Bart D. Ehrman [BEF, tradução Alexandre Martins]
Mais ou menos na mesma época em que o Protoevangelho de Tiago começava a circular, surgiu outro relato inventado de Jesus, hoje conhecido como o Evangelho do pseudo-Tomé. O que conduz a narrativa é uma pergunta que muitos cristãos fizeram ao longo do tempo: se Jesus era o milagroso Filho de Deus quando adulto, como ele era na infância? O Evangelho do pseudo-Tomé contém histórias sobre Jesus entre os cinco e os 12 anos de idade.
O relato começa com Jesus aos cinco anos brincando ao lado de um regato perto de sua casa em Nazaré. O jovem Jesus recolhe um pouco da água do regato em uma poça e ordena que ela se torne pura. E isso acontece unicamente por sua palavra. Jesus se agacha e faz 12 pássaros de lama. Um judeu que caminha por ali fica aborrecido, pois é sabá e Jesus violou a lei “trabalhando”. O homem vai contar a José o que seu filho fez, e José dispara na direção do riacho para censurar o garoto por violar o sabá. Em resposta, Jesus bate palmas e grita para que os pássaros ganhem vida e voem para longe, e eles o fazem. Jesus é apresentado como estando acima da lei e senhor da vida. Além disso, ele evita problemas com o pai destruindo qualquer prova incriminadora. Pássaros de lama? Que pássaros?
Outra criança que brinca perto de Jesus pega um galho e espalha a água que ele com cuidado juntara. Isso enfurece o jovem Jesus, que diz ao garoto: “Idiota ímpio e irreverente! O que as poças de água fizeram de mal a você? Veja, agora você também secará como uma árvore, e nunca dará folhas, raízes ou frutos.” A criança seca imediatamente.
Na história seguinte, Jesus está caminhando por sua aldeia quando outra criança corre em sua direção e sem querer esbarra em seu ombro. Jesus fica irritado e diz ao garoto: “Você não irá longe em seu caminho.” E a criança cai morta. Os pais do garoto o levam embora dizendo palavras duras a José: “Como você tem um filho assim, não pode viver conosco na aldeia. Ou você o ensina a abençoar, e não amaldiçoar, pois ele está matando nossos filhos.”
Por fim, José acaba decidindo que Jesus precisa receber uma educação, e em três oportunidades o manda para professores que tentam em vão instruí-lo. Em uma oportunidade, o professor tenta ensinar a Jesus o alfabeto grego, e pratica repetição com ele. Mas Jesus não responde, até que diz ao professor: “Se você é de fato um professor e conhece bem as letras, diga-me o poder do alfa (a primeira letra do alfabeto), e lhe direi o poder do beta.” O professor fica com raiva e bate na cabeça de Jesus. Um grande erro. Jesus o amaldiçoa, e ele morre no ato. José leva Jesus de volta para casa e instrui Maria: “Não o deixe cruzar a porta; pois aqueles que o enfurecem morrem.”
Contudo, Jesus enfim começa a usar seu poder não para causar mal, mas para ajudar: levantando crianças dentre os mortos, curando seu irmão Tiago de uma picada de cobra mortal e se mostrando útil com suas habilidades milagrosas na oficina de carpintaria do pai. O relato termina com Jesus aos 12 anos, no Templo em Jerusalém, demonstrando sua inteligência e superioridade espiritual nas discussões com os mestres da lei, uma história conhecida do evangelho de Lucas.
É difícil saber o que pensar dessas histórias do menino prodígio Jesus. Alguns leitores modernos acharam que elas mostram Jesus sob um ângulo bastante negativo. Mas não fica claro que os antigos leitores cristãos teriam visto dessa maneira. As histórias talvez tenham sido criadas como uma boa diversão cristã. Ou como uma tentativa séria de mostrar como o Filho de Deus milagroso era ativo e embebido de poder divino mesmo nos primeiros anos, muito antes de seu ministério público.