Que eu, Senhor, te procure invocando-te, e te invoque crendo em ti, pois me pregaram teu nome. invoca-te, Senhor, a FÉ que tu me deste, a FÉ que me inspiraste pela humanidade de teu Filho e o ministério de teu pregador. Confissões I, I
Assim, pois, meu Senhor e meu Deus, tu que me deste a vida e corpo, o qual dotaste, como vemos, de sentidos e proveste de membros, adornando-o de beleza e de instintos naturais, com os quais pudesse defender sua integridade e conservação, tu me mandas que te louve por esses dons e te confesse e cante teu nome altíssimo. Serias Deus onipotente e bom ainda que só tivesses criado apenas estas coisas, que nenhum outro pode fazer senão tu, ó Unidade, origem de todas as variedades, ó Beleza, que dás forma a todas as coisas, e com tua lei as ordenas! Tenho vergonha, Senhor, de ter de somar à vida terrena que vivo aquela idade que não recordo ter vivido, na qual acredito pelo testemunho de outros, por vê-lo assim em outras crianças, embora essa conjectura mereça toda a FÉ. As trevas em que está envolto meu esquecimento a seu respeito assemelham-se à vida que vivi no ventre de minha mãe. Confissões I, VII
Tu viste, Senhor, que numa ocasião, ainda menino, atacou-me repentinamente um dor de estômago que me abrasava, e que me aproximou da morte. Tu viste também, meu Deus, pois já me tinhas sob tua guarda, com que fervor de espírito e com que FÉ pedi à piedade de minha mãe, e da mãe de todos nós, tua Igreja, o batismo de teu Cristo, meu Deus e Senhor. Perturbou-se minha mãe carnal, pois que me criava com mais amor em seu casto coração em tua FÉ para a vida eterna e, solícita, já havia cuidado de que me iniciasse e purificasse com os sacramentos da salvação, confessando-te, ó meu Senhor Jesus, em remissão de meus pecados, quando, de repente, comecei a melhorar. Em vista disso, diferiu-se minha purificação, considerando que seria impossível, se eu vivesse, que não me tornasse a manchar; pois a culpa dos pecados cometidos depois do batismo é muito maior e mais perigosa. Confissões I, XI
Nesta época eu já tinha FÉ verdadeira, juntamente com minha mãe e com todos da casa, à exceção de meu pai, que, porém, não pôde vencer em mim a ascendência da piedade materna, para que deixasse de acreditar em Cristo, tal como ele não acreditava; minha mãe, solícita, cuidava de que tu, meu Deus, fosses mais pai para mim do que ele, e a ajudavas a triunfar do marido, a quem servia melhor, porque nele te servia a ti e a tuas ordens. Confissões I, XI
Mas, a quem conto eu estes fatos? Certamente, não a ti, meu Deus, mas em tua presença conto estas coisas aos da minha estirpe, ao gênero humano, ainda que estas páginas chegassem às mãos de poucos. E para que então? Para que eu, e quem me ler, pensemos na profundeza do abismo de onde temos de clamar por ti? E que há de mais próximo a teus ouvidos que o coração contrito e a vida que procede da FÉ? Confissões II, III
Mas estendeste tua mão do alto, e arrancaste minha alma deste abismo de trevas, enquanto minha mãe, tua fiel serva, chorava-me diante de ti muito mais do que as outras mães costumam chorar sobre o cadáver dos filhos, pois via a morte de minha alma com a FÉ e o espírito que havia recebido de ti. E tu a escutaste, Senhor, tu a ouviste e não desprezaste suas lágrimas que, brotando copiosas, regavam o solo debaixo de seus olhos por onde fazia sua oração; sim, tu a escutaste, Senhor. Com efeito, donde podia vir aquele sonho, com que a consolaste, ao ponto de me admitir em sua companhia e mesa, fato que havia me negado porque aborrecia e detestava as blasfêmias do meu erro? Confissões III, XI
Naqueles anos eu ensinava retórica e, movido pela cobiça, vendia a arte de vencer pela loquacidade. Contudo, bem sabes, Senhor, que preferia ter bons discípulos, dos que se chamam “bons”, aos quais ensinava sem rodeios a arte de enganar, não para que usassem dela contra a vida de um inocente, mas para algum dia defender algum culpado. Mas, ó Deus, tu me viste de longe vacilar sobre um caminho escorregadio, viste brilhar, entre espesso fumo, os fulgores da boa FÉ que eu demonstrava ao ensinar àqueles amantes da vaidade, àqueles pesquisadores de mentiras, eu, seu irmão e semelhante. Confissões IV, II
Contudo, aquela amizade, aquecida ao calor de estudos semelhantes era-me sumamente grata. Consegui até afastá-lo da verdadeira FÉ, pouco profunda e arraigada em sua adolescência, arrastando-o para as fábulas supersticiosas e prejudiciais, razão das lágrimas de minha mãe. Confissões IV, IV
