Apoftegmas — Abade Poimém
Tradução do grego de D. Estevão Bettencourt O.S.B.
101. Um irmão perguntou ao Abade Poimém: «Porque é que não consigo falar livremente com os anciãos a respeito de meus pensamentos? «Respondeu Poimém ter dito o Abade João Curto: «O inimigo de nada se agrada tanto como daqueles que não manifestam os seus pensamentos».
102. Um irmão referiu ao Abade Poimem: «Meu coração desfalece logo que sou acometido de um pequeno sofrimento». Respondeu o ancião: «Não admiramos José, jovem de dezessete anos, como sustentou a tentação até o fim?» Deus, em consequência, o glorificou. Não vemos também Jó, como não desfaleceu, guardando a paciência até o fim? E as tentações não conseguiram abalar-lhe a esperança em Deus».
103. Disse o Abade Poimém: «O cenobita deve ter três faculdades de agir: uma é a faculdade de praticar a humildade; outra, a de obedecer; a terceira, a de se movimentar como que debaixo de um aguilhão, em vista do trabalho do cenóbio».
104. Um irmão disse ao Abade Poimém: «Num momento de aflição pedi emprestado um objeto a um dos santos, e ele mo deu como esmola. Se, pois, Deus também a mim dispensar seus bens (Isto é, se eu puder um dia dispensar esse objeto.), darei tal objeto a outros como esmola ou antes àquele que mo deu?» Respondeu o ancião: «Diante de Deus o justo é que restituas a este; pois deste era o objeto». Replicou o irmão: «Se, porém, eu lhe levar e ele não o quiser aceitar, mas disser: ‘Vai, e dá-lo em esmola a quem quiseres’, que hei de fazer?» Respondeu o ancião: «Em verdade, o objeto é dele. Se, porém, alguém te dá algo espontaneamente, sem que o peças, tal objeto é teu. Se, ao contrário, pedes, seja de um monge, seja de um secular, e depois o proprietário não quer receber o objeto de volta, o justo é que, com o conhecimento do proprietário, dês o objeto como esmola em favor do mesmo proprietário» (Isto é, com a intenção de que Deus faça redundar essa esmola em merecimento do antigo proprietário.).
105. Do Abade Poimém diziam que ele nunca queria proferir a sua sentença depois da de um outro ancião, mas louvava plenamente esta outra.
106. Disse o Abade Poimém:«Muitos dos nossos Pais se tornaram insignes na austeridade, mas um ou outro apenas se tornou insigne pela discrição».
107. Certa vez, estando o Abade Isaque sentado com o Abade Poimém, ouviu-se o canto do galo. Aquele então perguntou: «Aqui há dessas coisas, ó Abade?» Este respondeu: «Isaque, por que me obrigas a falar? Tu e os teus semelhantes ouvis tais coisas; o homem vigilante, porém, não se importa com elas».
108. Diziam que, se alguns visitantes iam ter com o Abade Poimém, este os mandava procurar primeiramente o Abade Anube, por ser Anube mais velho. O Abade Anube, porém, dizia-lhes: «Dirigi-vos ao meu irmão Poimém, pois ele tem o carisma da palavra». Caso o Abade Anube estivesse sentado perto do Abade Poimém, este em absoluto não falava enquanto estivesse presente o irmão».
109. Havia um secular, muito piedoso em sua conduta de vida, o qual foi ter com o Abade Poimém. Achavam-se junto com o ancião ainda outros irmãos, que lhe pediam uma palavra. Ora Poimém dirigiu-se ao piedoso secular «Dize uma palavra aos irmãos». Este, porém, rogou: «Desculpa-me, Abade, eu vim aprender». Todavia, constrangido pelo ancião, disse: «Sou um homem secular que vende legumes e negocia; desato os feixes, e confecciono outros menores; compro por pouco e vendo por muito. De resto, não sei falar conforme a Escritura; em todo caso, proponho uma parábola: Um homem disse a seu amigo: ‘Pois que desejo ver o Imperador, vem tu comigo’. Respondeu-lhe o amigo: ‘Acompanhar-te-ei até meio-caminho’. Disse então a outro amigo: ‘Vem tu, conduze-me até o Imperador’. Este respondeu: ‘Levar-te-ei até o palácio do Imperador’. Disse ainda a um terceiro: ‘Vem comigo até o Imperador’. Este anuiu: ‘Irei, levar-te-ei até o palácio; lá me apresentarei, hei de falar e, por fim, introduzir-te-ei até o Imperador’. Perguntaram-lhe então qual era o significado da parábola. O secular explicou: «O primeiro amigo é a ascese, que leva até a estrada; o segundo é a pureza, que leva até o céu; o terceiro é a esmola, que introduz até o Rei Deus, com confiança». Assim edificados, partiram os irmãos.
110. Um irmão que residia fora de sua aldeia e havia muitos anos não voltava a ela, disse aos irmãos: «Eis há quantos anos aqui estou sem voltar à aldeia; vós, porém, voltais sempre que vos apraz». Ora contaram o caso ao Abade Poimém, o qual lhe disse: «Eu me chegaria de noite e circularia em redor da aldeia, para que em meu espírito não me vangloriasse de não ir lá».