Evangelho de Tomé – Logion 105
A “adoção” explicada por Paulo Apostolo não implica, nem poderia implicar, duas categorias ou modos de ser “filho de Deus”: um modo que consiste em ser “filho” preexistente, desde o princípio, e outro, cuja obra é chegar a ser “filho” a partir de ser cizânia. Mas o título de filho de Deus só é verdadeiro enquanto se ajusta em todo à preexistência do Pai, pois exige a unidade de natureza na eternidade. A natureza é sempre irrenunciável. Por isso não é possível em seu sentido estrito a filiação nova, nem é possível a pluralidade de filhos de Deus, pois são um na unidade do Pai.
- Portanto, irmãos, somos devedores, não à carne para vivermos segundo a carne; porque se viverdes segundo a carne, haveis de morrer; mas, se pelo Espírito mortificardes as obras do corpo, vivereis. Pois todos os que são guiados pelo Espírito de Deus, esses são filhos de Deus. Porque não recebestes o espírito de escravidão, para outra vez estardes com temor, mas recebestes o espírito de adoção, pelo qual clamamos: Aba, Pai! O Espírito mesmo testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus; e, se filhos, também herdeiros, herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo; se é certo que com ele padecemos, para que também com ele sejamos glorificados. (Rom 8,12-17)
A quem está reservada a adoção, a quem cabe a possibilidade de “adotar” em liberdade de decisão sua filiação a respeito de Deus, é à alma do homem, a qual só quando descobre o espírito que é a essência de si mesma, se faz “uma” com ele na filiação eterna, preexistente, do espírito, ainda que não sem antes ter queimado a alma toda a cizânia que entorpecia tal decisão.
Em outras apalavras, é possível dizer que é a ausência de conhecimento de nossa filiação a que nos relega a comportamento de não ser filho de Deus. Em verdade, não somos “filho” enquanto não reconhecemos que o somos; mas uma vez obtido o testemunho do Espírito, nos é possível “adotar” o fato de ser “filho” de Deus segundo o Espírito, pois o erro se dissipa e a realidade ontológica de ser “filho” de Deus desde o princípio, é então recuperada.
Esta realidade “reconquistada” de ser filho de Deus no espírito ungido, Cristo interior, preexistente, a descreve paulo em si mesmo, em sua própria experiência, que consiste em uma negação de si mesmo que ao princípio assemelha ser um nada interior, um vazio de ser, mas que em realidade não é outra coisa que abrir as portas da alma para que nasça nela o ungido, o filho de Deus vivo, que estava próximo, muito próximo.
Paulo explica este mistério assim: “Vivo, mas não eu, senão que é Cristo que vive em mim”.