ser louvado; grande é teu poder, e incomensurável tua SABEDORIA. E o homem, pequena parte de tua criação quer louvar-te, e precisamente o homem que, revestido de sua mortalidade, traz em si o testemunho do pecado e a prova de que resistes aos soberbos. Todavia, o homem, partícula de tua criação, deseja louvar-te. Confissões I, I
Entre essa gente estudava eu, em tão tenra idade, os livros da eloquência, na qual desejava sobressair com o fim condenável e vão de satisfazer à vaidade humana. Mas, seguindo o programa usado no ensino desses estudos, cheguei a um livro de Cícero, cuja linguagem, mais do que seu conteúdo, quase todos admiram. Esse livro contém uma exortação à filosofia, e se chama Hortênsio. Esse livro mudou meus sentimentos, e transferiu para ti, Senhor, minhas súplicas, e fez com que mudassem meus votos e desejos. Subitamente, tornou-se vil a meus olhos toda vã esperança, e com incrível ardor de meu coração suspirava pela SABEDORIA imortal, e comecei a me reerguer para voltar a ti. Não era para limar a linguagem — aperfeiçoamento que, parece, eu compraria com o dinheiro de minha mãe, naquela idade de meus dezenove anos, fazendo dois que morrera meu pai — não era, repito, para limar o estilo que eu me dedicava à leitura daquele livro, nem era seu estilo o que a ela me incitava, mas o que ele dizia. Confissões III, IV
Como ardia, meu Deus, como ardia meus desejos de voar para ti das coisas terrenas, sem que eu soubesse o que obravas em mim! Porque em ti está a SABEDORIA, pela qual aquelas páginas me apaixonavam. Não faltam os que nos iludam servindo-se da filosofia, colocando ou encobrindo seus erros com nome tão grande, tão doce e honesto. Mas quase todos os que assim fizeram em seu tempo e em épocas anteriores, são apontados e refutados nesse livro. Também se encontra ali bem claro aquele salutar aviso de teu Espírito, dado por meio de teu servo bom e piedoso (Paulo): Vede que ninguém vos engane com vãs filosofias e argúcias sedutoras, de acordo com a tradição dos homens e os ensinamentos deste mundo, e não de acordo com Cristo, porque é nele que habita corporalmente toda a plenitude da divindade. Confissões III, IV
Mas então — tu bem o sabes, luz de meu coração — eu ainda não conhecia o pensamento de teu Apóstolo. Só me deleitava naquelas palavras de exortação, o fato de me excitarem fortemente, inflamando-me a amar, a buscar, a conquistar, a reter e a abraçar não a esta ou àquela seita, senão à própria SABEDORIA, onde quer que estivesse. Só uma coisa me arrefecia tão grande ardor: não ver ali o nome de Cristo. Porque este nome, Senhor, este nome de meu Salvador, teu filho, por tua misericórdia eu o bebera piedosamente com o leite materno, e o conservava, no mais profundo do meu coração, em alto apreço; e assim, tudo quanto fosse escrito sem este nome, por mais verídico, elegante e erudito que fosse, não me arrebatava totalmente. Confissões III, IV
Não conhecia tampouco a verdadeira justiça interior, que não julga pelo costume, mas pela lei retíssima do Deus onipotente. Por ela se hão de formar os costumes dos países conforme os mesmos países e tempos, e sendo a mesma em todas as partes e tempos, não varia de acordo com as latitudes e as épocas; lei essa segundo a qual foram justos Abraão, Isaac, Jacó e Davi, e todos os que são louvados pela boca de Deus. Os ignorantes, julgando as coisas de acordo com a SABEDORIA humana, e medindo a conduta alheia pela própria, os julgam iníquos. É como se um ignorante em armaduras, não sabendo o que é próprio de cada membro, quisesse cobrir a cabeça com a couraça e os pés com o elmo, e se queixasse de que as peças não se lhe adaptem convenientemente. Ou como se alguém se queixasse de que, em determinado dia considerado feriado do meio-dia em diante, não lhe permitissem vender a mercadoria à tarde, como acontecera pela manhã; ou porque vê que na mesma casa permite-se a um escravo qualquer tocar no que não é permitido ao copeiro; ou porque não se permite fazer diante dos comensais o que se faz atrás de uma estrebaria; ou, finalmente, se indignasse porque, sendo uma a casa e uma a família, não se atribuíssem a todos as mesmas coisas. Confissões III, VII
