Eu te confesso, Senhor dos céus e da terra, louvando-te por meus princípios e por minha infância, de que não tenho memória, mas que, por tua GRAÇA, o homem pode conjectura de si pelos outros, crendo em muitas coisas, ainda que confiado na autoridade de humildes mulheres. Confissões I, VI
Como agradecerei ao Senhor por poder recordar todas estas coisas sem que minha alma sinta medo algum? Amar-te-ei, Senhor, e dar-te-ei graças, e confessarei teu nome, pois me perdoaste tantas e tão nefandas ações. Devo à tua GRAÇA e misericórdia teres-me dissolvido os pecados como gelo, como também todo o mal que não pratiquei. De fato, de que pecados não seria capaz, eu que amei gratuitamente o erro? Confissões II, VII
Confesso que todos já me foram perdoados; o mal cometido voluntariamente, e o que deixei de fazer pela tua GRAÇA. Quem dentre os homens, conhecendo tua fraqueza, poderá atribuir às próprias forças sua castidade e inocência para amar-te menos, como se tivesse menor necessidade de tua misericórdia, com a qual perdoas os pecados aos que se convertem a ti? Confissões II, VII
Havia então um varão muito sábio, peritíssimo na arte médica, na qual era celebre; sendo procônsul, pôs com suas próprias mãos sobre minha cabeça insana a coroa da vitória do concurso; foi como procônsul, e não como médico, porque daquela minha enfermidade só tu me podias sarar, pois resistes aos soberbos e dás tua GRAÇA aos humildes. Confissões IV, III
Então eu ignorava tais coisas — e por isso amava belezas terrenas. Caminhava para o abismo, dizendo a meus amigos: “Será que amamos algo que não é belo? E que é o belo? E que é a beleza? Que é que nos atrai e apega às coisas que amamos? Pois, com certeza, se nelas não houvesse certa GRAÇA e formosura, não nos atrairiam. Confissões IV, XIII
Logo que chegou, pude notar que se tratava de um homem simpático, de fala cativante, e que expunha os temas comuns dos maniqueus, mas com muito mais agrado que eles. Mas, que interessava à minha sede este elegante copeiro de copos preciosos? Eu já tinha os ouvidos fartos daquelas teorias, e nem me pareciam melhores por serem expostas em melhor estilo, nem mais verdadeiras pela elegância de suas formas; nem eu considerava Fausto mais sábio por ter o rosto de mais GRAÇA e sua linguagem mais finura. Aqueles que mo haviam recomendado não eram bons juizes: tinham Fausto como homem sábio e prudente somente porque lhes agradava sua facúndia. Confissões V, VI
Contudo como havia lido alguns discursos de Cícero, e pouquíssimos livros de Sêneca, alguns poemas e livros da seita, escritos em bom latim e com arte, e como se exercitava todos os dias em falar, adquirira grande facilidade de expressão, que ele tornava mais agradável e sedutora com o bom emprego de seu talento e certa GRAÇA natural. Confissões V, VI
Mas o verdadeiro motivo de eu sair de Cartago e ir para Roma só tu, ó Deus, o sabias, sem manifestá-lo a mim nem à minha mãe, que chorou amargamente minha partida, seguindo-me até o mar. Mas tive de enganá-la, porque me agarrava com força, instando-me a desistir de meu propósito ou a levá-la comigo. Fingi pois que tinha que me despedir de um amigo que eu não queria abandonar, até que, soprando o vento, ele pudesse navegar. Assim enganei a minha mãe, e a uma tal mãe! Fugi, e tu também me perdoaste este pecado misericordiosamente, salvando-me a mim, cheio de execráveis imundícies, das águas do mar para que chegasse ás águas de tua GRAÇA. Purificado com elas, secariam os rios dos olhos de minha mãe, com que todos os dias regava a terra diante de ti, por minha causa. Confissões V, VIII
Nem se abalou seu coração com alegria exagerada ao ouvir quanto já se havia cumprido daquilo que com tantas lágrimas te suplicava todos os dias. Viu-me, senão na posse da verdade, já afastado do erro. E como estava certa de que me concederias o que faltava — pois lhe havias prometido a GRAÇA total — respondeu-me, com muita calma e com o coração cheio de confiança, que esperava em Cristo que, antes de sair desta vida, me havia de ver católico fiel. Confissões VI, I
