Joaquim Carreira das Neves — ESCRITOS DE SÃO JOÃO
Jesus revela-se aos samaritanos
O sinal-narrativa termina com o bloco literário dos vv. 39-42, que explicita o v. 30: os samaritanos acreditaram na mulher, convidaram Jesus para permanecer dois dias com eles a fim de os catequizar, e acabaram por crer que Jesus é “o Salvador do mundo.” A nível literário é o narrador-autor que tudo expõe (vv. 39-41), excepto o final sobre a profissão de fé dos samaritanos (v. 42).
O narrador expõe com clareza o “crescendo” catequético dos samaritanos: 1) “Muitos samaritanos creram em Jesus devido à palavra (dia ton logon: discurso) da mulher…” (v. 39); 2) “Então muitos mais creram nele devido à palavra dele (dia ton logon autou…” (v. 41). Antes da última catequese — a de Jesus -, a mais importante, há a da samaritana, que tem como conteúdo a “vida dos samaritanos” (“Ele disse-me tudo o que eu fiz”), isto é, a história real, política e religiosa entre judeus e samaritanos. Finalmente, chegou alguém da parte de Deus que tudo explica. Este conteúdo é importante se tivermos na devida conta as velhas saudades históricas da união das dez tribos do Norte com as duas do Sul (cf. 11, 52: “E não só pela nação, mas também para congregar na unidade os filhos de Deus que estavam dispersos”).
Alguns autores distinguem entre a catequese da samaritana e a de Jesus. Embora o termo logos (“palavra”/”discurso”/”pregação”) apareça tanto no discurso da samaritana como no de Jesus nos vv. 39 e 41, o mesmo já não acontece no v. 42: “Já não é “pelas tuas palavras” (lalia) que acreditamos; nós próprios “ouvimos e sabemos” que ele é verdadeiramente o Salvador do mundo.” Neste caso, a samaritana apenas preparou o caminho para a catequese final de Jesus1. E a catequese de Jesus leva os samaritanos a acreditarem que ele é o Salvador do mundo. Semelhante confissão de fé só se encontra aqui e na 1Jo 4,14:”Nós o contemplamos e damos testemunho de que o Pai enviou o seu Filho como Salvador do mundo”. O título sôtèr é tipicamente helênico, e, como tal, pouco utilizado no NT (cf. Lc 1, 47; 2, ll; Ac 5, 31; 13, 23; Fl 3, 20; 1Ti 1,1; 4,10; 2Ti 1,10; 2,13; 3,6; 2Pd 1,1. 11; 2,20; 3,18; Jd 25). Acreditar que Jesus é o “Salvador do mundo” é afirmar a universalidade da salvação messiânica, que ultrapassa todas as querelas religiosas de Samaria e Jerusalém, de judeus e pagãos (cf. 3,17).
NOTAS
Cf. Walker, R, «Jüngerwort und Herrenwort: Zur Auslegung von Joh 4, 39-42», ZNW 57 (1966) 49-54. ↩