Mas qual o fruto disso, se eu te concebia, Senhor meu Deus, ó Verdade, como um corpo luminoso e infinito, e eu como uma parcela desse corpo? Que rematada perversidade! Assim era eu; não me envergonho agora, meu Deus, de confessar tuas misericórdias para comigo, e de te invocar, já que não me envergonhei então de proferir ante os homens tais blasfêmias e de ladrar contra ti. De que me aproveitava, repito, a inteligência ágil para entender aquelas ciências, e para explicar com clareza tantos livros complicados, sem que ninguém mos houvesse explicado, se errava monstruosamente na piedade com sacrílega torpeza? E que prejuízo sofriam teus pequeninos em serem de menor inteligência, se não se afastavam de ti, para que, seguros no ninho da tua Igreja, se cobrissem de penas, e lhes alimentassem as asas da caridade com o sadio alimento da FÉ? Confissões IV, XVI
Quando pois ouço que este ou aquele irmão em Cristo ignora esses problemas, e confunde uma coisa com outra, suporto com paciência seu modo de opinar. Nada vejo que possa ser-lhe prejudicial enquanto não fizer ideia indigna de ti, Senhor, criador do universo, mesmo que ignore até o lugar e a natureza das coisas materiais. O mal seria acreditar que esses problemas pertencem à essência da piedade, e tenazmente atrever-se a afirmar o que ignora. Mas ainda essa fraqueza é suportada nos primórdios da FÉ pela mãe caridade, até que o homem novo cresça e se transforme em varão perfeito, e não possa ser abalado por qualquer vento de doutrina. Confissões V, V
Contudo, eu ainda não estava certo se o que havia lido em outros livros, sobre as mudanças dos dias e das noites, uns mais longos, outros mais curtos, e sobre o suceder-se dos dias e das noites, e dos eclipses do sol e da lua, e outros fenômenos semelhantes, poderiam ser explicados conforme sua doutrina. Caso isso fosse possível, eu ainda ficaria em dúvida quanto ao modo por que se realizariam esses fenômenos; eu anteporia a autoridade de Manés à minha FÉ, pois o tinha então em conta de santo. Confissões V, V
Daqui se gerou também minha crença de que o mal tivesse substância, também corpórea, massa negra e disforme, ora espessa — a que chamavam terra — ora tênue e sutil, como o ar, a qual julgava ser um espírito maligno que investia sobre a terra. E visto que minha piedade, por pouca que fosse me obrigava a pensar que um Deus bom não podia criar nenhuma natureza má, eu imaginava duas substâncias antagônicas, ambas infinitas, a do mal um pouco menor, a do bem um pouco maior; e deste princípio pestilento originavam-se as demais blasfêmias. Com efeito, quando meu espírito se esforçava por voltar à FÉ católica, era rechaçado porque minha ideia de FÉ católica não era correta. E me parecia ser mais piedoso, ó Deus, a quem louvam em mim tuas misericórdias, julgar-te infinito por todas as partes, com exceção de um aspecto, a substância do mal, onde era forçoso reconhecer teus limites, do que julgar-te limitado por todas as partes pelas formas do corpo humano. Confissões V, X
Por sua vez, as respostas dos maniqueus me pareciam fracas; e mesmo assim não as expunham em público, mas somente entre nós, e muito em segredo, alegando que as Escrituras do Novo Testamento haviam sido falsificadas por não sei quem, com o intuito de mesclar a lei dos judeus com a FÉ cristã; por isso eles próprios não podiam mostrar nenhum exemplar sem ser apócrifo. Confissões V, XI
Parece-me, de bom início, que seus ensinamentos podiam ser defendidos e que as afirmações de FÉ católica — que eu julgava impotente contra os ataques dos maniqueus — não eram absolutamente temerárias, principalmente depois de me serem explicados uma, duas ou mais vezes, as passagens obscuras do Velho Testamento que, interpretadas no sentido literal, me davam a morte. Assim, interpretados no sentido espiritual muitos dos textos daqueles livros, comecei a repreender aquele meu desespero, que me levava a crer na impossibilidade de resistir aos que aborreciam e zombavam da lei e dos profetas. Confissões V, XIV
Contudo, não me julgava na obrigação de segui o caminho dos católicos, só porque também esta FÉ podia ter defensores doutos, capazes de refutar objeções com eloquência e lógica. Nem por isso me parecia que devia condenar a FÉ que antes abraçara, pois as armas de defesa eram iguais. Assim, de um lado a FÉ católica não me parecia vencida, contudo ainda não me parecia vencedora. Confissões V, XIV
