Agostinho de Hipona — QUINTA-FEIRA DE PÁSCOA
Tradução do latim do Padre António Fazenda
5. Ouçamos agora as palavras d’Ele: «Subo a meu Pai e vosso Pai, ao meu Deus e vosso Deus» (Jo 20, 17). Porque não disse: ao nosso Pai e ao nosso Deus, mas com distinção: meu Pai e vosso Pai e meu Deus e vosso Deus?
Meu Pai, porque sou único; vosso Pai, por graça, não por natureza. Meu Pai porque sempre o foi, «vosso Pai porque Eu vos escolhi» (Jo 15, 16).
Deus meu e vosso Deus. Por que é que o Pai de Cristo é o seu Deus? É Pai d’Ele porque O gerou. Mas porque é seu Deus? Porque também O criou. Gerou-O como seu Verbo Unigênito; Criou-O da linhagem de David segundo a carne. Portanto, é Pai de Cristo e Deus de Cristo: Pai de Cristo segundo a divindade; Deus de Cristo segundo a humanidade. Ouve como é Deus de Cristo. Perguntemos ao salmo. Porque Ele próprio diz pelos lábios do profeta: Desde o ventre de minha mãe, o meu Deus és Tu (Sl 21, 11). Antes do ventre de minha mãe, meu Pai; desde o ventre de minha mãe, meu Deus.
Qual é, pois, a razão da distinção entre meu Pai e vosso Pai? É verdadeira a distinção, porque um é o modo por que é Pai do Unigênito Filho, outro o modo como é nosso Pai. Dele é Pai por natureza, nosso é Pai por graça.
Devia, pois, dizer, a meu Pai e vosso Pai, ao meu Deus e vosso Deus; porque Deus, se O é da criatura, também O é de Cristo, pois Cristo segundo a sua humanidade também é criatura. Pai de Cristo, mas com distinção, isto é, de maneira diversa. Mas, se o criador de Cristo é o Deus de Cristo, porque há de haver tal distinção, quando, segundo a natureza humana, Cristo é criatura como nós somos criaturas; e se, segundo a natureza humana, Cristo é servo e escravo -tomou a condição de escravo (Fil 2, 7) diz o Apóstolo —, porque é que então meu Deus e vosso Deus com distinção também aqui?
É claro que há distinção. Pois a todos nós o nosso Deus nos formou através de uma geração de pecado. Cristo, mesmo enquanto homem, foi feito de outro modo. Cristo nasceu da Virgem, concebeu-O a mulher, não por impulso de concupiscência, mas por ato de fé; Ele não contraiu de Adão o contágio do pecado. Nós nascemos todos através do pecado; Ele nasceu sem pecado e lavou os pecados. Logo, também aqui há distinção: meu Deus e vosso Deus. Vós fostes criados de semente humana, de homem e mulher, viestes da concupiscência da carne pela propagação do pecado: Quem é puro na tua presença? Nem mesmo o menino cuja vida sobre a terra é de um dia (Jb 14, 4). Por isso é que se levam as crianças correndo ao batismo para se lhes perdoar a dívida que não contraíram na vida, mas que consigo arrastaram no nascimento. Com Cristo, isto não se dá. Meu Deus e vosso Deus: meu Deus, por causa da semelhança da carne de pecado (Rm 8, 3), vosso Deus, por causa da carne de pecado.
6. Até aqui da leitura do Evangelho relativa à ressurreição do Senhor, escrita por S. João Evangelista, e basta já de falar, porque se hão de fazer outras leituras do mesmo Evangelho de S. João a propósito da ressurreição do Senhor. Na verdade, ninguém contou com mais abundância de pormenores a ressurreição do Senhor do que S. João, de maneira que não basta para a ler um só dia, mas tem que se ler em segundo e em terceiro dia até se acabar tudo o que S. João deixou escrito da ressurreição do Senhor.