O problema da existência de Cristo não significa nada além disso. Não é o de sua existência histórica. Esta ainda não concerne senão a Jesus. Trata-se então de saber se Jesus de fato existiu, se ele de fato disse o que disse, que ele era o Cristo, o Messias, o Salvador esperado — e não um simples profeta. Ninguém hoje em dia — excetuados os ignorantes ou os sectários — duvida dessa existência. O problema da existência de Cristo é saber se esse homem chamado Jesus que existiu de fato e que se dizia o Cristo (foi por esta única razão que ele foi condenado) o era realmente. Do ponto de vista filosófico, ao qual nos ateremos estritamente neste ensaio, a questão formula-se, pois, exatamente como se segue: alguém como Cristo é possível, o tornar-se homem de Deus enquanto torna-se carne do Verbo é, pelo menos, concebível?
E somente num segundo momento que, colocando-nos sempre num plano filosófico, nós nos perguntaremos se a existência de Cristo entendida como a possibilidade da Encarnação do Verbo [27] é outra coisa além de uma simples possibilidade — mais precisamente, uma existência. Uma simples possibilidade decorre do pensamento, mas uma existência, nunca. Eu posso perfeitamente imaginar que tenho uma moeda de um táler no bolso, supô-lo, dizê-lo ou afirmá-lo, mas a existência da moeda jamais resultará de um ato de meu pensamento. A existência de Cristo enquanto Verbo encarnado supera infinitamente a concepção que posso fazer dela, supondo que a possa fazer. De onde viria ela, nesse caso? Como a existência d’Aquele que é um e o mesmo enquanto Verbo e enquanto carne é suscetível de chegar até nós, de se dar realmente, de se mostrar a nós?
O último motivo da Encarnação que contém a possibilidade da salvação mostra-se a nós: a Encarnação do Verbo é sua revelação, sua habitação entre nós. Se podemos ter relação com Deus e ser salvos nesse contato com ele, é porque seu Verbo se fez carne em Cristo. A revelação de Deus aos homens é, pois, aqui, a existência da carne. É a própria carne como tal que é revelação. Se assim é, duas questões, inteiramente novas e igualmente surpreendentes impõem-se a nós: o que deve então ser a carne para ser em si mesma e por si mesma revelação? Mas o que deve ser a revelação para se cumprir como carne, para cumprir sua obra de revelação na carne e por ela?