Logo verifiquei que vossos filhos espirituais, a quem regeneraste no sei da santo mãe, a Igreja, não interpretavam aquelas palavras: “Fizeste o homem à sua imagem” — de modo a acreditar que estavas encerrado na forma do corpo humano. E embora eu então não soubesse, nem sequer suspeitasse de longe o que fosse substância espiritual — alegrei-me com isso, envergonhando-me por ter ladrado durante tantos anos, não contra a FÉ católica, mas contra invenções de minha inteligência carnal. Tinha sido ímpio e temerário por criticar uma doutrina que eu deveria ter antes procurado conhecer. Mas tu — que estás ao mesmo tempo tão alto e tão perto de nós, tão escondido e tão presente, tu que não tens membros maiores nem menores, que estás inteiro em toda parte sem estar todo em nenhum lugar, certamente não tens nossa forma corpórea. Contudo, fizeste o homem à tua imagem, e eis que ele, da cabeça aos pés, é limitado pelo espaço. Confissões VI, III
É verdade que poderia sarar pela crença, e assim, purificado pela FÉ o olhar de meu espírito, pudesse dirigir-se de algum modo à tua verdade, sempre imutável e indefectível. Mas, como sói acontecer a quem caiu nas mãos de um médico ruim, e que depois receia as mãos de um bom, assim me sucedia quanto à saúde de minha alma que, não podendo sarar senão pela FÉ, recusava-se a sarar por temor de crer, novamente, em falsidades. Minha alma resistia às tuas mãos, ó meu Deus, que preparaste o remédio da FÉ, e o derramaste sobre as enfermidades da terra, dando-lhe tanta autoridade e eficácia. Confissões VI, IV
Desde esse tempo, recaía minha preferência na doutrina católica, porque ajuizava que nela houvesse mais modéstia, e não mentira, ao impor a crença no que não era demonstrado — quer porque, mesmo havendo provas, estas não fossem acessíveis a todos, quer porque não existissem. Diferente do que ocorria entre os maniqueus, que desprezavam a FÉ, e prometiam, com temerária arrogância, a ciência, para depois nos obrigarem a acreditar em uma infinidade de fábulas completamente absurdas, impossíveis de demonstrar. Confissões VI, V
Depois, com suavidade e misericórdia, começaste, Senhor, a cuidar e à preparar aos poucos o meu coração, e foi aceitando tudo o que eu acreditava sem o ter visto, e a cuja realização não presenciara. Tantos fatos da história dos povos, tantas notícias sobre lugares e cidades que não vira, tudo o que aceitava acreditando em amigos, em médicos e em outras pessoas que, se não as acreditássemos, não poderíamos dar um passo na vida. E, sobretudo, que FÉ inabalável eu tinha em ser filho de meus pais, coisa que não poderia saber sem prestar FÉ no que ouvia. Então me convenceste de que os dignos de censura não são os que acreditam em teus livros, cuja autoridade estabeleceste entre quase todos os povos, mas o que não creem neles. E eu não devia dar ouvidos ao que talvez me dissessem: “Como sabes que esses livros foram dados aos homens pelo Espírito de Deus, único e verdadeiro?” Ora, era precisamente isto o que eu devia crer, porque nenhuma objeção caluniosa ou agressiva, das que eu havia lido nos escritos contraditórios dos filósofos, nunca conseguiram arrancar-me a certeza de tua existência, embora ignorasse o que eras, e a certeza de que o governo das coisas humanas está em tuas mãos. Confissões VI, V
Sobre os mistérios em que costumava tropeçar, e que ouvira explicar muitas vezes de modo aceitável, eu os atribuía à sua profundidade, parecendo-me a autoridade das Escrituras tanto mais venerável e digna da FÉ sacrossanta, quando de leitura fácil para todos. E ela reserva porém, a uma percepção mais aguda a majestade de seu mistério. Pela clareza da linguagem e sua simplicidade do estilo, ela se abre a todos e, no entanto, estimula a reflexão dos que não são levianos de coração. Recebe a todos em seu vasto seio, mas não deixa ir a ti, por caminhos estreitos, senão um pequeno número; muito mais, porém, do que seriam se ela não tivesse essa elevada autoridade, e não atraísse as turbas do regaço de sua santa humildade. Confissões VI, V
“Repartamos o tempo, reservemos algumas horas para a salvação da alma nasceu uma grande esperança: a FÉ católica não ensina o que eu pensava, e eu a criticava levianamente. Seus doutores têm como crime limitar Deus à figura humana; e eu ainda hesito em bater para que nos sejam reveladas as outras verdades! As horas da manhã eu dedico aos alunos; mas que faço das outras? Por que não as consagro a essa busca?” Confissões VI, XI