Primeiramente, querendo tu mostrar-me como resistes aos soberbos e dás tua GRAÇA aos humildes, e com quanta misericórdia ensinaste aos homens o caminho da humildade, por se ter feito carne teu Verbo, e ter habitado entre os homens, me fizeste chegar às mãos por meio de um homem inchado de monstruoso orgulho, alguns livros dos platônicos, traduzidos do grego para o latim. Confissões VII, IX
Comecei a lê-los e compreendi que tudo de verdadeiro que lera nos tratados dos neo-platônicos se encontrava ali, mas com o aval da tua GRAÇA, para que aquele que vê não se glorie como se não houvesse recebido não só o que vê, mas também a faculdade de ver. Com efeito, que tem ele que não tenha recebido? E tu, que és imutável, não só o alertas para que te veja, mas também para que seja curado, para te possuir. Aquele que está muito longe de te ver, tome, contudo, o caminho para chegar a ti, para te ver e te possuir. Confissões VII, XXI
Que fará esse homem infeliz? Quem o livrará deste corpo de morte, senão tua GRAÇA, por Jesus Cristo, nosso Senhor, a quem tu geraste co-eterno e criaste no princípio de teus caminhos, ele, em quem o príncipe deste mundo não achou nada que merecesse a morte, e a quem, contudo, matou? Com o que foi anulada a sentença que havia contra nós? Confissões VII, XXI
Então me inspiraste a ideia — que me pareceu excelente — de me dirigir a Simpliciano, que eu tinha como um de teus bons servidores, em quem brilhava tua GRAÇA. Sobre ele ouvira também que desde sua juventude te consagrava devotamente sua vida, e como já encanecia, achei que em tão longa vida, dedicada ao estudo de teus caminhos, teria acumulado grande experiência e instrução; e de fato assim era. Por isso queria confiar-lhe minhas inquietações, para que me apontasse o modo de vida mais idôneo de alguém, com minhas disposições interiores, seguir teu caminho. Confissões VIII, I
Depois, para me exortar à humildade de Cristo, escondida aos sábios e revelada aos humildes, evocou a lembrança do próprio Vitorino, que conhecera intimamente, quando estava em Roma. Não guardarei silêncio sobre o que me contou dele, porque me dará azo de proclamar os grandes louvores de tua GRAÇA a seu respeito. Esse erudito ancião, profundo conhecedor de todas as ciências liberais, leitor e crítico de tantos livros de filosofia, fora mestres de muitos nobres senadores. O prestígio de seu magistério lhe valera uma estátua no foro romano, que ele aceitara (coisa que os cidadãos desse mundo têm em grande conta). Até aquela idade avançada, havia adorado os ídolos, participando de cultos sacrílegos, de que participava quase toda a nobreza romana da época que inspirava ao povo sua devoção por Osíris, por “toda sorte de monstros divinizados, pelo lavrador Anúbis”, monstros que outrora “pegaram em armas contra Netuno, Vênus e Minerva”, e a quem, vencidos, a própria Roma dirigia súplicas, esse velho Vitorino, que durante tantos anos havia defendido esses deuses com sua terrível eloquência, não se envergonhou de se tornar servo de teu Cristo e criança de tuas águas, dobrando o pescoço ao jugo da humildade, e dobrando sua fronte ante o opróbrio da cruz. Confissões VIII, II
Enfim, chegou a hora da profissão de fé. Em Roma, os que se preparam para receber tua GRAÇA, pronunciam de um lugar elevado, diante dos fiei, formulas consagradas aprendidas de cor. Confissões VIII, II
Em vão me deleitava em tua lei, segundo o homem interior, porque em meus membros outra lei combatia a lei de meu espírito, mantendo-me cativo sob a lei do pecado que estavas em meus membros. Com efeito, a lei do pecado é a violência do hábito, pelo qual a alma é arrastada e presa, mesmo contra sua vontade, merecidamente porém, pois se deixa arrastar por vontade própria. Pobre de mim! Quem poderia libertar-me deste corpo de morte senão tua GRAÇA, por Cristo, nosso Senhor? Confissões VIII, V
