Ambrósio de Milão Mordomo Infiel

Ambrósio de Milão — Tratado sobre o Evangelho de São Lucas

Obras de San Ambrosio, I, Tratado sobre el Evangelio de San Lucas, Biblioteca de Autores Cristianos (BAC), Madrid, 1966, 655 p., edición bilingüe preparada por el padre Manuel Garrido Bonaño, O.S.B.

Contribuição e tradução de Antonio Carneiro do Livro Sétimo 241- 248, páginas 472, 473 e 474

244. Ninguém pode servir a dois senhores; é que, na realidade, não existem dois senhores, mas sim um só Senhor. Porque ainda que tenha quem sirva às riquezas, contudo, não se lhes reconhece nenhum direito de domínio, mas sim que eles se impõem a si-mesmo o jugo da escravidão; e isso não é um poder justo, mas sim uma injusta escravidão.

245. E assim disse: Fazei-os credores de amigos com as riquezas injustas, e isso com essa finalidade: para que, dando esmola aos pobres, estes nos procurem o favor dos anjos e de outros santos. Não é que se repreenda ao mordomo, pois com seu exemplo aprendemos que nós não somos donos, mas sim mordomos das riquezas dos outros. E por isso, ainda que pecou, contudo, se elogia porque tratou de buscar-se para o futuro o necessário para a indulgência de seu senhor. E com toda razão falou-se das riquezas injustas, posto que a avareza tenta nosso coração com diversos atrativos de dinheiro, com o fim de que desejemos servir às riquezas.

246. Este é o motivo pelo que se disse: se no alheio não sois fiéis a quem os dará o que é vosso? As riquezas não são nossas, posto que elas estão fora de nossa natureza e, certamente, nem nasceram conosco, nem conosco perecerão, e, por outro lado, Cristo sim é nosso, porque Ele é a vida; ainda que veio para os seus, e os seus não o receberam1). Por isso ninguém os dará o que é vosso, porque não haveis acreditado nesse bem vosso nem o haveis recebido.

247. E, consequentemente, parece que os judeus são acusados de engano e de avareza, e, portanto, não havendo sido fiéis no tocante às riquezas, que na realidade não eram suas — pois os bens da terra são outorgados por Deus nosso Senhor a todos para o bem comum — e das que deveriam, certamente, fazer partícipes aos pobres, não mereceram receber a esse Cristo a quem aceitou Zaqueu com um desejo tão veemente, que lhe levou a repartir metade de seus bens. (Lc 19,8).

248. Portanto, não queiramos ser escravos do que não é nosso, porque não devemos ter mais senhores que Cristo; pois, não existe mais que um Deus Pai, de quem tudo procede e em quem nós existimos, e um só Senhor Jesus, por quem são todas as coisas (1 Cor 8, 6). Mas, acaso não é o Senhor o Pai e Deus o Filho? Não há dúvida de que o Pai é o Senhor, já que pela palavra do Senhor foram feitos os céus (Sal 32, 6), e o Filho é também Deus, que está por cima de todas as coisas, Deus bendito pelos séculos (Rom 9, 5). Como se entende pois, isso de que ninguém pode servir a dois senhores ? É que, posto que só existe um Deus, tem que haver também um único Senhor; e, por isso: Adorarás ao Senhor teu Deus e a Ele só servirás (Mt 4, 10). Donde claramente se deduz que o Pai e o Filho tem o mesmo poder. Se, pois, não se pode dividir, quer dizer, que está tudo no Pai e igualmente tudo no Filho. Assim, ao afirmar que na divindade se dá a unidade e uma identidade de poder na Trindade, confessamos que existe um só Deus e um só Senhor. E, por outro lado, os que sustentam que o Pai, o Filho e o2 possuem um poder diferente, deixando-se levar pelo nefasto erro dos gentios, introduzem na Igreja muitos deuses e muitos senhores.


  1. (Jo 1,11 

  2. Espírito Santo