Mas não conheceram o caminho, o teu Verbo, por quem fizeste as coisas que numeram, e a eles próprios que as numeram, e os sentidos com que percebem as coisas que numeram, e a mente graças à qual as numeram. Tua SABEDORIA escapa aos números. Teu Filho Unigênito se fez para nós SABEDORIA, justiça e santificação, e foi contado entre nós, e pagou tributo a César. Não conheceram este caminho, por onde desceriam de seu orgulho até ele, e por ele subiriam até ele; não conheceram, digo, este caminho, e se julgaram mais elevados e resplandecentes que estrelas, e assim vieram a rolar por terra, e seu coração insensato se obscureceu. Confissões V, III
Eu porém guardava muitas de suas opiniões verdadeiras acerca das criaturas, cuja explicação encontrava nos números, na ordem dos tempos e no testemunho visível dos astros; comparava-as com os ensinamentos de Manés, que escreveu sobre essas matérias numerosas e delirantes loucuras, sem achar nenhuma explicação para os solstícios e equinócios, os eclipses do sol e da lua, e para outras coisas, enfim, das quais tomara conhecimento pelos livros da SABEDORIA profana. Confissões V, III
Mas, quem pediu a esse Manés que escrevesse sobre coisas cujo conhecimento não é necessário à piedade? Tu disseste ao homem: Vê que a piedade é a SABEDORIA. Manés podia muito bem ignorar essa piedade ainda que fosse muito instruído nas ciências profanas. Mas, como não as conhecia, e se atrevia desavergonhadamente a ensiná-las, de nenhum modo conhecia a piedade. Pois certamente é vaidade alardear conhecimentos humanos, mesmo verdadeiros, e é piedade confessar-te a ti. Manés, afastando-se dessa regra, falou tanto sobre essas coisas que foi convencido de sua ignorância pelos que as conhecem bem. Donde se viu-se claramente o crédito que merecia em matérias mais obscuras. Ele não queria ser pouco estimado; empenhou-se em convencer aos demais que tinha em si, pessoalmente, e na plenitude de seu poder, o Espírito Santo, que consola e enriquece teus fiéis. Surpreendido em erro ao falar do céu, das estrelas, e do curso do sol e da lua, embora tais coisas não pertençam à religião, claramente deixou ver ser sacrílego seu atrevimento ao ensinar coisas que ignorava e também falsas, e isso com tão insano orgulho a ponto de atribuí-las à pretensa divindade de sua pessoa. Confissões V, V
Mas eu, meu Deus, nessa época já tinha aprendido de ti, por caminhos ocultos e admiráveis — e creio que eras tu que me ensinavas, porque era verdade, e ninguém pode ser mestre da verdade senão tu, seja qual for a instância e modo dela brilhar — já havia aprendido de ti que não se deve ter por verdadeiro um pensamento porque expresso eloquentemente nem falso porque é dito com rudeza; e que, pelo contrário, um pensamento não é verdadeiro por ser enunciado com simplicidade, nem falso porque sua expressão é elegante; a SABEDORIA e a ignorância são como alimentos, proveitosos ou nocivos, e as palavras, elegantes ou rudes, como pratos preciosos ou toscos, nos quais se podem servir a ambos. Confissões V, VI
Deste modo, o processo foi transferido para aquela casa, para confusão da turba, que já imaginara tripudiar de Alípio. O futuro dispensador de tua palavra, e juiz de tantas causas de tua Igreja, saiu dessa aventura com mais experiência e SABEDORIA. Confissões VI, IX
Também Nebrídio deixou sua pátria, vizinha de Cartago, e a própria Cartago, onde gozava de boa fama. Abandonou as magníficas propriedades do pai, a casa e até a própria mãe, que não o quis seguir; veio para Milão apenas para viver comigo, na busca apaixonada da verdade e da SABEDORIA. Confissões VI, X
Era com admiração que me recordava diligentemente do longo tempo decorrido desde meus dezenove anos, quando comecei a arder no desejo da SABEDORIA, propondo-me, quando a achasse, abandonar todas as vãs esperanças e enganosas loucuras das paixões. Confissões VI, XI