Contudo, com sua grande bondade, pôs à nossa disposição sua propriedade no campo pelo tempo que nos aprouvesse. Tu, Senhor, haverás de recompensá-lo no dia da retribuição dos justos, pois já concedeste a GRAÇA. Porque, estando nós ausentes e já em Roma, atacado de uma enfermidade corporal, Verecundo saiu desta vida depois de se fazer cristão e crente. Assim te compadeceste não apenas dele, mas também de nós, para que quando pensássemos na grande generosidade que teve conosco este amigo, não nos afligíssemos de dor intolerável por não poder contá-lo entre os de tua grei. Confissões IX, III
Também comuniquei por escrito a teu bispo e santo bispo Ambrosio, os meus antigos erros, minha intenção atual, para que me indicasse o que deveria ler de preferência em tuas Escrituras, a fim de me preparar e dispor melhor para receber tão grande GRAÇA. Confissões IX, V
Há um livro meu que se intitula O Mestre, no qual Adeodato dialoga comigo. Tu sabes que todos os pensamentos ali manifestados são dele quando tinha dezesseis anos. Muitas outras qualidades maravilhosas notei ainda nele, admirado por sua inteligência. Mas quem, além de ti, poderia ser o autor dessas maravilhas? Cedo o arrebataste desta terra; e a lembrança dele se torna mais tranquila, nada mais tendo a temer por sua infância, por sua adolescência ou por toda sua vida adulta. Associamo-lo a nós como irmão na GRAÇA, para educá-lo em tua lei. Fomos batizados, e os remorsos de nossa vida passada se afastaram de nós. Confissões IX, VI
E de nós, que nos chamamos teus servos por liberalidade tua, nós que vivemos em comum na GRAÇA de teu batismo, antes de adormecer em tua paz, ela cuidou de nós como se todos fôssemos seus filhos, e de tal modo nos serviu como se fosse filha de cada um de nós. Confissões IX, IX
Tais coisas dizíamos, embora não deste modo, nem com estas palavras. Mas tu sabes, Senhor, que naquele dia, à medida que falávamos dessas coisas, quanto nos parecia vil este mundo, com todos os seus deleites — disse-me minha mãe: “Filho, quanto a mim, já nada me atrai nesta vida. Não sei o que faço ainda aqui, nem por que ainda estou aqui, se já se desvaneceram pra mim todas as esperanças do mundo. Uma só coisa me fazia desejar viver um pouco mais, e era ver-te católico antes de morrer. Deus me concedeu esta GRAÇA superabundantemente, pois te vejo desprezar a felicidade terrena para servi-lo. Que faço, pois, aqui?” Confissões IX, X
Mas eu, ó Deus invisível, meditando nos dons que infundes no coração de teus fiéis, e nas admiráveis colheitas que deles brotam, alegrava-me e te dava graças. Lembrava-me do grande cuidado que sempre demonstrara acerca de sua sepultura, adquirida e preparada junto ao corpo do marido. Tendo vivido com ele na maior concórdia, assim também queria — visão própria da alma humana incapaz das coisas divinas — ter a felicidade de que os homens recordassem que, depois de sua viagem para além-mar, lhe fora concedida a GRAÇA de a mesma terra cobrir o pó de ambos os cônjuges. Confissões IX, XI
Triunfe a misericórdia sobre a justiça pois as tuas são palavras de verdade, e prometeste misericórdia aos misericordiosos. Se alguém o foi, deve-o à tua GRAÇA, tu que tens compaixão de quem te apraz, e usas de misericórdia com quem queres ser misericordioso. Confissões IX, XIII
Mas tu, Médico da minha alma, faze-me ver claramente a utilidade de meu propósito. As confissões de meus pecados passados — que já perdoaste e esqueceste, para me fazer feliz em ti, transformando minha alma com tua fé e teu sacramento — levam o coração dos que as leem e ouvem a não dormir no desespero dizendo: “Não posso”. Mas despertem para o amor pela tua misericórdia e para a doçura de tua GRAÇA, que fortalece o fraco e este se dá conta de sua debilidade. Confissões X, III