“Perca-se tudo! Deixemos essas coisas vãs e fúteis. Entreguemo-nos por completo à busca da verdade. A vida é miserável, e a hora da morte, incerta. Se esta me surpreender de repente, em que estado sairei do mundo? E onde aprenderei o que deixei de aprender aqui? Não serei antes castigado por essa negligência? Mas, e se a própria morte cortar e for o fim a todo cuidado e sentimento? Também seria conveniente investigar este ponto. Mas afastemos tais pensamentos! Não é por acaso nem é em vão que se difunde por todo o mundo a FÉ cristã, com grande prestígio. Deus jamais teria criado tantas e tais coisas por nós, se com a morte do corpo terminasse também a vida da alma. Por que hesitar, pois, em abandonar as esperanças do mundo para me consagrar à busca de Deus e da bem-aventurança?” Confissões VI, XI
Enquanto assim pensava, e os ventos cambiantes impeliam meu coração de um lado para outro, o tempo passava, e eu retardava minha conversão ao Senhor. Adiava de dia para dia o viver em ti, morrendo todavia todos os dias em mim mesmo. Amando a vida feliz, temia buscá-la em sua morada; procurava-a fugindo dela! Pensava que seria mui desgraçado se me visse privado das carícias da mulher. Não pensava ainda no remédio de tua misericórdia, que cura esta enfermidade, porque nunca o havia experimentado. Julgava que a continência fosse obra de nossa própria força, que eu pensava não ter. Eu era bastante néscio para ignorar que ninguém, como está escrito, é casto sem que tu lhes dê a força. Essa força certamente ma darias se eu ferisse teus ouvidos com os gemidos de minha alma, e com FÉ firme lançasse em ti meus cuidados. Confissões VI, XI
Instavam solicitamente comigo para que me casasse. Já havia feito o pedido, já havia recebido uma promessa, ajudado sobretudo por minha mãe, que nutria a esperança que eu, uma vez casado, seria regenerado nas águas salutares do batismo. Minha mãe alegrava-se por me ver cada dia mais apto para recebê-lo, vendo que na minha FÉ se realizavam seus votos e tuas promessas. Confissões VI, XIII
Desde que comecei receber as lições da sabedoria, não mais te imaginava, meu Deus, sob a forma de um corpo humano — sempre fugi dessa ideia, e me alegrava encontrar essa doutrina na FÉ de nossa mãe espiritual, a Igreja Católica; – mas não me ocorria outro modo de te imaginar. Confissões VII, I
Tais eram os pensamentos de meu pobre coração, oprimido pelos pungentes temores da morte, e sem ter encontrado a verdade. Contudo, arraigava sempre mais em meu coração a FÉ de teu Cristo, nosso Senhor e Salvador, professada pela Igreja Católica; FÉ ainda incerta, certamente, em muitos pontos, e como que flutuando fora das normas da doutrina. Minha alma porém não a abandonava, e cada dia mais se abraçava a ela. Confissões VII, V
Deste modo, ó meu auxílio, já me havias libertado daqueles grilhões. Contudo eu buscava ainda a origem do mal, e não encontrava solução. Mas não permitias que as vagas de meu pensamento me apartassem da FÉ. FÉ na tua existência, na tua substância imutável, na tua providência para os homens, e na tua justiça que os julgará. Já acreditava que traçaste o caminho da salvação dos homens, rumo à vida que sobrevém depois da morte, em Cristo, teu Filho e Senhor nosso, e nas Sagradas Escrituras, recomendadas pela autoridade de tua Igreja Católica. Confissões VII, VII
Somente conhecia, pelas coisas que dele nos deixaram escritas, que comeu, bebeu, dormiu, passeou, que se alegrou, se entristeceu e pregou, e que essa carne não se juntou a teu Verbo senão com alma e inteligência humanas. Tudo isso sabe quem conhece a imutabilidade de teu Verbo, que eu já conhecia quanto me era possível, sem que disso nada duvidasse. Com efeito, mover os membros do corpo à vontade, ou não movê-los, estar dominado por algum afeto ou não o estar, traduzir por palavras sábios pensamentos e depois calar, são caracteres próprios da mutabilidade da alma e da inteligência. Se esses testemunhos das Escrituras fossem falsos, tudo o mais correria o risco de ser mentira, e o gênero humano não teria mais nesses livros a FÉ, condição de salvação. Mas como são verdadeiras as coisas nela escritas, eu reconhecia em Cristo um homem completo, não somente o corpo de um homem, ou um corpo sem uma alma inteligente, mas um homem real, que eu julgava superior a todos os outros não por ser a personificação da verdade, mas em razão da singular excelência de sua natureza humana, e de uma mais perfeita participação na sabedoria. Confissões VII, XIX
