Abade Poimem

APOFTEGMAS — ABADE POIMÉM

Tradução do grego de D. Estevão Bettencourt O.S.B.

1. O Abade Poimém, quando era jovem, foi certa vez visitar um ancião a fim de o consultar a respeito de três pensamentos. Quando, porém, chegava à morada do ancião, esqueceu um dos três pensamentos. Voltou, então, para a sua cela, e, quando colocou a mão sobre a chave para abri-la, recordou-se do que esquecera. Deixou, pois a chave e foi ter de novo com o ancião. Este disse-lhe: «Vieste depressa, irmão». Poimém explicou-lhe: «Quando coloquei a mão sobre a chave para tomá-la, recordei-me da ideia que procurava, e não abri: por isto, voltei. Ora a extensão da estrada era muito grande». O ancião respondeu: «Poimém (Pastor) de anjos 1, teu nome será proclamado de boca em boca por toda a terra do Egito».

2. Em certa ocasião Paésio, o irmão do Abade Poimém, tinha colóquios com alguém fora da cela. Ora o Abade Poimém não queria isto; levantou-se, pois, e fugiu para junto do Abade Amonas, dizendo a este: «Paésio, meu irmão, tem colóquios com alguém, e, em consequência, eu não sossego». Perguntou-lhe o Abade Amonas: «Poimém, ainda vives? Vai, senta-te em tua cela e coloca em teu coração a ideia de que já há um ano que jazes no sepulcro».

3. Em dada ocasião, presbíteros da região foram aos mosteiros em que estava o Abade Poimém.

O Abade Anube chegou-se então a ele e disse-lhe: «Convidemos os presbíteros a vir cá hoje». E esperou em pé muito tempo, sem que Poimém lhe desse resposta; após o que, Anube se retirou triste. Então os que estavam sentados juntos a Poimém, perguntaram-lhe: «Abade, porque não lhe deste resposta?» O Abade Poimém explicou-lhes: «Nada tenho que ver, pois morri. Ora o morto não fala».

4. Havia no Egito, antes que lá chegassem o Abade Poimém e os seus companheiros, um ancião que gozava de grande fama e grande estima. Ora, quando chegaram da Cétia o Abade Poimém e os seus, os homens deixaram o ancião e iam procurar a Poimém. Este se afligia com o fato, e disse a seus irmãos: «Que havemos de fazer a este grande ancião pois os homens nos suscitaram aflição, abandonando o ancião e dirigindo-se a nós, que nada somos? Como poderemos ser agradáveis ao ancião?» A seguir, acrescentou: «Preparai pequenas porções de alimento, tomai uma medida de vinho, e vamos ter com o ancião; comeremos juntos; talvez assim lhe possamos dar agrado». Tomaram, pois, os alimentos, e saíram. Ora, quando bateram à porta, o discípulo do ancião, que os escutara, perguntou: «Quem sois?» Responderam : «Dize ao Abade que Poimém aqui está, querendo ser abençoado por ele». O discípulo referiu isto e voltou com a resposta: «Vai-te, não tenho tempo». Eles, porém, permaneceram no calor do sol, dizendo: «Não partiremos antes que sejamos julgados dignos de ver o ancião». Este, vendo a humildade e a paciência deles, ficou compungido e lhes abriu a porta. Entraram, então, e comeram com ele; quando, pois, estavam a comer, disse o ancião: «Em verdade, não somente o que ouvi dizer de vós, é fidedigno, mas ainda vi o cêntuplo disso em vossa conduta». E tornou-se amigo deles a partir daquele dia.

5. Em certa época o Governador da região quis ver o Abade Poimém; o ancião, porém, não o desejava receber. Servindo-se então de um pretexto, mandou prender como malfeitor o sobrinho, e o pôs no cárcere, dizendo: «Se o ancião vier e interceder por ele, eu o soltarei». Ora a irmã de Poimém foi ter com o Abade, ficando a chorar diante da porta; este, porém, não lhe deu resposta. Em consequência, ela se pôs a insultá-lo, dizendo: «Tu que tens entranhas de bronze, compadece-te de mim, pois é meu filho único». O Abade mandou-lhe dizer: «Poimém não gerou filhos». Assim se retirou ela. Ao saber disto, o Governador mandou dizer: «Que o Abade o ordene ao menos com a palavra, e eu soltarei o menino». O ancião fez saber em resposta: «Investiga conforme as leis, e, se é digno de morte, morra; se não o é, faze como quiseres.