Mas, com que propósito desejam ouvir-me? Desejarão talvez congratular-me comigo, ouvindo quanto me aproximei de ti por tua GRAÇA, e orar por mim, ao ouvir quanto me retardou o peso de minhas culpas? A estes mostrarei quem sou; já não é pequeno fruto, Senhor meu Deus, que muitos te deem graças por mim, e que muitos te roguem por mim. possa o coração de meus irmãos amar em mim o que ensinas a amar, e, deplorar em mim o que ensinas a aborrecer! Mas que brotem tais sentimentos em uma alma irmã, e não em almas estranhas, ou nesses filhos espúrios, cuja boca fala vaidade, e cuja direita é a direita da iniquidade, que o faça uma alma fraterna que se alegra por mim quando me aprova, e quando me reprova se aflige por mim, porque quer me aprove, quer não, me ama. Confissões X, IV
Ordenas que me abstenha da concupiscência da carne, da concupiscência dos olhos e da ambição do século. Proibiste as uniões luxuriosas, e embora tenhas permitido o casamento, ensinaste que há um estado bem melhor. E, pela tua GRAÇA, optei por esse estado, antes mesmo de me tornar dispensador de teu sacramento. Confissões X, XXX
Senhor onipotente, não poderia tua mão curar todas as enfermidades de minha alma, abolindo também, com maior abundância de GRAÇA, os movimentos lascivos de meu sono? cada vez mais multiplica, Senhor, o número de tuas bondades para comigo, para que minha alma, livre do visco da concupiscência, siga até chegar a ti. Para que não seja rebelde, nem mesmo durante o sono; para que, pelo estímulo de imagens bestiais, não só não cometa essas torpezas degradantes até a lascívia carnal, mas que nem mesmo consinta nisso. Confissões X, XXX
Ouço a voz de meu Deus que ordena: “Não se façam pesados vossos corações com a intemperança e embriaguez”. A embriaguez está longe de mim; que tua misericórdia não a deixe se aproximar. Mas a intemperança, ao contrário, chega às vezes a arrastar teu servo. Tua misericórdia há de afastá-la de mim, porque ninguém pode ser temperante senão por tua GRAÇA. Confissões X, XXXI
Muitas coisas nos concedes quando te invocamos, e todo o bem que recebemos, mesmo antes de o pedir, é a ti que sempre o devemos. E o ato mesmo de reconhecermos que esses dons são teus, é ainda GRAÇA tua. Nunca estive embriagado, mas conheci muitos, dados a esse vicio, que se tornaram sóbrios por tua GRAÇA. Assim, é graças a ti que alguns não são o que nunca foram; e também é graças a ti que outros não são mais o que foram; e é graças a ti, enfim, que estes e aqueles sabem a quem devem essa GRAÇA. Confissões X, XXXI
Ouvi ainda de ti outra palavra: “Não corras atrás de tuas concupiscências, e reprime teus apetites” — Tua GRAÇA ainda me fez ouvir outra palavra, de que tanto gostei: “Se comemos, não teremos abundância; e se não comemos, não sofreremos privação”. — Ou seja: nem isto me fará rico, nem aquilo pobre. — E ouvi ainda esta outra: “Aprendi a me contentar com o que tenho: sei viver na abundância e suportar a penúria. Tudo posso naquele que me fortalece”. — Eis como fala o bom soldado da milícia celeste: nada parecido ao pó que somos. Mas, Senhor, lembra-se que somos pó, e que de pó fizeste o homem; que este havia se perdido, e que foi reencontrado. Confissões X, XXXI
Ouvi também outro que te pedia esta GRAÇA: “Afasta de mim a intemperança”. — De onde se conclui claramente, ó Deus santo, que dás a força de cumprir o que mandas. Confissões X, XXXI
Mas quantos artifícios inventa o inimigo para me tentar a que te peça algum milagre, a ti, Senhor, meu Deus, a quem devo servir humilde e simplesmente! Eu te suplico, por nosso Rei, por nossa pátria, a pura e casta Jerusalém, que o perigo de consentir nessas coisas, que até agora esteve longe de mim, se afaste cada vez mais! Mas quando te peço a salvação de uma alma, a finalidade de meu intento é bem diferente: ouve-me pois, e concede-me a GRAÇA de seguir de bom grado tua vontade. Confissões X, XXXV