Aqui estariam os limites de meus desejos. Muitos homens grandes e dignos de imitação, apesar de casados, dedicaram-se ao estudo da SABEDORIA. Confissões VI, XI
Opunha-se Alípio a que me casasse, repetindo-me que, se o fizesse, não poderíamos dedicar-nos juntos, com segura tranquilidade, ao amor da SABEDORIA, como há muito desejávamos. Confissões VI, XII
Eu argumentava com os exemplos dos que, embora casados, haviam-se dedicado ao estudo da SABEDORIA, servindo a Deus, e guardando fidelidade e amor aos amigos. Contudo, eu estava longe dessa grandeza de alma. Prisioneiro da morbidade da carne, arrastava com prazer mortal minha cadeia, temendo que ela se rompesse e, rejeitando as palavras que bem me aconselhavam, como o ferido repele a mão que lhe desfaz as ataduras. Confissões VI, XII
Novamente aos suspiros e gemidos, voltamos a caminhar pelos largos e batidos caminhos do século, porque em nosso coração havia mil pensamentos, mas teu conselho permanece eternamente. Na tua SABEDORIA te rias de nossos projetos, e preparavas o cumprimento dos teus, a fim de dar-nos alimento no tempo oportuno, abrindo tuas mãos e enchendo-nos de bênçãos. Confissões VI, XIV
Desde que comecei receber as lições da SABEDORIA, não mais te imaginava, meu Deus, sob a forma de um corpo humano — sempre fugi dessa ideia, e me alegrava encontrar essa doutrina na fé de nossa mãe espiritual, a Igreja Católica; – mas não me ocorria outro modo de te imaginar. Confissões VII, I
Ainda por isso, meu Deus, quero confessar-te tuas misericórdias desde o mais íntimo de minha alma! Foste tu, e só tu — pois, quem pode afastar-nos da morte do erro, senão a Vida que desconhece a morte, a SABEDORIA que ilumina as pobres inteligências sem precisar de outra luz, e que governa o mundo até as folhas que tremulam nas árvores? Foste tu que medicaste a obstinação com que me opunha ao sábio velho Vindiciano e ao magnânimo jovem Nebrídio, que diziam — o primeiro, com veemência, o segundo com alguma hesitação, mas frequentemente — não existir a tal arte de predizer as coisas futuras, e que as conjecturas dos homens muitas vezes têm concurso do acaso e que, de tanto repetir, acertavam em predizer algumas coisas, sem que os mesmos que as diziam o soubessem. Confissões VII, VI
Neles se diz também que antes e sobre todos os tempos, teu Filho único permanece imutável, eterno consigo, e que de sua plenitude recebem as almas para sua bem-aventurança e que, para serem sábias, são renovadas participando da SABEDORIA que permanece em si mesma. Confissões VII, IX
Buscava um meio que me der força necessária para gozar de ti, e não a encontrei enquanto não me abracei ao Mediador entre Deus e os homens, o homem Cristo Jesus, que está sobre todas as coisas, Deus bendito por todos os séculos, que chama e diz: Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ele une o alimento à carne (alimento que eu não tinha forças para tomar), porque o Verbo se fez carne, para que tua SABEDORIA, pela qual criaste todas as coisas, fosse o leite de nossa infância. Confissões VII, XVIII
Mas eu então julgava de outro modo. Considerava meu Senhor Jesus Cristo apenas um homem de extraordinária SABEDORIA, a quem ninguém poderia igualar. Sobretudo seu miraculoso nascimento de uma virgem, que nos ensina a desprezar os bens temporais para adquirir a imortalidade. Parecia-me ter merecido, por decreto da Providência divina, uma soberana autoridade para ensinar os homens. Confissões VII, XIX