Alípio porém pensava que os católicos, crendo em um Deus revestido de carne, entendiam quem eu em Cristo, além de Deus e da carne, não havia alma humana; e não julgava que lhe atribuíssem inteligência humana. E como estava bem persuadido de que os atos atribuídos tradicionalmente a Cristo não podiam ser senão obras de um criatura cheia de vida e de inteligência, Alípio se aproximava com certa relutância da FÉ cristã. Mas depois, ao saber que este erro era próprios dos hereges apolinaristas, aderiu alegremente à FÉ católica. Confissões VII, XIX
Enfim, chegou a hora da profissão de FÉ. Em Roma, os que se preparam para receber tua graça, pronunciam de um lugar elevado, diante dos fiei, formulas consagradas aprendidas de cor. Confissões VIII, II
Os presbíteros, dizia-me Simpliciano, propuseram a Vitorino que recitasse a profissão de FÉ em segredo, como era costume fazer com os que poderiam se perturbar pela timidez. Mas ele preferiu confessar sua salvação na presença da plebe santa, uma vez que nenhuma salvação havia na retórica que ensinara publicamente. Quanto menos, pois, devia temer diante de tua mansa grei pronunciar tua palavra, ele que não havia temido as turbas insanas em seus discursos! Assim, logo que subiu à tribuna para dar testemunho da sua FÉ, em uníssono, conforme o iam conhecendo, todos repetiram seu nome como num aplauso — e quem ali não o conhecia? — e um grito reprimido, saiu da boca de todos os que se alegravam: “Vitorino! Vitorino!” Ao verem-no, se puseram a gritar de júbilo, mas logo emudeceram pelo desejo de ouvi-lo. Vitorino pronunciou sua profissão de verdadeira FÉ com grande firmeza, e todos queriam raptá-lo para dentro de seus corações. E realmente o fizeram: seu amor e alegria eram as mãos que o arrebatavam. Confissões VIII, II
Ouvíamos, estupefatos, tuas autenticas maravilhas, realizadas na verdadeira FÉ, na Igreja Católica, tão recentes e quase contemporâneas. Todos nos admirávamos; nós, por serem coisas tão grandes; e ele, por ser-nos tão desconhecidas. Confissões VIII, VI
Então, marcando com o dedo, ou não sei com que, fechei o livro, e com o rosto já tranquilo, revelei a Alípio o que se passara. Ele, por sua vez, me revelou o que acontecera com ele, e que eu ignorava. Pediu para ver o que eu tinha lido; mostrei-lhe, ele prosseguiu a leitura. Eu ignorava o texto seguinte, que era este: Recebei ao fraco na FÉ, palavras que aplicou a si mesmo, e mo revelou. Fortificado por essa advertência, firmou-se nessa resolução e santo propósito, bem de acordo com seus costumes, nos quais já há muito tempo tomara grande vantagem sobre mim. Confissões VIII, XII
De tal forma me converteste a ti, que já não procurava esposa, nem abrigava esperança alguma deste mundo, mas estava já naquela “regra de FÉ” em que há tantos anos me havias mostrado à minha mãe. E assim converteste seu pranto em alegria, muito mais fecunda do que havia desejado, e muito mais preciosa e pura do que a que podia esperar dos netos nascidos de minha carne. Confissões VIII, XII
Que invocações elevei a ti, meu Deus, lendo os Salmos de Davi, cânticos de FÉ, hinos de piedade, que expulsavam de mim todo sentimento de orgulho? Eu era ainda inexperiente de teu verdadeiro amor, e dividia minhas horas de lazer com Alípio, catecúmeno como eu. Minha mãe estava conosco. Ao aspecto da mulher ela aliava FÉ varonil, a calma da velhice, a ternura de mãe e a piedade de cristã. Que exclamações elevei a ti naqueles salmos, e como me inflamava com eles em teu amor! Incendiava-me em desejos de recitá-los, se fosse possível, ao mundo inteiro, para rebater a soberba do gênero humano! Com efeito, em todo o mundo se cantam. Não há ninguém que se subtraia a teu calor. Confissões IX, IV
No fundo de meu coração penetrou o sinal da tua vontade e, alegre na FÉ, louvei teu nome. Confissões IX, IV
contudo, esta FÉ não me deixava viver tranquilo quanto a meus pecados passados, que ainda não me haviam sido perdoados por teu batismo. Confissões IX, IV
A noticia do milagre logo se propagou, e imediatamente se ouviram teus louvores com fervor, e o coração de tua inimiga, sem se converter à tua FÉ, reprimiu contudo o furor da perseguição. Confissões IX, VII