6. Certa vez um irmão pecou num cenóbio. Ora havia naquelas regiões um anacoreta que, desde muito, não saía mais em público. O Abade do cenóbio foi ter com ele e contou-lhe o caso do delinquente. O anacoreta respondeu: «Expulsai-o». Saindo assim do cenóbio, o irmão penetrou numa gruta, onde se pôs a chorar. Aconteceu então que irmãos, num momento de lazer, foram visitar o Abade Poimém, e, a caminho, ouviram o irmão que chorava; entraram, então, na gruta e, encontrando-o, em grande angústia, exortaram-no a ir procurar Poimém. Ele, porém, não queria, dizendo: «Aqui morrerei». Os irmãos então prosseguiram até a cela do Abade Poimém e narraram-lhe o ocorrido. Este, em resposta, lhes mandou voltar, dizendo: «Anunciai ao irmão: «O Abade Poimém te está chamando». Assim se chegou o irmão. O ancião, vendo-o aflito, levantou-se, abraçou-o e, tratando-o com bom humor, convidou-o para comer. A seguir, o Abade Poimém mandou um dos irmãos ter com o anacoreta, para transmitir o seguinte: «Tendo ouvido contar o que fazes, há muitos anos desejo ver-te, mas, por timidez de ambos, ainda não nos encontramos. Agora, porém, que se apresenta uma ocasião, se é vontade de Deus, dá-te a pena de vir até aqui e nós nos veremos». Ora o anacoreta não saía da cela; ouvindo, porém, estas palavras, disse consigo: «Se Deus não o tivesse inspirado ao ancião, este não me teria mandado tal recado». E, levantando-se, foi ter com Poimém. Os dois abraçaram-se mutuamente com alegria e sentaram-se juntos. Disse então o Abade Poimém: «Havia em certo lugar dois homens, os quais tinham cada qual um morto em sua casa; ora um deles deixou o seu morto para ir chorar o do outro». Ao ouvir isto, o ancião compungiu-se, recordando-se do que fizera, e disse: «Poimém, para o alto, para o alto, penetrando no céu; eu, porém, para baixo, para baixo, penetrando na terra».

7. Certa vez um grupo numeroso de anciãos foi ter com o Abade Poimém. Ora um dos parentes do Abade Poimém tinha um menino cuja cabeça, por ação do demônio, estava virada para trás. O pai da criança, vendo o grande número de Padres reunidos, tomou o menino e sentou-se fora do mosteiro a chorar. Aconteceu que um dos anciãos saiu, e, vendo-o, perguntou: «Porque choras, homem?» Este respondeu: «Sou parente do Abade Poimém; eis que sobre o menino recaiu tal maldade do demônio; desejamos levá-lo ao ancião, mas tememos, pois este não nos quer ver. E, se agora souber que estou aqui, mandará expulsar-me. Eu, porém, observando a vossa chegada, ousei aproximar-me. Portanto, Abade, compadece-te de mim, como bem quiseres; leva meu filho para dentro, e orai vós por ele».

O ancião, levando o menino, entrou, e pôs-se a agir com prudência: não o levou logo ao Abade Poimém, mas, começando pelos irmãos mais jovens, disse: «Fazei o sinal da cruz sobre a criança». Tendo conseguido que todos a persignassem, por último levou-a ao Abade Poimém. Este não queria que o menino se aproximasse. Os outros, porém, o solicitavam, dizendo: «Como todos, faze também tu, Pai». Ele, então, gemendo, levantou-se e orou dizendo: «Ó Deus, cura a tua criatura, para que não seja dominada pelo inimigo». A seguir, fez-lhe o sinal da cruz, ficando logo curado o menino, que ele entregou são ao seu pai.

