Boehme Hartmann II

JACOB BOEHME — Citações de sua obra, organizadas por Franz Hartmann

Retiradas da tradução oferecida pela SCA

II – UNIDADE
Ouça, Ó homem cego! Vives em Deus e Deus está em ti. Se vives santamente, então serais tu mesmo Deus, eonde quer que olhes, haverá Deus. (Aurora, XXII,46).

Somos todos um só corpo em Cristo e todos temos o Espírito de Cristo ao nosso alcance. Se, portanto, penetrarmos o Cristo, poderemos ver e conhecer todas as coisas pelo poder de Seu Espírito. (Quarenta Questões…, XXVI. 5).

Não posso descrever a totalidade da divindade como se fosse um círculo, porque Deus é imensurável; no entanto, a Divindade não é inconcebível ao espírito que repousa no amor de Deus. Tal espírito pode atingir a verdade eterna, de parte em parte e desta forma, acabará compreendendo a totalidade. (Aurora, X. 26).

Se tenho que tornar compreensível a geração eterna, a revelação ou a evolução de Deus, fora de Seu próprio ser sou obrigado a usar uma maneira diabólica (sabidamente errônea), como se a Luz eterna tivesse se se inflama nas trevas, e como se a Divindade tivesse um princípio. Não posso instrui-los de outra forma, se pretendo que vocês adquiram uma concepção aproximada da Divindade. Não há nada primeiro e nada depois na geração e evolução, mas ao descrevê-la tenho que colocar uma coisa depois da outra. (Aurora, XXIII. 17-33).

Não pretendo dizer que a Divindade teve um princípio; só desejo mostrar como a Divindade revelou-se através da natureza. Deus não tem princípio no tempo; Ele tem um princípio eterno e um fim eterno. (Assinatura…, III. 1).

A Divindade é um laço eterno, que não pode perecer. Ela gera a si mesma de eternidade em eternidade, e o primeiro ali é sempre o último, e o último o primeiro. (Três Princípios…, VII. 14).

Não podemos falar a língua dos anjos, mesmo se pudéssemos tudo pareceria como se estivéssemos falando sobre seres criados, para os habitantes deste mundo, e diante da mente terrestre se apresentaria como algo terrestre. Somos apenas parte do todo; só podemos conceber e falar de partes, mas não do todo. (A Vida Tríplice…, II 66).

Advirto ao leitor, que toda vez que falar da Divindade e de seu grande mistério, não compreenda o que digo como se pretendesse que fosse compreendido num sentido terrestre, mas tome isso de um ponto de vista elevado, num aspecto supra natural. Frequentemente sou forçado a dar nomes terrestres ao que é celeste, para que o leitor possa formar um conceito, e ao meditar sobre ele possa penetrar no fundamento interno. (Grace, III 19).

Dentro do não fundamento (que alguns escritores denominam de ‘Não-Ser’ — um termo sem nenhum significado) não há nada senão tranquilidade eterna, um eterno repouso sem começo e sem fim. É verdade que mesmo ali Deus tenha uma vontade, mas essa vontade não pode ser objeto de nossa investigação, já que qualquer tentativa de investigá-la produziria pura confusão em nossa mente. Concebemos essa vontade como constituindo o fundamento da Divindade. Ela não tem origem, mas concebe a si mesma em si mesma. (Encarnação de Cristo…, XXI. 1).

A Inteligência Divina é uma vontade livre. Ela nunca se origina do poder ou através do poder de qualquer coisa. Ela é ela mesma, e reside unicamente dentro de si, sem ser afetada por qualquer coisa, porque não há nada fora ou anterior á ela. (Mysterium, XXIX. 1).

A Liberdade Eterna possui a vontade, e é a vontade. Na vontade há um desejo de realizar ou um impulso de desejar alguma coisa. Não há nada além dessa vontade, para o que tal impulso pudesse ser dirigido. A vontade portanto vê em si mesma como na eternidade; ela vê o que é, e assim cria em si um espelho. (Quarenta Questões…, I.13).

Deus é a vontade da sabedoria eterna, a sabedoria eternamente gerada Dele, em Sua revelação. Essa revelação ocorre através de um espírito ternário. Primeiro através da Vontade eterna, em seu aspecto de Pai; depois, através da Vontade eterna em seu aspecto de amor divino, o centro ou o coração do Pai; e finalmente através do Espírito, o poder que emana da vontade e do amor. (Mysterium I. 2,4).

O Pai é a vontade do não fundamento (Absoluto). Essa vontade concebe em si mesma o desejo de manifestar-se. Esse amor ou desejo é o poder concebido pela vontade ou Pai, dentro de si — ou seja, o Filho, coração ou morada (a primeira fundação dentro da não fundação ou não fundamento), o primeiro princípio dentro da vontade. A vontade é falada através da concepção de si mesma, e essa emissão da vontade em fala ou respiração é o Espírito da Divindade. (Mysterium, I.2).