Somente conhecia, pelas coisas que dele nos deixaram escritas, que comeu, bebeu, dormiu, passeou, que se alegrou, se entristeceu e pregou, e que essa carne não se juntou a teu Verbo senão com alma e inteligência humanas. Tudo isso sabe quem conhece a imutabilidade de teu Verbo, que eu já conhecia quanto me era possível, sem que disso nada duvidasse. Com efeito, mover os membros do corpo à vontade, ou não movê-los, estar dominado por algum afeto ou não o estar, traduzir por palavras sábios pensamentos e depois calar, são caracteres próprios da mutabilidade da alma e da inteligência. Se esses testemunhos das Escrituras fossem falsos, tudo o mais correria o risco de ser mentira, e o gênero humano não teria mais nesses livros a fé, condição de salvação. Mas como são verdadeiras as coisas nela escritas, eu reconhecia em Cristo um homem completo, não somente o corpo de um homem, ou um corpo sem uma alma inteligente, mas um homem real, que eu julgava superior a todos os outros não por ser a personificação da verdade, mas em razão da singular excelência de sua natureza humana, e de uma mais perfeita participação na SABEDORIA. Confissões VII, XIX
Há ainda outra espécie de ímpios; os que, conhecendo a Deus, não o glorificam como Deus, nem lhe renderam graças. Eu também tinha caído nesse pecado; mas tua destra me amparou e libertou, colocando-me em lugar onde me pudesse curar; e disseste ao homem: Eis que a piedade é a SABEDORIA. E ainda: Não queiras parecer sábio, porque os que se dizem sábios tornaram-se insensatos. Confissões VIII, I
Não foi, pois, o interesse que moveu a Nebrídio — que poderia auferir bem mais vantagens se ensinasse as letras — mas, como grande amigo que era, não quis recusar nosso pedido em obsequio à amizade. Agia, porém, com muita prudência, evitando fazer-se conhecido dos poderosos deste mundo, para evitar as inquietações do espírito que ele queria manter o mais possível livre e desocupado para investigar, ler ou ouvir algo sobre a SABEDORIA. Confissões VIII, VI
E quanto mais ardentemente amava aqueles jovens, cuja salutar decisão ouvia relatar, por se terem entregue completamente a ti para que os curasses, tanto mais acerbamente me odiava ao me comparar com eles. Com efeito, já tinham decorrido muitos anos — talvez uns doze — desde que, ao dezenove anos, lendo o Hortênsio de Cícero, sentira-me atraído para o estudo da SABEDORIA. Ia adiando a hora de abandonar a felicidade meramente terrena, quando não somente a sua descoberta, mas a sua própria busca, deveria ser preferida aos maiores tesouros do mundo e aos maiores prazeres corporais, que a um aceno, afluíam a meu redor. Confissões VIII, VII
Não muito depois de nossa conversão e regeneração por teu batismo, fez-se por fim católico fiel. Servia-te na África junto aos seus, em castidade e continência perfeitas; toda sua família, sob sua influência, se fizera cristã. Libertaste-o então dos laços da carne, vivendo agora no seio de Abraão, seja qual for o significado dessa expressão. Ali vive meu Nebrídio, meu doce amigo que, de liberto, se tornou teu filho adotivo. Ali vive — pois, que outro lugar conviria a uma alma assim? Ali vive, nesse lugar sobre o qual indagava muitas coisas a mim, pobre homem ignorante. Já não aproxima seu ouvido da boca, mas aproxima sua boca espiritual de tua fonte, e bebe avidamente de tua SABEDORIA, numa felicidade sem fim. Mas não creio que se embriague a ponto de esquecer de mim, enquanto tu, Senhor, que és sua bebida, te lembras de nós. Confissões IX, III
E subimos ainda mais em espírito, meditando, celebrando e admirando tuas obras, e chegamos até o íntimo de nossas almas. E fomos além delas, para alcançar a região da abundância inesgotável, onde apascentas eternamente a Israel com o alimento da verdade, lá onde a vida é a própria SABEDORIA, por quem foram criadas todas as coisas, as que já existem e as vindouras, sem que ela própria se crie a si mesma, pois existe agora como antes existiu e como sempre existirá. Antes, nela não há nem passado, nem futuro: ela apenas é, porque é eterna; mas ter sido ou haver de ser não é próprio do ser eterno. Confissões IX, X
