Abade Poimem 5

Apoftegmas — Abade Poimém

Tradução do grego de D. Estevão Bettencourt O.S.B.

51. Um irmão disse ao Abade Poimém: «Quando dou a meu irmão um pouco de pão ou outra coisa, os demônios me fazem crer que esta ação é tão suja como se fora feita para agradar aos homens». O ancião respondeu: «Ainda que o fizéssemos para agradar aos homens, não obstante, demos aos irmãos o que lhes é necessário». E contou-lhes ainda a seguinte parábola: «Havia dois agricultores que habitavam a mesma cidade; um deles, tendo semeado, recolheu frutos poucos e impuros; o outro, porém, tendo-se descuidado de semear, nada absolutamente colheu; em caso de fome, qual dos dois encontrará o sustento de sua vida?» O irmão respondeu: «O que recolheu frutos poucos e impuros». Concluiu o ancião: «Assim também nós: semeamos um pouco, ainda que impuro, para que não pereçamos de fome».

52. O Abade Poimém referiu o seguinte dito do Abade Amonas: «Há quem passe todo o tempo de sua vida a carregar o machado sem encontrar o modo de derrubar a árvore. Há também o homem perito de cortar, o qual com poucos golpes abate a árvore». E acrescentava que o machado é o discernimento.

53. Um irmão perguntou ao Abade Poimém: «Como deve o homem nortear a sua vida?»

Respondeu o ancião: «Consideremos Daniel; contra ele não se encontrou acusação a não ser a propósito do culto que ele prestava ao Senhor seu Deus».

54. Disse o Abade Poimém: «A vontade do homem é um muro de bronze entre ele e Deus, é uma rocha que reverbera. Se o homem a abandona, diz também ele: ‘Por força de meu Deus saltarei o muro’ (SI 17,30.). Por conseguinte, quando o preceito vai de encontro à vontade, o homem labuta».

55. Contou também o seguinte: «Certa vez os anciãos estavam sentados a comer, e o Abade Alônio se achava de pé, servindo. Vendo-o assim, louvaram-no; ele, porém, não respondeu palavra. Então perguntou-lhe alguém à parte: «Por que não respondeste aos anciãos que te louvavam?» O Abade Alônio explicou: «Se respondesse, pareceria aceitar os louvores».

56. Disse mais: «Os homens são perfeitos ao falar, mas ínfimos ao agir».

57. Disse o Abade Poimém: «Como a fumaça afugenta as abelhas e então se esvanece a doçura do trabalho delas, assim também o repouso do corpo afugenta da alma o temor de Deus e extingue todas as suas boas obras.

58. Um irmão foi ter com o Abade Poimém na segunda semana da Quaresma; abriu-lhe os seus pensamentos e ficou tranquilizado; depois disto, disse: «Por pouco deixava de vir aqui hoje». O ancião perguntou: «Por quê?» Respondeu o irmão: «Dizia-me que talvez por causa da Quaresma não abririas». O Abade Poimém replicou: «Nós não aprendemos a fechar a porta de madeira, mas, sim, a porta da língua».

59. Disse de novo o Abade Poimém: «É preciso fugir do que diz respeito ao corpo (Isto é, excessivo cuidado do corpo). Pois, todas as vezes que o homem está próximo a uma tentação do corpo, assemelha-se a alguém que está em pé sobre um lago muito profundo; no momento em que apraz ao inimigo, este facilmente o derruba dentro dágua. Se, porém, o homem vive à distância do que é corporal, parece-se com alguém que está longe do lago, de modo que, embora o inimigo o puxe para precipitá-lo nágua, enquanto o puxa e lhe faz violência, Deus lhe envia auxilio».

60. Disse mais: «A pobreza, a tribulação, a morada em lugar estreito e o jejum, tais são os instrumentos da vida solitária. Com efeito, está escrito: ‘Se estiverem estes três homens — Noé, e Daniel —, vivo eu, diz o Senhor’ (Ez 14,14.20). Noé é a figura da pobreza, a do sofrimento, e Daniel a do discernimento. Portanto, se se acham estas três virtudes no homem, o Senhor habita nele».