A primeira vontade inconcebível, sem qualquer origem, gera em si mesma o único e eterno Deus — uma vontade conceptível, sendo o filho da vontade sem causa, mas igualmente eterna com a primeira. Esta outra vontade é a sensibilidade e conceptibilidade da vontade primordial, pela qual aquilo que não é nada se encontra como sendo algo. Ao fazer isso, a vontade inconcebível sem causa, emerge o que encontrou eternamente, penetrando um estado de meditação eterna sobre seu próprio ser. A primeira vontade sem causa é chamada de Pai eterno; a vontade concebida e gerada do não fundamento é seu Filho congênito; a emissão da vontade insondável através do Filho concebido é o Espírito. Assim, a vontade única do Absoluto, através da concepção primeira, eterna e sem princípio, manifesta uma atividade ternária, mas permanece sendo uma vontade indiferenciada. (Grace, I 5-12).

A primeira atividade em Deus é a contemplação divina ou sabedoria, pela qual o Espírito de Deus, com seus poderes exalados, atua como um poder único e uniforme. Não tem começo nem fim, mas é infinito, e seu poder formativo não tem limites. (Grace, I. 14).

A sabedoria coloca-se diante de Deus como um espelho ou reflexo, onde a Divindade vê seu próprio ser e todas as grandes maravilhas da eternidade, que não tem começo, nem fim, no tempo, cujo princípio e o fim são eternos. A sabedoria é uma revelação da Santíssima Trindade; isso não deve ser compreendido como se ela revelasse a si mesma à Deus, através de seu próprio poder ou escolha, mas o centro divino, o coração e essência de Deus, torna-se revelado nela. Ela é como um espelho da Divindade, e como qualquer outro espelho, simplesmente permanece quieta; ela não produz imagem alguma, mas simplesmente a concebe. (Encarnação de Cristo…, I, 1, 12).

A sabedoria é a panavra revelada do poder divino, conhecimento e santidade, uma antítese da insondável unidade na essencialidade, onde o Espírito Santo forma uma imagem. Ela é passiva, mas o Espírito de Deus é ativo, como a alma no corpo. (Clavis, V. 18).

O Espírito ternário é uma unidade, um único ser; ou falando mais corretamente, não um ser, mas Razão eterna; consequentemente um mistério comparável à inteligência do homem, que também é incompreensível. (Mysterium, I. 5).

Deus em seu aspecto primitivo não deve ser concebido como um ser, mas como um poder ou inteligência constituindo a potencialidade para ser — uma vontade insondável e eterna, onde tudo está contido e que embora sendo tudo é um, mas desejoso de revelar-se e de entrar num estado de ser espiritual. Isso ocorre através do fogo no desejo do amor, ou seja, no poder da luz. (Mysterium, VI 1).

Não temos porque falar que Deus é três pessoas, nesse ponto, mas Ele é ternário em sua evolução eterna. Ele dá nascimento a Si mesmo na trindade; nesse desdobramento eterno continua sendo um ser, nem o Pai, nem o Filho, nem o Espírito Santo, mas unicamente a vida eterna ou Deus. A vontade ternária torna-se compreensível em Sua eterna revelação, só quando Ele revela a Si mesmo por meio da natureza eterna — ou seja, na luz através do fogo. (Mysterium, VII 9 — 12).

Sobre a eternidade não podemos falar de outra forma senão como de um espírito, pois tudo era espírito no princípio; mas esse espírito também tem se envolvido num ser, desde toda a eternidade. (Encarnação de Cristo… I 2).

Aquilo que é tranquilo e sem ser, repousa em si mesmo, não contém as trevas, mas é uma felicidade lúcida, clara e calma. Isso é, pois a eternidade, sem nada mais, e significa acima de tudo Deus. Mas como Deus não pode existir sem um ser, Ele concebe em Si mesmo uma vontade, e essa vontade é amor. (A Vida Tríplice…, II 75).

A totalidade do Ser divino está num estado de contínua e eterna geração, comparável à mente de um homem, mas imutável. Os pensamentos nascem continuamente da mente de um homem, e deles surgem o desejo e a vontade. Do desejo e da vontade surge a ação, e as mãos realizam suas obras, de modo a se tornar substancial. Desta forma, a ação está com a evolução eterna. (Três Princípios…, IX 35).

No princípio, a vontade é fraca como um nada; depois, ela deseja e aspira a ser algo e a manifestar-se. Esse nada faz com que a vontade entre num estado de desejo; esse desejo é uma imaginação. A vontade observando-se no espelho da sabedoria faz com que sua própria imagem apareça no não fundamento, criando o fundamento em sua própria imaginação. (Encarnação de Cristo…, II 1).

A Sabedoria, a virgem eterna, a companheira de Deus para Sua honra e alegria, torna-se cheia de desejo de observar as maravilhas de Deus, contidas em si mesma. Devido a esse desejo, as essências divinas dentro dela tornam-se ativas e atraem o santo poder; é assim que a sabedoria entra num estado de ser permanente; sua inclinação repousa no Espírito Santo. Ela simplesmente movimenta-se diante de Deus com a finalidade de revelar as maravilhas de Deus. (Três Princípios…, XIV. 87).