E enquanto assim falávamos dessa SABEDORIA e por ela suspirávamos, chegamos a tocá-la momentaneamente com supremo ímpeto de nosso coração; e, suspirando, deixando ali atadas as primícias de nosso espírito, e voltamos ao ruído vazio de nossos lábios, onde nasce e morre a palavra humana, em nada semelhante a teu Verbo, Senhor nosso, que subsiste em si sem envelhecer, renovando todas as coisas! E dizíamos: Suponhamos que se calasse o tumulto da carne, as imagens da terra, da água, do ar e até dos céus; e que a própria alma se calasse, e se elevasse sobre si mesma não pensando mais em si; se calassem os sonhos e revelações imaginarias e, por fim, se calasse por completo toda língua, todo sinal, e tudo o que é fugaz — uma vez que todas as coisas dizem a quem sabe ouvi-las: Não fizemos a nós mesmas; fez-nos o que permanece eternamente — se, dito isto, todas se calassem, atentas a seu Criador; e se só ele falasse, não por suas obras, mas por si mesmo, de modo que ouvíssemos sua palavra, não por uma língua material, nem pela voz de um anjo, nem pelo ruído do Todo-Poderoso, és tu, Senhor, que no princípio, que vem de ti, em tua SABEDORIA, nascida de tua substância, fizeste algo do nada. Criaste o céu e a terra, e isso não com tua substância, pois nesse caso, tua criação seria igual a teu Filho unigênito e, por isso, iguais a ti mesmo. E não seria justo que o que não é da tua substância, fosse igual a ti. Confissões XII, VII
Não encontramos o tempo antes dessa criação, porque a SABEDORIA foi a primeira de todas as tuas criações. E é claro que não me refiro à SABEDORIA da qual és Pai, ó nosso Deus, e que te é perfeitamente igual e co-eterna, por quem todas as coisas foram criadas, e que é o princípio em que criaste o céu e a terra; refiro-me à SABEDORIA criada, dessa essência intelectual que, pela contemplação da luz, também é luz; a esta, embora criada, também chamamos de SABEDORIA. E assim como a luz que ilumina difere da luz refletida, a SABEDORIA criada difere da SABEDORIA incriada; e a justiça justificante difere da justiça nascida da justificação. Nós fomos também chamados de tua justiça. Porque um de teus servos disse: “Para que, em Cristo, nos tornemos a justiça de Deus”. — Há portanto, uma SABEDORIA criada antes de todas as coisas, e ela foi criada como espírito racional e inteligente, que habita tua cidade santa, nossa mãe, que está no alto, livre e eterna nos céus — e em que céus, senão aos céus dos céus, que te louvam, esse céu que pertence ao Senhor? — Se não encontramos o tempo antes dessa SABEDORIA, é porque ela precede à criação do tempo, tendo sido criada primeiro, mas antes dela há a eternidade de seu Criador, de quem recebeu sua origem, e não do tempo, pois este ainda não existia, mas pela sua condição de criatura criada. Confissões XII, XV
Algum outro dirá, talvez, que a realidade invisível e visível não foi chamada impropriamente de céu e terra, e portanto, que o universo criado por Deus na SABEDORIA, isto é, no princípio, está compreendido sob esses dois termos. Porém as coisas não foram feitas da substância de Deus, mas do nada, e não se confundem com Deus, e nelas existe o princípio da mutabilidade, quer permaneçam como morada eterna de Deus, quer mudando-se como a alma e o corpo do homem. Confissões XII, XVII
Por isso a matéria comum a todas as coisas invisíveis e visíveis, matéria ainda informe, mas susceptível de forma, e de onde se fariam o céu e a terra — em outras palavras, a criação invisível e visível — mas uma e outra tendo recebido forma, foi designada por essas expressões de terra invisível e informe, e de trevas reinando sobre o abismo. Com a seguinte distinção: por terra invisível e informe deve-se entender a matéria corpórea antes de ser qualificada pela forma; e por trevas reinando sobre o abismo, a matéria espiritual antes da restrição de sua, digamos, imoderada fluidez, e antes de ser iluminada pela SABEDORIA. Confissões XII, XVII
A verdade, Senhor é que criaste o céu e a terra. A verdade é que o princípio é tua SABEDORIA, em que criaste todas as coisas. É também verdade que este mundo visível se compõe de duas grandes partes, o céu e a terra, síntese de todas as realidades criadas. É ainda verdade que tudo o que é mutável sugere a nosso pensamento a ideia de algo informe, susceptível de tomar forma, de mudar e de se transformar. Confissões XII, XIX
