Extrato traduzido por Nair Lacerda
Cada um dos grandes caminhos espirituais, ação, devoção, conhecimento, é, pois, dividido em três etapas que correspondem, ao menos de uma certa forma, ao caminho de purgação, ao caminho iluminativo, e ao caminho unitivo.
O caminho de ação divide-se em caminho do “trabalho”, caminho das “obras” e caminho de “ascese” ou de “sacrifício”. O trabalho1, em si mesmo, não é santo nem santificador, mas pode ser santificado. Por si mesmo não constitui um caminho espiritual, mas pode ser integrado aos dois outros caminhos, ou aos dois graus superiores do caminho da ação, contanto que seja necessário, oferecido a Deus, e bem feito.
Se ele atende a essas três condições, torna-se, então, o caminho das “obras”, que consiste em oferecer a Deus cada ação como um sacrifício (é o ensinamento do Bhagavad Gita, cap. III), ou mesmo o caminho da “ascese” que conhece os mais sublimes devotamentos2. Só do “trabalho” é possível falar propriamente como ação, porque os dois outros graus ultrapassam esse caminho e impõem-se, em diversas modalidades, ao homem que segue um caminho de amor ou um caminho de conhecimento.
O caminho de amor divide-se em caminho de “confiança”, caminho de “amor heróico” e caminho de “amor supremo”. Nesse caminho, a “confiança” ainda não é amor, e o “amor supremo” ultrapassa a própria perspectiva do amor, pois coincide com o supremo conhecimento (gnosis — episteme)3 . Façamos claro que o caminho da devoção, ou caminho do amor, é assunto da vontade e não apenas de sentimento ou de afeição: é todo o ser que se volta para Deus, num impulso total. A vontade é, pois, a raiz da devoção, mas os elementos afetivos devem ser integrados a esse caminho, e podem, em certos casos, tornar-se predominantes.
O homem que segue um caminho de devoção inclina-se a desconfiar da inteligência, cuja “secura” e “presunção” ele teme, como desconfia das obras que o afastam do “único necessário” (Luc. X, 42). O devoto tem certeza de agradar a Deus e de se conformar com a sua vontade bem mais pela sua própria vontade, da qual ele pode modificar o impulso, do que pela sua inteligência, que ele sabe inadequada para o objeto divino. São Tomás de Aquino, que ensina a superioridade da inteligência sobre a vontade, admite o ponto de vista inverso quando se trata de amar a Deus: “Relativamente a coisas divinas que são superiores à alma, o querer é mais perfeito do que apreender pela inteligência; assim, querer a Deus e amá-lo é mais perfeito do que conhecê-lo. A bondade divina existe, com efeito, mais perfeitamente no próprio Deus quando é desejada pela vontade, do que participada em nós, quando é concebida pela inteligência” (São Tomás de Aquino. De Veritate, q. 22, a. 11. (V. Gardeil. Psychologie. p. 142-44 e 238.)
A via do conhecimento divide-se em caminho de “estudo” ou de “ciência”, em caminho de “contemplação meditativa” e em caminho de “contemplação unitiva”. Só esse último grau constitui o conhecimento propriamente dito, os dois outros graus não sendo senão etapas preparatórias.
O caminho das obras, devido à sua relativa exterioridade, e ao seu distanciamento da contemplação, não permite que o homem ultrapasse o estado do criado; o caminho do amor, dado seu caráter subjetivo, não alcança de Deus senão um tal Nome, ou um tal Aspecto; só o conhecimento objetivo e impessoal, em sua imutável contemplação, leva o homem a participar da Divindade. Por isso é que o caminho das obras, que não tem nele mesmo sua razão suficiente, deve expandir-se no caminho do amor e no caminho do conhecimento. O próprio caminho do amor se ultrapassa no amor supremo, onde ele se junta ao supremo conhecimento4.
Sobre esse ponto, muito importante em nossa atual “civilização do trabalho”, v. René Guénon, sobre a “Glorificação do Trabalho”, em Études Traditionelles, junho, 1948; e Frithjof Schuon, “O Sentido Espiritual do Trabalho”, em Études Traditionelles, setembro, 1948. O artigo de René Guénon foi reeditado em Initiation et Réalisation spirituelle, cap. X. ↩
O coroamento desse caminho é o martírio, ou o devotamento total a uma obra de caridade por amor de Deus: São Vicente de Paulo ou São João Bosco. ↩
É o ensinamento do Bhagavad-Gita, VII, 17: “Entre esses (que me adoram), o jnani sempre em união (com Deus), cuja bhakti está concentrada (sobre Ele), é o melhor: ele tem por Mim perfeito amor, e é o meu bem-amado”. O caminho “bhaktico”, seguido por Santa Teresa do Menino Jesus, comporta os três graus do caminho do amor. ↩
Sobre esses pontos importantes, v. Frithjof Schuon, L’oeil du coeur, capítulo: “Das formas de realização espiritual”. Devemos recordar que cada caminho espiritual dispõe de um simbolismo que lhe é próprio e poderia ser considerado como o “método” que liga esse caminho à doutrina. Assim, justifica-se a existência de “ordens” correspondentes a cada caminho: a ordem sacerdotal e monástica, a ordem da cavalaria e a ordem dos ofícios. Sobre esse ponto, v. Jean Tourniac, Symbolisme maçonnique et Tradition chrétienne e Propos sur René Guénon. ↩