Ioan Couliano: Excertos traduzidos por Antonio Carneiro de PSYCHANODIA [ICEE]
O Martírio de Isaías atribui à Béliar chamado também Matanbukus, que é « o anjo da iniquidade », o título de « Poder desse mundo ». Na Ascensão de Isaías toma pelo todo, o título de Príncipe desse mundo para designar o chefe dos maus espíritos. O Apocalipse de Abraão, que os cientistas datam em geral do fim do século I ou do início do II século após J.C., precisa que Azazel, chefe dos maus espíritos, é também Senhor dos povos do mundo, o que significa que é o chefe dos anjos dos povos. Ora, parecia que o título de « Príncipe do mundo », que não tinha nada de mal em si, uma vez que a tradição rabínica o atribuía até mesmo para Miguel, designava precisamente o chefe dos anjos dos povos. Nos escritos do fim do século, esse título é atribuído ao anjo da iniquidade, à Satã, sob os nomes de Azazel ou de Béliar. Enfim, segundo outra série de testemunhos, acha-se que esse mesmo título coube ao anjo de Edom (Roma), que se chama Samael e que representa evidentemente outra hipóstase de Satã.
Ora, o processo mental que leva à identificação de quatro figuras independentes (o anjo mau que, sob diversos nomes, aparecia já em 1 Enoque; o chefe dos anjos dos povos, que leva o título de « Príncipe desse mundo »; o anjo de Edom (Roma); e o anjo exterminador) não nos pareceu de modo algum complicado. Esse processo já foi reconstituído por A. Schlatter e retomado por H. Bietenhard. Uma vez que Roma conquistou o mundo, o anjo de Roma recebeu por direito o título de « Príncipe do Mundo » (segundo a interpretação de Isaías 24, ele venceu todos seus confrades celestes; se forçar um pouco esta interpretação, até mesmo deveu ter vencido temporariamente Deus em pessoa, ou pelo menos Miguel, o arcanjo supremo). Mas Roma é um poder mau, pois submeteu o povo eleito e destruiu seu santuário, que é o santuário de Deus (cf., sobre a teologia do Templo, as numerosas contribuições, de valor excepcional, de Johann Maier). Isso faz com que o anjo de Roma não possa ser senão o adversário de Deus, Satã, sob não importa qual de seus nomes. Enfim, a última assimilação se produziu separadamente: o adversário leva o nome de Samael, que é o anjo terrificante da morte. Não é surpreendente que o anjo de Roma, que matou pessoas e devastou os lugares santos, se chame assim.
Concluindo, nos pareceu que uma gigantesca sombra negra domina, sobretudo após o ano 70, a consciência do povo judeu: aquela do anjo de Roma, que é o « Príncipe desse mundo » (enquanto chefe dos anjos dos povos) mas que é também o adversário de Deus, o chefe dos maus espíritos e o anjo da morte. Como se faz que este anjo que subjugou o povo de Deus torne, entre os gnósticos, o criador mesmo do mundo (v. Demiurgo): são outras tradições judaicas que nos mostraram.