Educada assim na modéstia e na temperança, mais sujeita a seus pais pela tua mão que por seus pais a ti, logo que chegou à idade núbil, foi dada em matrimônio a um homem, a quem serviu como a senhor. Procurou conquistá-lo para ti, falando-lhe de ti com suas virtudes, com as quais tu a tornavas bela e reverentemente amável e admirável ante seus olhos. Suportou suas infidelidades conjugais com tanta paciência, que jamais teve com ele a menor briga por isso, pois esperava que tua misericórdia viria sobre ele, e que lhe trouxesse, com a FÉ, a castidade. Confissões IX, IX
Deste modo sua voz juvenil, voz do coração, calou em mim essa espécie de emoção pueril que me provocava o pranto. De fato, não julgávamos correto celebrar aquele funeral com lágrimas e choro, pois tais demonstrações deploram geralmente o triste destino dos que morrem, ou sua total extinção. A morte de minha mãe não era uma desgraça, e ela não morria para sempre, e disto estávamos certos pelo testemunho de seus costumes, por sua FÉ sincera e outras razões inequívocas. Confissões IX, XII
Agora, com a ferida do meu coração já sanada, na qual se podia censurar um afeto muito carnal, derramo diante de ti, meu Deus, por tua serva, outra espécie de lágrimas, bem diferentes, aquelas que brotam do espírito comovido à vista dos perigos que corre toda alma que morre em Adão. É verdade que minha mãe, vivificada em Cristo, antes mesmo de ser livre dos laços da carne, viveu de tal modo, que teu nome era louvado em sua FÉ e em seus costumes. Contudo, não me atrevo a dizer que desde que a regeneraste no batismo não saiu de sua boca nenhuma palavra contrária à tua lei. Porque a Verdade, que é teu Filho, disse: “Quem chamar a seu irmão de louco será réu do fogo da geena”. Ai da vida dos homens, por mais louvável que seja, se tu a julgares sem a tua misericórdia! Mas porque não examinas nossos pecados com rigor, confiadamente esperamos tomar lugar a teu lado. Quem enumera diante de ti seus próprios méritos, que mais expõe senão teus dons? Oh! Se os homens se reconhecessem como homens! Se quem se glorifica se glorificasse no Senhor! Por isso, Deus de meu coração, minha vida e minha gloria, esquecendo por um momento as boas ações de minha mãe, pelas quais te dou graças com alegria, peço-te agora perdão por seus pecados. Ouve-me pelos méritos daquele que é o médico de nossas feridas, que foi suspenso do madeiro da cruz e que, sentado agora à tua direita, intercede por nós junto a ti. Eu sei que ela sempre agiu com misericórdia, e que perdoou de coração todas as faltas contra ela cometidas; perdoa-lhe também suas dívidas, se algumas contraiu em tantos anos que se seguiram ao batismo. Perdoa-lhe, Senhor, perdoa-lhe, te suplico, e não entres em juízo com ela. Confissões IX, XIII
Quem poderá devolver-lhe seu sangue inocente? Quem poderá restituir-lhe o preço pago por nosso resgate, para nos arrancar ao inimigo? A este mistério de nossa redenção ligou tua serva sua alma com o vínculo da FÉ. que ninguém a afaste de tua proteção. Que entre ela e ti não se interponha, nem pela força, nem pelo engano, o leão ou o dragão. Ela não responderá que nada deve, para não ser convencida e arrebatada pelo astuto acusador, responderá que suas dívidas lhe foram perdoadas por aquele a quem ninguém pode restituir o que por nós pagou sem nada dever. Confissões IX, XIII
Mas tu, Médico da minha alma, faze-me ver claramente a utilidade de meu propósito. As confissões de meus pecados passados — que já perdoaste e esqueceste, para me fazer feliz em ti, transformando minha alma com tua FÉ e teu sacramento — levam o coração dos que as leem e ouvem a não dormir no desespero dizendo: “Não posso”. Mas despertem para o amor pela tua misericórdia e para a doçura de tua graça, que fortalece o fraco e este se dá conta de sua debilidade. Confissões X, III
O verdadeiro mediador que tua insondável misericórdia enviou e revelou aos homens, para que aprendessem a humildade pelo seu exemplo, é esse mediador entre Deus e os homens, o homem Jesus Cristo. Apareceu como intermediário entre os pecadores mortais e o Justo imortal, mortal como os homens e justo como Deus. E, como a vida e a paz são a recompensa da justiça, pela justiça que o une a Deus ele suprimiu a morte entre os ímpios justificados, e quis compartilhá-la com eles. Foi revelado aos santos dos antigos tempos, para que eles se salvassem pela FÉ em sua paixão futura, como nós nos salvamos pela FÉ em sua paixão passada. De fato, só é mediador enquanto homem; enquanto Verbo não é intermediário, por ser igual a Deus: Deus em Deus e, ao mesmo tempo, Deus único. Confissões X, XLIII
