ESCOTO ERIUGENA — HOMÍLIA SOBRE O PRÓLOGO DO EVANGELHO DE SÃO JOÃO
XXI O VERBO FEITO CARNE (Jo I,13)
“Os quais nasceram, não do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus.”
Nos antigos manuscritos gregos diz-se simplesmente: “Os quais nasceram, não de sangue, mas de Deus”.
“Não de sangue”, diz o Evangelista, não pela procriação corporal são aqueles nascidos os quais por mérito de sua fé ganharam a adoção como filhos de Deus. Eles nasceram de Deus o Pai, através do Espírito Santo, como coerdeiros com o Cristo: em cofiliação como o primogênito único Filho de Deus.
“Nem da vontade da carne, nem da vontade do homem”. Aqui o Evangelista introduz dois sexos dos quais os vários nascidos carnalmente são nascidos na carne. Pois pela palavra “carne” o Evangelista significa a condição feminina, e pela palavra “homem” a condição masculina.
E no caso de seres tentado a dizer que é impossível que mortais possam se tornar imortais, que seres corruptíveis possam se tornar livre de corrupção, que seres humanos simples possam se tronar filhos de Deus, e que criaturas temporais possam possuir a eternidade — quaisquer destas dúvidas ponham as maiores tentações para ti — aceites o argumento que a fé prepara para o que tens dúvida: “E o Verbo se fez carne”.
Se o que é maior já tenha indubitavelmente ocorrido antes, porque deveria parecer increível que o que é menor poderia ser capaz de vir depois? Se o Filho de Deus é feito um ser humano, que nenhum dos que o recebe duvida, porque é surpreendente que um ser humano que crê no Filho de Deus poderia se tornar um filho de Deus? Para este propósito, de fato, o Verbo desceu na carne: de modo que nele a carne — o ser humano — crendo através da carne no Verbo, possa ascender; que, através dele que era o único primogênito Filho por natureza, muitos possam se tornar filhos por adoção.
Não foi por sua conta que o Verbo foi feito carne, mas por nossa conta, pois é somente através da carne do Verbo que podemos ser transmutados em filhos de Deus. Só ele veio em baixo; mas com muitos ele subiu. Ele, que de Deu fez ele mesmo um ser humano, faz deuses de seres humanos.
“E habitou entre nós”: ou seja, possuiu nossa natureza, de modo a fazer-nos participantes em sua natureza.