Filho de Deus [RSME:52-53]

[…] Um homem liberado [do desapego] está sempre igualmente próximo de Deus e de si mesmo: nomeadamente no cumprimento da vontade divina. Pela sua obediência se torna um com aquele cuja vontade benevolente o inunda. A compreensão da união aqui implementada baseia-se numa identidade operacional: disposto a obedecer, num agora sempre atual, à vontade do Pai, o homem desapegado está tão próximo de Deus quanto o Filho eterno, torna-se Filho e penetra o coração paterno de Deus. — Podemos adivinhar que esta identidade entre a luz e o objeto iluminado, o Pai e o Filho gerado, terá consequências para a compreensão do ser em Mestre Eckhart. A partir de agora vemos: o contexto das fórmulas de união, em Mestre Eckhart, difere consideravelmente de um misticismo de visão onde se “contempla” a soberania divina e “esquecendo-se de todas as coisas, ignora-se completamente e penetra-se até em seu Deus1. Pelo contrário, na realização do desapego, o fruto que o homem produz é o próprio homem: é devolvido a si mesmo, trazido de volta da dispersão e constituído, no ser da sua alma, Filho de Deus.


  1. Richard de Saint-Victor: …mens hominis in illam rapitur divini luminis abyssum, ita ut humanus animus in hoc statu exteriori omnium oblitus penitus nesciat seipsum totusque transeat in Deum suum, De quattuor gradibus violentae charitatis, PL 196, 1220 D; novamente: Contemplantis … animus qui supra se attollitur cum coelestibus totus suspenditur, seipsum nimirum et quae sub ipso sunt obliviscitur et … nil nisi coelum aspicitur, Adnotationes mysticae in Psalmos, Ps. 28, PL 196, 308 D. Mestre Eckhart não ensina precisamente tal misticismo de contemplação.