Mas, Senhor, tu és o único que sabe mandar sem orgulho, porque és o único Senhor verdadeiro, que não tem senhor! Diga-me, terá cessado em mim, se isso pode acontecer nesta vida, esta terceira espécie de tentação, que consiste em querer ser temido e amado pelos homens, com o único fim de obter uma alegria que não é alegria? Que vida miserável, que arrogância indigna! Aí está o principal motivo porque não te amamos e tememos piamente. Por isso resistes aos soberbos, enquanto dás tua GRAÇA aos humildes. Trovejas contra as ambições do mundo, e faz abalar as montanhas até suas raízes. Confissões X, XXXVI
Há ainda entre nós, profundamente assentada, outra tentação do mesmo gênero, que torna vãos aqueles que se comprazem de si mesmos, ainda que não agradem aos outros, ou até lhes desagradem, ou sequer procuram lhes agradar. E quanto mais enfatuados estejam consigo mesmos, mais desagradam a ti, não só ao se gloriarem dos males como se fossem bens, mas sobretudo quando se gloriam de teus bens como se fossem deles; ou quando, reconhecendo-os em si, eles os atribuem a seus merecimentos; ou ainda quando, atribuindo-os à tua GRAÇA, eles não os gozam amigavelmente com os demais, gerando ciúmes e inveja. Confissões X, XXXIX
Vê, meu Deus, de onde nasce meu desejo. Os ímpios contaram-me suas alegrias, mas esses prazeres não são como os proporcionados por tua lei. É ela que inspira meu desejo. Olha, ó Pai, olha, e vê, e aprova. Queira tua misericórdia que eu encontre GRAÇA diante de ti, e que os arcanos secretos de tuas palavras se abram a meu espírito que bate às suas portas! Isso eu te suplico por nosso Senhor, Jesus Cristo, teu filho, aquele que está sentado à tua direita, o Filho do homem, a quem estabeleceste como mediador entre nós e ti. Por ele nos procuraste quanto não te procurávamos, e nos procuraste para que te buscássemos! Em nome de teu Verbo, por quem criaste todas as coisas, e a mim entre outras; de teu Filho unigênito, por quem chamaste à adoção o povo dos crentes, no qual também estou. Confissões XI, II
Minha alma se inflama no desejo de deslindar este enigma tão complicado! Senhor, meu Deus, meu bom Pai, eu to suplico por Cristo; não queiras tolher a meu desejo a solução de tais problemas, tão familiares mas tão obscuros; permite que eu os penetre, e faze com que a luz de tua misericórdia os ilumine, Senhor! A quem poderia eu consultar sobre isso? A quem confessaria minha ignorância com mais proveito do que a ti, que não se despraz com o forte zelo que me inflama por tuas Escrituras? Concede-me o que amo, pois este amor é um dom teu. Dá-me, ó Pai, esta GRAÇA, tu que sabes presentear com boas dádivas a teus filhos. Concede-me essa luz, porque determinei conhecê-las, e meu esforço será rude até que me reveles esses mistérios. Eu to suplico, por Cristo, em nome do Santo dos Santos, que ninguém perturbe minha investigação. Confissões XI, XXII
Bem consideradas estas coisas, por GRAÇA tua, meu Deus, e como me incitasse a bater, e como me abres quando bato, encontro duas criações tuas não afetadas pelo tempo, embora nenhuma delas te seja co-eterna. Uma, que criaste tão perfeita que jamais deixa de te contemplar, que não sofre nenhuma mudança, embora de natureza mutável, e goza de tua eternidade e de tua imutabilidade. Outra, informe, a ponto de lhe ser impossível passar de uma forma para outra, quer no movimento, quer no repouso, e, portanto, incapaz de estar sujeito ao tempo. Mas tu não a deixaste informe pois, antes de qualquer dia, fizeste no principio o céu e a terra, as duas obras de que falava. Confissões XII, XII