Outros, refletindo o sentido destas palavras: “No princípio criou Deus…” — vê no princípio a SABEDORIA, porque também ela nos fala. Confissões XII, XXVIII
Outro, ao considerar as mesmas palavras, entende por princípio o começo da criação, e a expressão: “Deus criou no princípio” significa para ele: “Deus primeiramente fez”. E entre os mesmos que por princípio entendem que Deus criou em sua SABEDORIA o céu e a terra, um acredita que céu e terra designam a matéria da qual o céu e a terra foram criados; outro pensa que a expressão se aplica a naturezas já formadas e distintas; outro sustenta que a palavra céu significa natureza formada e espiritual, a terra, a natureza informe e material. Confissões XII, XXVIII
É pela plenitude de tua bondade que as criaturas subsistem, para que um bem, para ti de todo inútil, ou de nenhum modo igualável a ti, embora saído de ti, continuasse a existir, pois tu o criaste. Com efeito, que poderiam merecer de ti o céu e a terra, que criaste no princípio? E digam, as naturezas espirituais e corpórea, que méritos tinham a teus olhos, que as criaste em tua SABEDORIA? Que méritos, para receber de ti o ser, que mostram inacabado e informe, quando tendem à desordem e se afastam de tua semelhança? O que é de natureza espiritual, mesmo informe, é ainda superior a um corpo que recebeu forma; um corpo sem forma é superior ao puro nada; ora, todas essas coisas continuariam informes em teu Verbo, se essa mesma palavra não as recolhesse à tua Unidade, comunicando-lhes a forma e a excelência graças apenas a ti, soberano Bem. Mas que merecimentos antecipados apresentaram a teus olhos, para existir mesmo informes essas criaturas que, sem que as criasses nem teriam existido? Confissões XIII, II
E o que a matéria corporal merecera de ti para existir, mesmo invisível e caótica? Nem mesmo essa existência teria, se não as tivesses criado. Não existindo ainda, não podia ter merecimento algum para existir. E a criatura espiritual, ainda no estado embrionário, que títulos teria, mesmo para ser essa coisa vagante e tenebrosa, semelhante ao abismo, diferente de ti, se por teu Verbo não fosse conduzida ao mesmo Verbo que a criou e se, iluminada por ele, também não se transformasse em luz, não igual, mas análoga à tua imagem? Para um corpo, não é a mesma coisa existir e ser belo, pois de outro modo não poderia viver e viver sabiamente não são a mesma coisa, porque, se fosse, todo espírito seria imutável em sua SABEDORIA. Confissões XIII, II
Mas eis que me aparece o enigma da Trindade que és, meu Deus. Porque tu, Pai, criaste o céu e a terra no princípio de nossa SABEDORIA, que é tua SABEDORIA, nascida de ti, igual e co-eterna, a ti, isto é, em teu Filho. Confissões XIII, V
Senhor, faze que contemplemos os céus, obra de tuas mãos! Dissipa de nossos olhares as nuvens com que os tens velado. Neles está teu testemunho, dando SABEDORIA aos humildes. Meu Deus completa teu louvor pela boca dos meninos que ainda mamam! Não conhecemos outros livros que assim destruam a soberba, e que abatam tão bem o inimigo que resiste a toda reconciliação contigo, e defende seus pecados. Não, Senhor, não conheci outras palavras tão puras, que tantos me persuadissem à confissão, e sujeitassem minha mente a teu jugo, convidando-me a te servir tão desinteressadamente. Oxalá eu as compreenda, bondoso Pai! Concede esta graça à minha submissão, pois as firmaste para os corações submissos. Confissões XIII, XV
Por desígnio eterno, lanças sobre a terra os bens do céu no tempo oportuno; a um, teu Espírito dá a palavra de SABEDORIA, luminar maior para os que encontram seu deleite na luz de uma verdade clara como o raiar do dia; a outro dás, pelo mesmo Espírito, a palavra de ciência, luminar menor; a outro a fé; a outro o poder de curar; a outro o dom dos milagres; a outro a graça da profecia; a este o discernimento dos espíritos, àquele o dom das línguas. E todos esses dons são como estrelas, são obra de um só e mesmo Espírito, que reparte a cada um os seus dons como lhe agrada, e que faz aparecer tais astros para o bem comum. Confissões XIII, XVIII