Mas, como saberia eu se ele dizia a verdade? E, posto que o soubesse, sabê-lo-ia por seu intermédio? Não, mas seria dentro de mim, no íntimo recesso do pensamento que a Verdade, que nem é hebraica, nem grega, nem latina, nem bárbara, sem auxílio de lábios ou de língua, sem ruído de sílabas, me diria: “Ele fala a verdade”. — e eu, imediatamente, com a certeza da FÉ, diria àquele teu servo: “Tu dizes a verdade!”. Confissões XI, III
Ouça, pois, Tua voz em seu interior, quem puder, e eu quero clamar, cheio de FÉ em teu oráculo: “Como são magníficas as tuas obras, Senhor, que tudo criaste em tua Sabedoria! Ela é o princípio e nesse princípio criaste o céu e a terra”. Confissões XI, IX
Ouço e considero todas essas teorias, mas não quero discutir por questões de palavras, o que não serve para nada, senão para a confusão dos ouvintes. Pelo contrário, a lei é boa para a edificação se dela se faz uso legítimo, porque sua finalidade é a caridade que nasce de um coração puro, de uma boa consciência e de uma FÉ não fingida. Nosso Mestre sabe quais dos dois preceitos em que resumiu toda a lei e os profetas. A mim, que observo com zelo tais preceitos, ó meu Deus, luz de meus olhos na escuridão, que me importa que possa que possa encontrar sentidos diferentes para essas palavras, se todos são verdadeiros? Que me interessa, digo eu, que outros compreendam o texto de Moisés de modo diferente do meu? Nós todos que o lemos procuramos indagar e compreender o pensamento do autor. E como o julgamos verídico, não ousamos admitir que ele pusesse dizer o que sabemos ou o que consideramos falso. Confissões XII, XVIII
Assim, se o Gênesis é omisso quanto à criação de certas coisas, criação essa que está acima de dúvidas para uma FÉ sadia e uma inteligência segura, e se nenhuma doutrina racional ousa sustentar que essas águas são co-eternas a Deus, pelo fato de as vermos mencionadas no Gênesis sem a menção do momento de sua criação , por que haveríamos de aceitar, à luz da verdade, que essa matéria informe, que a Escritura chama de terra invisível e desordenada e de abismo tenebroso, foi feita por Deus do nada e por isso não é co-eterna a Deus, embora a narração da Escritura tenha deixado de referir o momento em que foi criada? Confissões XII, XXII
Nisto são como crianças, pois enquanto essa linguagem humilde sustentar sua fraqueza como o seio de uma mãe, o que se fortifica salutarmente é a FÉ, que lhes faz ter como certo que Deus criou todas as realidades, cuja admirável variedade impressiona a seus sentidos. Confissões XII, XXVII
Ó minha FÉ, vai adiante em tua confissão. Dize a teu Senhor: “Santo, santo, santo! É o Senhor, meu Deus! — Em teu nome fomos batizados, Pai. Filho e Espírito Santo; em teu nome batizamos, Pai, Filho e Espírito Santo. Também entre nós Deus criou, pelo seu Cristo, um céu e uma terra, isto é, os espirituais e os carnais de sua Igreja. E nossa terra, antes de receber a forma da doutrina, era invisível e informe, e estávamos imersos nas trevas da ignorância, porque castigaste o homem por causa de sua iniquidade, e teus justos juízos são como abismos profundos. Confissões XIII, XII
Contudo, somos luz apenas pela FÉ, e não por uma visão clara. É na esperança que fomos salvos, e a esperança que vê não é mais esperança. O abismo clama pelo abismo, mas é já pela voz de tuas cataratas. Não pude falar-vos como a homens espirituais, mas como a carnais. Quem assim fala, não julga ainda ter atingido sua meta e, esquecendo-se do que ficou para trás, avança para o que está vivo, como o cervo tem sede de água das fontes, e diz: “Quando chegarei?” — Ele deseja o abrigo de sua morada, que está no céu e chama o abismo inferior dizendo: “Não vos conformeis com este mundo, mas reformai-vos renovando vosso espírito, e não queirais ser crianças na mente, mas sede pequeninos quanto à malícia, para que sejais perfeitos no espírito…” Confissões XIII, XIII
