Roberto Pla: Evangelho de Tomé [RPET]
A linha oculta da hermenêutica cristã se refere essencialmente a Cristo, não somente porque foi explicado como o Cristo preexistente, oculto, que subjaz no Cristo manifesto, senão porquanto Cristo, o Filho único, é a realidade, o tesouro oculto, um com o Pai, que todo amador e buscador de Deus o toca manifestar como vida de salvação.
Quando Mateus recompila os ensinamentos de Jesus com respeito às obras de misericórdia que fazem justo a um homem, a esmola, a oração e o jejum, não deixa de assinalar em cada um dos casos que o Pai, que mora no oculto, o vê, pois — diz — está ali no secreto. Com o advérbio ali pode querer significar Mateus algo mais além da consciência cotidiana, na essência ou Ser verdadeiro do homem, um ali não reconhecido ainda pela consciência, e portanto, oculto, desconhecido.
Na epístola aos colossenses se diz que no mistério de Deus — o qual é Cristo vivo, eterno, porque Cristo é o Primeiro Mistério — se acham ocultos todos os tesouros do conhecimento perfeito. Esta é uma afirmação também confirmada com a expectativa de Enoque, quando diz que: Ele (Filho do homem) revelará todos os tesouros do oculto. Em verdade, os tesouros, a pérola, ou a pedra angular por todos desprezada, não é outra coisa senão esse Cristo eterno que constitui nosso ser real, tão ignorado por cada um de nós e que é necessário fazer manifesto como resultado do que se explica na vertente oculta.
Marcos recorda no que parece um grito criador de esperança para todos os homens que buscam a Deus, que não há nada oculto se não é para que seja manifestado. No quarto evangelho é possível estudar aquela incisiva pergunta posta na boca de Judas, o irmão de Tiago, o qual invadido de humildade não acertava em reconhecer os méritos que pudessem ter os discípulos para que se manifestasse neles o Cristo oculto (Jo 14,22).
Em todos estes textos, nascidos de escolas diferentes, resulta clara a superposição de Cristo manifesto sobre o oculto, não manifesto ao mundo senão somente aos que amam e buscam ao Cristo eterno, explicada na dupla via da hermenêutica paleocristã. O desígnio que emerge de tudo isso é que o Cristo oculto seja ao final manifestado, pois esta é em suma a obra comum que Jesus ensinou em seus dias e que a cada homem corresponde efetuar em si mesmo.
Na primeira epístola de João se explica isto muito bem (1Jo 3,2):
Agora somos filhos de Deus e ainda não manifestou o que seremos. Sabemos que quando se manifeste, seremos semelhante a ele, porque o veremos tal qual é.