Todas essas verdades, das quais não duvidam os que de ti receberam a GRAÇA de ver com os olhos da alma, e que creem firmemente que teu servo Moisés falou em espírito de verdade, há quem dê esta interpretação: “No princípio Deus criou o céu e a terra” — isto é, Deus criou, em seu Verbo, que lhe é co-eterno, o mundo racional e sensível, ou espiritual e corporal. Outro diz: “No princípio Deus criou o céu e a terra” — isto é, Deus criou em seu Verbo, que lhe é co-eterno, toda a massa do mundo corpóreo, com tudo o que contém de realidades, manifestamente conhecidas. Confissões XII, XX
Por mim, digo-o sem hesitar e do fundo do coração: se, investido da mais alta autoridade, tivesse algo a escrever, preferiria fazê-lo de modo que minhas palavras proclamassem tudo o que cada um pudesse conceber de verdadeiro sobre isso, em vez de propor um significado único e claro que excluísse todos os demais, cuja falsidade não me pudesse ofender. E também não quero, meu Deus, ser tão temerário a ponto de acreditar que esse grande homem não mereceu de ti essa GRAÇA. Confissões XII, XXXI
Sobre as palavras que proferiste no começo da criação: “Faça-se a luz, e a luz foi feita” — eu entendo que se adaptam com propriedade à criatura espiritual, que já era uma espécie de via apta a receber tua luz. Mas assim como ela não tinha merecido de ti ser essa espécie de vida apta a receber a luz, do mesmo modo, uma vez criada, ela como as demais formas não mereceu de ti essa iluminação. Porque sua informidade não te agradaria se não tivesse tornado luz, e isso não se contentando com existir, mas contemplando a luz que a iluminava, unindo-se intimamente a ela. Assim, ela devia a existência e o viver feliz apenas à tua GRAÇA; voltada, por uma escolha feliz, para o que não pode mudar nem para melhor, nem para pior. Voltou-se para ti, que és o único que existes, e só o teu ser é simples, pois o viver e a felicidade são para ti a mesma coisa, porque és tua própria felicidade. Confissões XIII, III
Feliz a criatura que não conheceu outro estado! Seria porém diferente do que é se, apenas criada, teu Espírito, que paira sobre todas as coisas mutáveis, não a tivesse erguido com este apelo: “Faça- te a luz” — e a luz se fez. Em nós, o tempo em que éramos trevas distingue-se do tempo em que nos tornamos luz. Mas dessa criatura só se diz o que teria sido se não fosse iluminada. A Escritura fala dela como se tivesse sido flutuante e tenebrosa, para nos realçar a causa que a transformou, isto é, que a conduziu para a luz inextinguível, para que também fosse luz. Quem o puder, compreenda, quem não o puder, que te peça a GRAÇA de o compreender. Por que importunam, como seu fosse a luz que ilumina a todo homem que vem a este mundo? Confissões XIII, X
Senhor, faze que contemplemos os céus, obra de tuas mãos! Dissipa de nossos olhares as nuvens com que os tens velado. Neles está teu testemunho, dando sabedoria aos humildes. Meu Deus completa teu louvor pela boca dos meninos que ainda mamam! Não conhecemos outros livros que assim destruam a soberba, e que abatam tão bem o inimigo que resiste a toda reconciliação contigo, e defende seus pecados. Não, Senhor, não conheci outras palavras tão puras, que tantos me persuadissem à confissão, e sujeitassem minha mente a teu jugo, convidando-me a te servir tão desinteressadamente. Oxalá eu as compreenda, bondoso Pai! Concede esta GRAÇA à minha submissão, pois as firmaste para os corações submissos. Confissões XIII, XV
Deste modo já não és mais o único, no segredo de teu discernimento, como eras antes da criação do firmamento, a distinguir entre a luz e as trevas. Também tuas criaturas espirituais, dispostas e ordenadas nesse mesmo firmamento, depois que tua GRAÇA se manifestou através do mundo, brilham sobre a terra, separam o dia da noite e marcam as diferenças dos tempos. De fato, as coisas antigas passaram, e eis que se fizeram novas, nossa salvação está mais próxima do que quando começamos a crer, a noite avançou e se aproximou o dia, coroas o ano com tua benção, envias teus operários à tua messe, semeada pelo trabalho de outros operários, enviando-os também para outra sementeira, cuja messe será colhida no fim dos séculos. Confissões XIII, XVIII