8. Em dada ocasião um irmão foi da região do Abade Poimém para terra estrangeira, onde chegou à cela de certo anacoreta, que, por ter grande caridade, era procurado por muitos. O irmão falou-lhe do Abade Poimém, de modo que, sabendo das virtudes deste, o anacoreta desejou vê-lo. Certo tempo depois que o irmão voltara para o Egito, o anacoreta levantou-se e foi da terra estrangeira para o Egito em demanda do irmão que outrora o visitara, pois este lhe dissera onde morava. Vendo-o, este se admirou e alegrou profundamente. Disse então o anacoreta: «Faze a caridade de me levar ao Abade Poimém». O irmão conduziu-o ao ancião, a quem anunciou nestes termos as qualidades do visitante: «É um grande homem, dotado de muita caridade e de muita estima em sua terra. Falei-lhe de ti, e ele veio desejoso de te ver». Poimém recebeu-o então com alegria, e, depois de se terem saudado, sentaram-se. O estrangeiro começou a falar da Escritura, de coisas espirituais e celestes; diante disto, o Abade Poimém voltou o rosto e não deu resposta. Aquele, vendo que Poimém não lhe falava, ficou triste e saiu, dizendo ao irmão que o conduzira: «Em vão fiz toda esta viagem. Com efeito, vim visitar o ancião, e eis que nem quer falar comigo». O irmão entrou, pois, na cela do Abade Poimém e disse-lhe: «Abade, foi por causa de ti que este grande homem veio, ele que goza de tanta glória em sua terra; por que não conversaste com ele?» Respondeu-lhe o ancião: «Ele é do alto e fala de coisas celestes, enquanto eu sou de baixo e falo de coisas terrestres. Se me tivesse falado das paixões da alma, eu lhe teria respondido; tratando-se, porém, de coisas espirituais, eu não estou a par». O irmão então saiu e disse ao estrangeiro: «O ancião não costuma falar de Escritura, mas, se alguém lhe fala das paixões da alma, ele responde». O visitante, compungido, foi de novo procurar o ancião e disse-lhe: «Que farei, Abade, pois que me dominam as paixões da alma?» Poimém fitou-o com alegria e disse-lhe: «Desta vez vieste oportunamente. Agora abre a boca a respeito dessas coisas, e eu a encherei de bens». O estrangeiro, muito edificado, acrescentou: «Sem dúvida, essa é a via genuína». E voltou para a sua terra, dando graças a Deus por ter sido julgado digno de encontrar tal santo.

9. Certa vez o Governador da região mandou prender alguém da aldeia do Abade Poimém. Todos então foram pedir ao ancião que saísse e libertasse o prisioneiro. Ele respondeu: «Deixai-me três dias, depois dos quais irei». Nesse intervalo, orou ao Senhor, dizendo: «Senhor, não me concedas essa graça; pois não me deixariam mais ficar neste lugar». A seguir, foi rogar o Governador, o qual lhe disse: «Intercedes por esse ladrão, Abade?» Ora o ancião alegrou-se por não ter recebido o favor.

10 Alguns contaram que certa vez o Abade Poimém e seus irmãos estavam a fabricar pavios; mas não puderam continuar, por não terem com que comprar os fios de linho necessários. Ora um deles, caro a todos, contou isto a certo negociante, homem de fé. O Abade Poimém, porém, nunca queria aceitar algo de quem quer que fosse, por causa do assédio de gente que seria assim ocasionado 2. O negociante, então, intencionando fazer obra boa ao ancião, alegou precisar de pavios; foi, pois, com o seu camelo à cela do Abade, e voltou com os pavios que aí tomara. Depois disto, o dito irmão foi ter com o Abade Poimém, e, tendo ouvido o que o negociante fizera, disse, intencionando louvar a este: «Em verdade, Abade, mesmo que ele não precisasse, teria levado os pavios para nos fazer uma boa obra». O Abade Poimém, tendo assim compreendido que o negociante levara os pavios sem precisar deles, disse ao irmão: «Levanta-te, aluga um camelo, e traze de volta os pavios; senão os trouxeres, Poimém não habitará mais aqui convosco. Não quero causar dano a um homem que não precisa dos objetos; ele sofreria prejuízo, tomando os objetos com que eu lucro». O irmão foi-se com muita pena, e trouxe os pavios de volta; senão, o ancião os teria abandonado. Quando Poimém viu os pavios, alegrou-se como se tivesse encontrado grande tesouro.

SEGUE: §11-20; §21-30; §31-40; §41-50; §51-60; §61-70; §71-80; §81-90; §91-100; §101-110; §111-121; §121-130; §131-140; §141-150




  1. Se em grego se prefere a forma variante “ageloon” em vez de “aggéloon”, deve-se traduzir: Pastor de rebanhos, sendo o nome Poimêm equivalente a Pastor. 

  2. Muitas outras pessoas, querendo beneficiar o ancião, o procurariam para levar-lhe os seus presentes.