Mas a palavra de ciência em que estão encerradas todos os mistérios, que variam com o tempo, como varia a lua, e os outros dons que mencionei ao compará-los com as estrelas, diferem a tal ponto desse brilho de SABEDORIA de que goza o raiar do dia, que não passam de crepúsculo. Confissões XIII, XVIII
Contudo, teus dons são necessários àqueles homens, a quem teu prudente servidor não pôde dirigir como a espirituais, mas como a carnais, ele que pregou a SABEDORIA entre os perfeitos. Confissões XIII, XVIII
Quanto ao homem carnal, semelhante a um menino em Cristo, que só se alimenta de leite, que não se julgue abandonado em sua noite, que saiba contentar-se com a luz da lua e das estrelas, até que possa tomar alimento sólido e olhar para o sol. Eis o que nos ensinas em tua SABEDORIA, nosso Deus, em teu livro, que é teu firmamento, para que distingamos todas as coisas em contemplação admirável, embora ainda estejamos sob a lei dos sinais, dos tempos, dos dias e dos anos. Confissões XIII, XVIII
— Tudo isto já fiz — diz o rico. — De onde vêm pois tantos espinhos, se a terra é fértil? — Vai, arranca os espessos emaranhados da avareza, vende teus bens, enriquece-te dando tudo aos pobres, e possuirás um tesouro no céu; segue o Senhor se queres ser perfeito, junta-te aos que ele instrui nas palavras de SABEDORIA, ele que sabe o que se deve dar ao dia e à noite. Também tu o saberás, e eles se tornarão para ti luminares no firmamento do céu. Mas isso não se realizará se ali não estiver teu coração, e teu coração, não estará onde não estiver teu tesouro — Assim falou teu bom Mestre. Mas a terra estéril entristeceu, e os espinhos sufocaram a Palavra divina. Confissões XIII, XIX
Mas vós, geração escolhida, fracos aos olhos do mundo, que tudo deixaste para seguir o Senhor, caminhais após ele, confundi os fortes; segui-lo com vossos pés resplandecentes, e brilhai no firmamento para que os céus cantem suas glórias, distinguindo a luz dos perfeitos, que ainda não são semelhantes aos anjos, e as trevas dos pequenos, que ainda não perderam a esperança. Brilhai sobre toda a terra! Que o dia resplandecente de sol transmita ao dia seguinte a palavra de SABEDORIA, e que a noite, iluminada pela lua, transmita à noite a palavra de Ciência. A lua e as estrelas brilham na noite, mas a noite não as obscurece, porque são elas que iluminam a noite, de acordo com a sua capacidade. Confissões XIII, XIX
Por certo que não. Há coisas cuja ideia é completa, acabada, que não se multiplicam no curso das gerações, tais como as luzes da SABEDORIA e da ciência. Mas esses seres são o objeto de operações materiais múltiplas e variadas e, crescendo umas de outras, se multiplicam sob tua benção, meu Deus. É assim que refreias a impertinência de nossos sentidos, dando a uma verdade única o meio de se exprimir de varias maneiras, por movimentos do corpo. Eis que produziram tuas águas, pela onipotência de teu Verbo. Tudo isto se originou das necessidades de povos afastados de tua verdade eterna, por meio do teu Evangelho. De fato foram essas águas que fizeram brotar essas coisas, e sua amargura estagnante foi causa de que teu Verbo as criasse. Confissões XIII, XX
Quer dizer, então, ó minha Luz, ó Verdade? Que tais palavras carecem de senso e foram ditas em vão? De nenhum modo, ó Pai de misericórdia. Longe de mim, longe do servidor de teu Verbo, uma tal afirmação! Apenas não compreendo o sentido dessas palavras, e espero que os melhores que eu, ou seja, os mais inteligentes, a entendam melhor, segundo a SABEDORIA que deste, meu Deus, a cada um. Que te agrade ao menos a confissão, que faço diante de ti, de minha certeza de que não falaste em vão aquelas palavras. Confissões XIII, XXIV