Eriugena Cheio de Graça e Verdade

ESCOTO ERIUGENA — HOMÍLIA SOBRE O PRÓLOGO DO EVANGELHO DE SÃO JOÃO

XXIII CHEIO DE GRAÇA E VERDADE (Jo I,16)

“Cheio de graça e verdade”. O significado desta frase é duplo. Pois pode ser compreendida da humanidade e divindade do Verbo encarnado — neste caso a plenitude da graça refere-se a sua humanidade e a plenitude da verdade a sua divindade. Pois o Verbo encarnado, nosso Senhor Jesus Cristo, recebeu a plenitude da graça de acordo com sua humanidade, posto que ele é a cabeça da igreja e o primogênito da criação universal — ou seja, da totalidade da humanidade universal, que está nele e através dele curada e restaurada.

Digo “nele” porque ele é o exemplo maior e principal da graça pela qual, sem quaisquer méritos precedentes, um ser humano se torna Deus. Nele isto é manifestado primordialmente.

“Através dele”, digo, porque de sua plenitude temos todos recebido a graça da deificação em troca pela graça da fé, pela qual cremos nele, e a graça da ação, pela qual mantemos seus mandamentos.

A plenitude da graça do Cristo, entretanto, pode também se compreendida com referência ao Espírito Santo. Pois o Espírito Santo, posto que distribui e opera os dons da graça, é frequentemente chamado graça. Este espírito, por sua operação sétupla, preencheu a humanidade do Cristo e restou nele. Como o profeta diz: “E o espírito do Senhor deve nele permanecer, o espírito de sabedoria e compreensão, o espírito de conselho e força, o espírito de conhecimento e do temor do Senhor”.

Se, portanto, quiseres compreender o Cristo ele mesmo pela frase “cheio de graça”, saiba que esta se refere à plenitude de sua deificação e de sua santificação como um ser humano.

De sua deificação, digo que a humanidade e Deus foram unidos na unidade de uma única substância. De sua santificação, que não apenas foi ele concebido pelo Espírito Santo mas que em verdade ele foi preenchido com a plenitude de seus dons e que, como se no pico da chama mística da igreja, as lamparinas da graça brilham em e dele.

Se, entretanto, quiseres a plenitude da graça e verdade do Verbo encarnado como refere-se o Novo Testamento, como o Evangelista ele mesmo parece ter pensado mais tarde quando afirma, “Pois a lei foi dada por Moisés, mas a verdade e a graça veio pelo Cristo”, então seria inapropriado dizer que a plenitude da graça do Novo Testamento foi dada através do Cristo e que a verdade dos símbolos da lei foram preenchidos nele. Pois o Apóstolo diz, “Nele habitava a plenitude do Divino corporalmente”.

Aqui o Apóstolo chama a plenitude do Divino a revelação oculta nas sombras. O Cristo, vindo e habitando na carne, revela este Divino corporalmente, ensinando e manifestando que ele nele mesmo é a revelação. Pois ele, ele mesmo, é a fonte e a plenitude da graça, a verdade dos símbolos da lei, o fim da visão profética. Para ele seja a glória, com o Pai e o Espírito Santo, agora e para sempre. Amém