Por desígnio eterno, lanças sobre a terra os bens do céu no tempo oportuno; a um, teu Espírito dá a palavra de sabedoria, luminar maior para os que encontram seu deleite na luz de uma verdade clara como o raiar do dia; a outro dás, pelo mesmo Espírito, a palavra de ciência, luminar menor; a outro a fé; a outro o poder de curar; a outro o dom dos milagres; a outro a GRAÇA da profecia; a este o discernimento dos espíritos, àquele o dom das línguas. E todos esses dons são como estrelas, são obra de um só e mesmo Espírito, que reparte a cada um os seus dons como lhe agrada, e que faz aparecer tais astros para o bem comum. Confissões XIII, XVIII
Por isso, na tua Igreja, Senhor, pela GRAÇA que lhe concedeste — pois somos obra tua, e criados para obras boas, tanto os que governam como os que obedecem segundo o Espírito tem o dom de julgar. Porque assim fizeste a criatura humana homem e mulher, em tua GRAÇA espiritual, onde não há distinção conforme o sexo, nem judeu nem grego, nem escravo nem homem livre. Os espirituais, portanto, tanto os que presidem como os que obedecem, julgam espiritualmente. Eles não julgam conhecimentos espirituais que brilham no firmamento, pois não lhes cabe fazer juízos sobre tão sublime autoridade. Nem julgam tua Escritura, mesmo em suas passagens obscuras: nós lhe submetemos nossa inteligência, e temos certeza de que até aquilo que está oculto à nossa compreensão é justo e verdadeiro. O homem, pois, embora já espiritual e renovado pelo conhecimento, conforme a imagem de seu criador, deve ser cumpridor da lei, e não seu juiz. Nem pode ajuizar sobre o que distingue espirituais e carnais. Somente teus olhos, meu Senhor, os distinguem, mesmo que nenhuma obra sua os tenha revelado a nós, para que os reconheçamos por seus frutos. Mas tu, Senhor, já os conheces e os classificaste, e os chamaste no segredo de teu pensamento, antes de ter criado o firmamento. Confissões XIII, XXIII
Tampouco julga, o homem espiritual, os povos inquietos deste mundo. De fato, por que julgaria ele os que estão fora, ignorando quem alcançará a doçura da tua GRAÇA, e quem permanecerá na eterna amargura da impiedade? Confissões XIII, XXIII
Tu nos deste para alimento todas as ervas que produzem semente e que cobrem a terra, e todas as árvore que contém em si, em germe, seus frutos. E não foi somente a nós que deste esse alimento, mas também às aves do céu, aos animais da terra e aos répteis, mas não aos peixes e aos grandes cetáceos. Dizíamos que esses frutos da terra significam e representam alegoricamente as obras de misericórdia, que a terra fecunda produz para as necessidades desta vida. Era semelhante a uma terra assim o piedoso Onesíforo, cuja casa recebeu a GRAÇA de tua misericórdia, porque muitas vezes assistira a teu Paulo, sem se envergonhar por suas cadeias. Confissões XIII, XXV
Vemos, portanto, as tuas criaturas porque elas existem. Mas elas existem porque tu as vês. Olhando à nossa volta, vemos que elas existem; em nosso íntimo, vemos que são boas. Mas tu já as viste feitas quando e onde viste que deviam ser feitas. Agora somos inclinados a praticar o bem, depois que nosso coração concebeu essa ideia em teu Espírito. Outrora estávamos inclinados ao mal, desertando de ti. Tu, porém, ó Deus, único bem, nunca cessaste de nos fazer o bem. Por tua GRAÇA, algumas de nossas obras são boas, mas não são eternas. Esperamos, depois de realizá-las, repousar em tua grande santificação. Mas tu, que não precisas de nenhum outro bem, estás sempre em repouso, porque és teu próprio repouso. Confissões XIII, XXXVIII