Minha FÉ, que acendeste à noite para conduzir meus passos, lhe diz: “Por que está triste, ó minha alma, e por que me perturbas? Espera no Senhor. Seu Verbo é uma lâmpada para teus passos. Espera, persevera, até que a noite passe, a noite, mãe dos iníquos, até que passe a ira do Senhor, ira da qual outrora fomos filhos quando éramos trevas”. — Dessas trevas ainda arrastamos os restos neste corpo morto pelo pecado, até que alvoreça o dia e se dissipem as sombras. Espera no Senhor. Desde a manhã estarei diante deles, e o contemplarei, e o louvarei eternamente. Desde a manhã estarei diante dele e verei a salvação de minha face, meu Deus, que vivificará nossos corpos mortais pelo seu Espírito que habita em nós, misericordiosamente levado por sobre as águas tenebrosas de nossas almas. Confissões XIII, XIV
Por desígnio eterno, lanças sobre a terra os bens do céu no tempo oportuno; a um, teu Espírito dá a palavra de sabedoria, luminar maior para os que encontram seu deleite na luz de uma verdade clara como o raiar do dia; a outro dás, pelo mesmo Espírito, a palavra de ciência, luminar menor; a outro a FÉ; a outro o poder de curar; a outro o dom dos milagres; a outro a graça da profecia; a este o discernimento dos espíritos, àquele o dom das línguas. E todos esses dons são como estrelas, são obra de um só e mesmo Espírito, que reparte a cada um os seus dons como lhe agrada, e que faz aparecer tais astros para o bem comum. Confissões XIII, XVIII
E esta não mais tem necessidade de batismo (necessário para os gentios), como tinha necessidade enquanto as cobriam. Pois não se entra de outro modo no reino dos céus, desde que assim o determinaste. Para ter FÉ, ela já não exige grandes maravilhas. Ela crê sem ter visto sinais e prodígios, porque é terra fiel, já distinta das águas do mar que a incredulidade torna amargas: e as línguas são um sinal,não para os fiéis, mas para os infiéis. Confissões XIII, XXI
Que teus ministros trabalhem na terra, não como nas águas da incredulidade, quando pregavam e falavam utilizando-se de milagres, de sinais misteriosos, de termos místicos, para capturar atenção da ignorância, mãe da admiração, pelo medo desses sinais secretos. Por esta porta, de fato, os filhos de Adão têm acesso à FÉ, esquecidos de ti enquanto se escondem de tua fade e se tornam abismos. Que teus ministros trabalhem como em terra seca, separada das fauces do abismo; e que sejam modelo para os fiéis, vivendo sob teus olhares e incitando-os à imitação. E assim ouve não só para ouvir, mas também para praticar. “Procurai a Deus, e vossa alma viverá, e a terra dará nascimento a uma alma viva. Não vos conformeis com este mundo em que vivemos, abstendo-vos dele. A alma vive evitando as coisas cujo desejo causa-lhe a morte. Confissões XIII, XXI
Por isso, Senhor, direi diante de ti a verdade. Por vezes, ignorantes e infiéis que, para serem iniciados e conquistados para a FÉ, precisam desses rituais de iniciação e de milagres mirabolantes, simbolizados, a meu ver, pelos peixes e pelos cetáceos, acolhem teus servos e os socorrem, ou os auxiliam nas necessidades da vida presente, sem saber por que o fazem nem em vista de que devem agir. Desse modo, nem aqueles os alimentam, nem estes são alimentados por eles, pois os primeiros não são movidos por vontade santa e reta, e os segundos não se alegram com os dons recebidos, não descobrindo neles fruto algum. Ora, a alma só se alimenta com o que lhe traz alegria. É esta a razão pela qual os peixes e os cetáceos se nutrem de alimentos que a terra só pode produzir depois de separados e purificados de amargura das águas do mar. Confissões XIII, XXVII
Acendeste então os luzeiros no firmamento: teus santos, que possuem a palavra de vida e brilham pela sublime autoridade dos seus dons espirituais. Depois, para difundir a FÉ entre as nações idólatras, fizeste com a matéria visível dos sacramentos os milagres bem perceptíveis, e determinaste as vozes das palavras sagradas, conformes ao firmamento de teu Livro, pelas quais seriam abençoados teus fiéis. Formaste depois a alma viva dos fiéis, pela disciplina das paixões bem ordenadas e pelo vigor da continência. Por fim renovaste a alma, que não estava sujeita senão a ti, e que não tinha mais necessidade de nenhuma autoridade humana para imitar, à tua imagem e semelhança; submeteste, como a mulher ao homem, a atividade racional ao poder da inteligência. Quiseste que a teus ministros que são necessários ao progresso dos fiéis nesta vida, que esses mesmos fiéis propiciassem o necessário para suas necessidades temporais; obras valiosas de caridade, cujos frutos colherão no futuro. vemos todas essas coisas, e todas são muito boas, porque tu as contemplas em nós, tu que nos deste o Espírito, para que por ele pudéssemos vê-las e amar-te nelas. Confissões XIII, XXXIV