Ação do Espírito do Pai (Mt X, 21-22; Mc XIII, 12-13)

Apostolado — Discurso final de Mateus aos Doze — A ação do Espírito do Pai (Mt X, 21-22; Mc XIII, 12-13)

EVANGELHO DE JESUS

21 O irmão entregará um irmão à morte, o pai entregará um filho. Filhos contra pais, levantar-se-ão
e os mandarão à morte.
22 Vós sereis odiados por todos por causa do meu nome; mas quem perseverar até o fim será salvo. [Chouraqui; Mt 10,21-22]

Um irmão entregará à morte a seu irmão, e um pai a seu filho; e filhos se levantarão contra os pais e os matarão. E sereis odiados de todos por causa do meu nome; mas aquele que perseverar até o fim, esse será salvo. (Mc 13:12-13)


Evangelho de ToméLogion 73

A dupla aparição desta perícope em seus lugares de Mateus e Marcos, é uma séria dificuldade para a aceitação das diversas hipótese sustentadas pela exegese “manifesta”. Mas veja-se que desde a vertente “oculta”, os Doze não são aqueles doze discípulos nomeados, nem tampouco seus sucessores eclesiais constituídos em missionários, senão que se refere a todos os que alcançam interiormente o fruto completo do conhecimento do espírito. Como isso mesmo é o que explica Marcos — os resultados do conhecimento como via de salvação — é lógico que suas perícopes coincidam. Mas o capítulo 13 de Marcos, tem palavras que coincidem com os discursos de Mateus e Lucas, mas com um sentido bem diferente pois, como estudaremos, se refere à VINDA DO FILHO DO HOMEM.

a) É o Espírito — o transmissor do conhecimento que vem do Pai — o que entrega à morte aos “parentes” que aqui se mencionam. Como já se estudou a composição da casa antropológica que Cristo quer dividir com seu fogo do espírito, é fácil de entender agora que se se fala de “morte” é em um sentido figurado. A espada que primeiro “enfrenta” e logo “separa” aos parentes entre si é Cristo, enquanto este é a semente semeada no interior de todo homem. Cuidar desta semente para que cresça e frutifique, ou ignorá-la durante toda a vida, é o dilema que separa por inteiro aos “parentes”, pois é “Vida” para os que regam a planta e “morte” para todos os demais.

A isto se refere muitas vezes o evangelho e somente há que entendê-lo fielmente: “Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a Palavra de Deus e a cumprem”. Ainda mais claro o diz Marcos: “Em verdade vos digo que ninguém há, que tenha deixado casa, ou irmãos, ou irmãs, ou mãe, ou pai, ou filhos, ou campos, por amor de mim e do evangelho, que não receba cem vezes tanto, já neste tempo, em casas, e irmãos, e irmãs, e mães, e filhos, e campos, com perseguições; e no mundo vindouro a vida eterna” (Mc 10:29-30).

  • Este é o “fruto centuplicado” que explica Lucas (Lc 8,8) de toda semente que caiu em terra boa, isto é: Doze = Cento (ou cento e vinte), que é a medida do conhecimento perfeito.
  • Quem “persegue” é o Espírito de Deus que com sua fonte de conhecimento procura levar ao homem “da morte à vida”.

Com isto fica bem esclarecido o que quer significar o evangelho quando diz que, (O Espírito) “entregará à morte irmão a irmão”, etc…, pois, com efeito, é para a morte tudo o que persiste em ser palha estéril, seja por ser palha, ou por ser ignorância e não dar fruto.

Quanto a isso de que um irmão morra e outro viva, também pode se dizer em outro sentido, o do Oráculo com o qual YHWH-Deus falou a Rebeca: “Dois povos há em teu ventre, duas nações que ao sair de tuas entranhas se dividirão. Uma oprimirá a outra; o maior oprimirá o menor” (Gn 25,23). Os dois povos ou nações (v. Nações), foram “figurados” na Escritura como dois irmãos “dídimos”, dos quais o menor frutificou em um “nascido de acima” (Nascer do Alto): Israel. Assim foi como destes dois, “o último se converteu em primeiro”, e o outro, o maior, passo a ser último, sem progenitura.

b) É certo que quando o texto diz “todos”, não se refere unicamente aos judeus, tal como opinaram alguns exegetas dos primeiros séculos cristãos, senão a todos os que veem do mundo só a superfície e que em consequência, se negam a admitir as existência de outros estratos interiores do mundo, estratos que eles não veem. Destes “todos” pode se dizer, “em figura”, que odeiam àqueles que, embora sejam do mundo, foram sacados do mundo, mas sem deixar de estar nele.

Estes, os odiados do mundo, são os que creram no Filho do Homem, e este é seu nome. Mas tudo isto foi dito no quarto evangelho, tal como o explicaram os salmos: “Me odiaram sem motivo” (Sl 35,19).

c) Ao elogiar a perseverança até o fim, não se refere o evangelista à ruína do templo, nem ao fim do mundo, tal como o pensou a exegese “manifesta”, senão que menciona a longa peripécia humana que culmina com a salvação da alma.

A exegese cristã descobriu sempre nos textos evangélicos a notificação de um Caminho “em Cristo”, que começa a ser reconhecido como Caminho, quando a “presença” do Filho, oculto, interior, que não esteve ausente nunca, é conhecida. Por ser Cristo permanente no homem, pode se dizer que ninguém “entrou” no Caminho, senão que sempre esteve nele. O que de verdade esteve ausente até a parousia, foi o conhecimento de sua presença.

Logo, ao conhecer a presença do Filho, o Caminho leva ao conhecimento do Pai, o qual é o final do Caminho; a salvação. O que o conhecimento do Filho nos revela, é a unidade eterna do Filho com o Pai, posto que o Filho vem do Pai e vai ao Pai, porque veio dali. O Filho confirma que ele é uno com o Pai, e este é seu grande testemunho: “Eu o Pai somos um” (Jo 10,41).