Advento Juizo

THOMAS MERTON — TEMPO E LITURGIA

O SACRAMENTO DO ADVENTO NA ESPIRITUALIDADE DE SÃO BERNARDO (cont.)

ADVENTO E JUÍZO

Embora Cristo não venha ao mundo para julgá-lo, o mundo é julgado por sua própria resposta à revelação do amor misericordioso de Deus na Encarnação. Deus amou tanto o mundo que deu o seu Filho único a fim de que todos que cressem n’Ele não perecessem, mas tivessem a vida eterna. Não envia Ele seu Filho ao mundo para julgá-lo, mas para que o mundo seja salvo por Ele. Quem n’Ele crê não é julgado. Mas os que n’Ele não crêem já estão julgados (Jo 3,6-19). Na véspera de sua Paixão, no momento de entrar na sua “hora”, exclama Jesus: “Agora é o julgamento do mundo”. A palavra julgamento, nesse contexto, é um abismo de luz e trevas. Parece implicar, ao mesmo tempo, condenação e salvação, rejeição e justificação. E, de fato, é assim, pois o “mundo”, no sentido daqueles que se opõem a Cristo, se julga e se condena, julgando e condenando Aquele que é a “luz do mundo” (Jo 3,19; 12,46; 8,12). Mas o “mundo”, no sentido daqueles para quem Jesus é o Salvador (Jo 4,42), é salvo de fato pelo julgamento que condena à morte o Redentor e, assim, paga o preço do resgate pelos pecados do mundo. Por isso, Jesus acrescenta imediatamente à declaração de que, “agora, o mundo vai ser julgado” esta outra de que, “agora, o príncipe deste mundo será lançado fora”, como consequência direta desse “julgamento”. Assim, em realidade, o julgamento do mundo é, ao mesmo tempo, a salvação dos que O recebem e a condenação dos que O rejeitam. Por isso, São Bernardo diz que devemos entrar em julgamento conosco e decidirmos a que lado pertencer.1

São Bernardo expõe essa ideia num trecho notavelmente condensado e substancioso, falando da recusa de Acaz quanto ao sinal oferecido por Deus, pelo ministério de Isaías.2 Acaz recusa pedir um sinal a Deus, conquanto tenha sido instruído por Deus a fazê-lo por intermédio do profeta. Comentando essa desobediência, São Bernardo aproxima Isaías, , Provérbios, São Paulo e o Evangelho. É um exemplo típico da versatilidade de São Bernardo no emprego da Escritura. O ouvido sensível de Bernardo podia perceber o Espírito Santo falando simultaneamente pela boca de todos os Escritores sagrados, para nos dar a mesma mensagem em formas diferentes e contrastantes.

A figura de Acaz funde-se com a de Herodes. As palavras de Isaías se tornam palavras do próprio Cristo. São Paulo fornece um fundo de comentário teológico ao diálogo dessas figuras.

Isaías ouviu do Senhor as seguintes palavras: “Vai dizer àquela raposa que peça um sinal ao Senhor nas profundezas. Aquela raposa tem sua toca (que é o inferno), mas se descer ao inferno encontrará aquele que apanha os jeitosos em suas próprias manhas ( 5,13). E novamente: “Vai, diz o Senhor, diz àquela ave que procure um sinal nas alturas superiores, mas, se ele subir aos céus, encontrará Aquele que resiste aos orgulhosos e esmaga, com o próprio poder deles, a cerviz dos soberbos e altivos”. As alusões a São Paulo (Rom 10,6-8) lembram que é inútil que o orgulho do homem procure a Deus escalando os céus, uma vez que Ele desce até nós — deve Ele amar-nos primeiro.

Ainda que Acaz recuse um sinal do poder de Deus (vindo do alto), ou da sua sabedoria (no abismo), dá-lhe Deus, no entanto, um sinal de sua misericórdia, para que aqueles que ficassem aterrorizados pelo seu poder ou sua sabedoria pudessem ser atraídos por seu amor.3

E, no entanto, este “novo sinal” é simplesmente uma variante dos dois sinais completos, oferecidos a Acaz. Pois a caridade do Senhor que reina no mais alto dos céus em plena majestade O trouxe às profundezas do inferno, precipitando-o das alturas, na forma de um servo, por nosso amor, mas unicamente para unir-nos a Ele, a fim de “tudo restaurar em Cristo”, e “elevar-nos com Ele até o céu”. Aqui, também, nessas passagens da Escritura, encontramos, como em toda parte, a Pascha Christi que é o Mistério e o Sacramento do Advento.

Assim, declara São Bernardo, proclamando o mistério e tornando manifesto o sentido do sinal, o próprio Deus vos dará um sinal no qual sua majestade e sua caridade serão manifestadas. Eis que uma Virgem conceberá e dará à luz um Filho e seu nome será Emanuel, que significa “Deus conosco”. Adão, não fujas! Pois Deus está conosco! Não temas, ó Homem, não tremas ao ouvir o nome de Deus, pois Deus está conosco. Está conosco na semelhança de nossa carne mortal; está conosco na unidade.4)

Resumindo, a própria presença de Deus no mundo em seu Filho Encarnado é o penhor da Salvação para os que o recebem, mas é a condenação dos que não recebem sua misericórdia. Essa aceitação é uma conscientização. Devem conhecer-lhe a Majestade e meditar no Seu amor.5



  1. Serm. 4, Adv., n.3 

  2. Serm. 2, Adv., n.1. 

  3. Serm. 2, Adv., n.1 

  4. Propter nos venit, tamquam unus ex nobis, similis nobis, passibilis. (Serm. 2, Adv., n.1 

  5. Molestus est ergo non solum hominibus sed etiam Deo quisquis nec maiestateni cogitat in timore nec charitatem cum amore meditatur Serm. 2, Adv., n.1.