J.F. Yockey — Nicolau de Cusa — Sobre a Mente e o Universo
Sobre a Mente e o Universo
No centro do misticismo de Cusa está a atividade da mente. Para Nicolau, “mente” significa muito mais que a faculdade de raciocínio. Mente é palavra abrangente, denotando os modos multidimensionais da atividade criativa humana e divina.
De acordo com Cusa, para que a mente conheça alguma coisa, ela precisa “igualar” (assimilare) as coisas a si mesma. Entretanto, “igualar” é tradução inadequada de “assimilare”, pois Nicolau vem da tradição centralizada na criação, que tem suas raízes na literatura da sabedoria das escrituras hebraicas, que, por sua vez, tem suas raízes nas culturas pré-patriarcais. Nesta herança, saber é melhor entendido como provar. Por exemplo, nos Salmos, lemos: “Provai e vede como Javé é bondoso”. A única maneira de conhecer a Deus nesta tradição é provar Deus. De fato, as palavras para “sabedoria”, em latim sapientia e em hebraico Hokmah, vêm do verbo provar. Assimilare é melhor traduzido por “digerir”. Escreve Nicolau:
A mente digere as coisas da mesma forma que assimila as coisas visíveis pela visão, as coisas audíveis pela audição, as coisas com sabor pelo paladar, as coisas odor antes pelo olfato e as coisas palpáveis pelo tato, as coisas sensíveis pelo sentido, as coisas imagináveis pela imaginação e as coisas razoáveis pela razão.
Assim, a mente não é um princípio passivo esperando ser alimentado. Ao contrário, a mente é um “apetite natural”, buscando nosso alimento físico, cultural e espiritual. Embora Nicolau afirme o desejo de provar e, portanto, conhecer, em todos os níveis da atividade humana, também reconhece que o prato mais delicioso do cardápio é o espiritual — a divindade. Nosso maior apetite é por Deus.
Ao tentar ingerir a divindade, a mente torna-se o princípio dinâmico e formativo dentro de nós (anima), que se expressa como atividade viva e criativa fora de nós (animal). Desse modo, os produtos de nossas atividades criativas são entidades vivas, não apenas coisas! A mente é a alma — a energia animadora — que está tanto dentro quanto fora. Para Nicolau, como para Eckhart, a alma está menos no corpo do que o corpo está na alma. A mente é panenteísta. Diz Cusa: “Supondo abranger, analisar e compreender todas as coisas, a própria mente conclui que está em todas as coisas e todas as coisas estão nela”.
Em suma, Nicolau afirma que somos seres panenteisticamente animados que, por meio da digestão multidimensional da divindade, isto é, da atividade criativa, animamos outros seres. Mas qual é a importância de tal atividade? Nicolau explica:
Quando, na verdade, a mente humana elevada à semelhança de Deus, participa, da maneira como é capaz, da fertilidade da natureza criativa, produz de si mesma, como imagem da forma toda-poderosa, entidades simbólicas à semelhança de seres reais. Assim, a mente humana é a forma do mundo simbólico, da mesma maneira como a mente divina é a do mundo real.
Quando participamos do mundo de maneira criativa, entramos em nossa divindade. Somos mens imago
Dei, “mente à imagem do divino”. Contudo, a divindade ainda permanece indigerida. Como isso acontece?
É um paradoxo. Nicolau diz que, embora a atividade criativa humana participe da verdade, ou de Deus, não é a verdade em si. No fim, Deus é indigerível. É como se só pudéssemos sentir o aroma delicioso de nossa comida favorita, sem prová-la de verdade. É nosso destino — ter um apetite voraz pela divindade e, contudo, nunca prová-la de verdade.
Deus, entretanto, não nos deixa simplesmente frustrados, pois a atividade da mente não é apenas uma dinâmica antropocêntrica. A dinâmica da mente dirige o cosmos — a Terra e o céu. Toda a ordem criada está presa à Mente Cósmica.
Nicolau explica as características desta dinâmica como uma dinâmica de fluxo: o universo está em constante movimento ou flutuação. Usa a palavra complicatio (envolvimento) e explicatio (manifestação) para explicar o fluxo. Deus é o envolvimento (complicatio) de toda a realidade criada e toda a realidade criada é a manifestação (explicatio) de Deus. A humanidade é a intersecção desse macrocosmo/microcosmo. Contudo, a linguagem de Nicolau sugere um relacionamento ainda mais profundo. Por exemplo, complicare significa “entrelaçar”, e na Idade Média era, com freqüência, usado para descrever o entrelaçamento dos dedos. A imagem sugerida é a das mãos divinas entrelaçadas ao redor do universo. Além disso, complicatio tem os sentidos de complexidade e confusão, de onde se deriva a palavra complicação. Assim, a criação dentro da intimidade das mãos de Deus não é tarefa simples. É, na verdade, muito complexa, complicada e até confusa! As belas imagens complementares de Deus como artista e mãe são evocadas em uma única palavra.
Quanto à manifestação de Deus, Nicolau não é menos eloqüente. Explicare significa “manifestar” ou “desenrolar”. Ambas as palavras falam da constante criatividade no desenrolar cósmico. Falam de criação acontecendo não apenas uma vez, mas como a manifestação interminável dos tesouros divinos ou o desenrolar de um exuberante tapete de inimaginável diversidade estendendo-se até o infinito. Importante, também, é a noção de explicatio como explicação ou explanação. A ordem criada explica Deus. Deus se explica na manifestação do universo! Segue-se, portanto, que cada criatura é necessária para explicar o todo. Nicolau repete Eckhart quando diz que “toda criatura é palavra de Deus”.
Ao revelar a dinâmica da Mente Cósmica, Nicolau move a humanidade acima da frustração de nunca provar Deus. Cusa afirma: “Junto com a humanidade, criastes todas aquelas coisas por meio das quais, despertados pelas coisas que agradam a nossos sentidos, erguemos a vós os olhos de nossas mentes”. Assim, “a mente humana é o envolvimento de seu mundo de sonho, e seu mundo de sonho é a manifestação da mente humana”.
Nicolau conclui que quando os seres humanos entram plenamente na imaginação criativa (o processo digestivo divino) e ativam essa imaginação no mundo dos sentidos, chegamos ao limiar da verdade. Ao digerir as energias divinas, ativando com autenticidade nossas capacidades criativas com o passar do tempo, começamos a assumir as essências daquilo que criamos (digerimos). Quando isso acontece, desenvolve-se uma dimensão mais profunda da mente.
Nicolau chama essa dimensão mais profunda de “mente na simplicidade” ou Sabedoria. Potencialmente, a mente na simplicidade é tudo, mas ela não opera para digerir as coisas. Ao contrário, digere a si mesma, de modo a ser assimilada dentro de cada coisa. Nicolau explica:
Até este ponto, a mente não se sacia com este modo de conhecimento (isto é, digestão), pois não tem compreensão definitiva da exata verdade de tudo… A mente vê que esse modo de ser não é a verdade em si, mas uma participação na verdade. A mente cuida de sua própria simplicidade… Depois emprega essa simplicidade como instrumento para digerir-se em tudo… Dessa forma, a mente entende tudo intuitivamente em sua própria simplicidade.
Portanto, entramos na sabedoria quando passamos do ato de digerir ativamente para o de ser digerido — de comer para ser comido —, de criar para ser criado. E, por isso, Cusa afirma: “Dessa maneira, ela (a mente) entende intuitivamente tudo como uma só coisa, e a si mesma como a assimilação daquele Um que é tudo”.
Para os que desejam acompanhá-lo nessa viagem espiritual. Nicolau diz apenas… Bon Apetit!