A corporalidade de Deus resulta de Sua essencialidade. Essa essencialidade não é espírito, mas é como se fosse uma impotência, se comparada com o poder onde o Três reside. Essa essencialidade é o elemento de Deus, onde está a vida, mas não a inteligência. (A Vida Tríplice…, V . 53).

O Um não tem nada em si que poderia desejar; tal unidade tampouco poderia sentir o seu próprio ser. Isso só é possível num estado de dualidade. (Theosophical Questions, III. 3).

Se tudo fosse apenas um, esse um não poderia manifestar-se. Se não houvesse angústia, a alegria não poderia ser conhecida. (Mysterium, IV. 22).

Deus introduz Sua vontade na natureza, a fim de revelar Seu poder na luz e na majestade, para constituir um reino de alegria. Se não houvesse uma natureza originando-se na unidade eterna, não haveria nada mais do que a tranquilidade eterna. A natureza entra num estado de dor, a tranquilidade transforma-se em movimento, e os poderes tornam-se audíveis como as palavras. (Grace, II . 16).

Se existe luz é porque existe fogo. O fogo produz a luz, e a luz é o fogo manifesto; ela recebe a natureza do fogo em si e reside no fogo. (Mysterium, XL . 2)

A alegria entra no estado de desejo com a finalidade de produzir um amor ígneo, um reino de alegria, que não poderia existir na tranquilidade. (Assinatura…, VI. 2)

A majestade de Deus não se revelaria com todo poder, alegria e magnificência, se não fosse pela atração causada pelo desejo. Do mesmo modo, não haveria luz, se o desejo não fosse penetrante e obscurecedor, criando um estrado de trevas, que cresce até que ocorra a ignição do fogo. (Grace, II. 14)

A Luz e as trevas são opostas, mas há entre elas um vínculo, de modo que nenhuma poderia existir sem a outra. (A Vida Tríplice…, II. 86)

Em Deus há dois estados, eternos e sem fim, a luz eterna e as trevas eternas. A luz é Deus, e nas trevas não haveria dor se não fosse pela presença da luz. A luz faz com que as trevas anseiem pela luz e com isso sofra a angústia. (Três Princípios…, IX.30)

A vontade emergindo do estado de unidade (ao assumir uma posição contra a unidade, desejando seu próprio ser) entra num estado de desejo; esse desejo é magnético, ou seja, interiorizador, mas a unidade como tal é exteriorizadora; ela deseja exprimir-se, a fim de tornar-se revelada. Tendo a vontade sido expressada do estado de unidade, deseja penetrar a si mesma, de modo a alcançar sensações na unidade, e para que com isso, a unidade possa alcançar a sensação na vontade. (Theosophical Questions, III. 9)

A vida-luz tem seu impulso e movimento próprio, assim como o fogo-vida; mas esse gera a primeira, que é o senhor da segunda. Se não houvesse fogo, não haveria nem luz, nem espírito; e se não houvesse espírito para soprar sobre o fogo, esse seria extinto e as trevas governariam. Nenhum dos dois seria nada sem o outro; ambos são dependentes um do outro. (Quarenta Questões…, I. 62).

A vontade é como uma vida insensível, mas encontra o desejo, e querendo o desejo se constitui num ser. A vontade é superior ao desejo, pois embora o desejo seja uma causa excitante para a vontade, a vontade é uma vida sem uma causa e é também inteligência. É, portanto, senhor do desejo. Ela rege a vida do desejo e o usa como convém. Essa vontade-espírito eterna, sabemos ser Deus, mas a vida ativa do desejo é a natureza eterna. (Inner Mysterium Magnum…, I I, III 2).

Deus é desde a eternidade Poder e Luz, e é chamado Deus por causa disso, mas não de acordo com o espírito-ígneo. Quanto a esse, não falamos dele como Deus, mas como ‘a cólera de Deus’ e a parte de Seu poder que consome. A luz de Deus também possui a qualidade do fogo, mas em nela a cólera é transformada em amor; ódio e amargor doem numa humilde beneficência e doce desejo ou satisfação. (Encarnação de Cristo…, I 5-16).

A fonte do amor é uma detentora e mantenedora da corrente colérica, um superar do poder áspero, pois a brandura afasta o comando do poder duro e pungente do fogo. A luz da paz mantém as trevas aprisionadas e reside nas trevas. O poder rigoroso deseja unicamente o colérico e o aprisionamento na morte; mas a brandura emerge como um doce crescimento, ela desabrocha e supera a morte, dando a vida eterna. (A Vida Tríplice…, II 92).

Quando o amor revela-se na luz através do fogo, corre pela natureza e a penetra, como o brilho do sol penetra uma erva ou o fogo penetra o ferro. (Clavis, VIII 36).

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