Excerto de AGOSTINHO. De Trinitate. Livros IX – XIII. Tr. Arnaldo do Espírito Santo / Domingos Lucas Dias João Beato / Maria Cristina Pimentel. Covilhã, 2008, p. 68-71
[A mente já se conhece a si própria quando se procura.]
X. 3. 5. O que é que a mente [mens] ama quando com ardor se procura a si própria para se conhecer enquanto de si é desconhecida? Não há dúvida de que se procura a si mesma para se conhecer, e arde nesse desejo. Consequentemente, ama. Mas o que é que ama? Se a si mesma, de que modo, uma vez que ainda se não conhece, e ninguém pode amar o que não sabe? Ou será que lhe falaram da sua beleza, da mesma maneira que costumamos ouvir falar das coisas ausentes? Talvez então se não ame a si, mas ame aquilo que de si imagina, coisa provavelmente muito diferente daquilo que ela própria é. Ou, se a mente se imagina igual àquilo que é e, por isso, quando ama essa representação, se ama a si antes de se conhecer porque vê uma coisa igual a si, conhece, por consequência, outras mentes a partir das quais se imagina e, mediante esse modelo, é conhecida por si mesma. Por que motivo é, pois, que, conhecendo ela outras mentes, se não conhece a si, quando nada pode ser-lhe mais presente do que ela mesma? Se, para os olhos do corpo, são mais conhecidos os outros olhos do que eles próprios a si mesmos se conhecem, que a mente não se busque a si mesma, porque jamais se encontrará
[A mente conhece-se integralmente.]
X. 4. 6. Que diremos então? Que em parte se conhece e em parte se não conhece
Além disso, que parte de si lhe é tão conhecida como o facto de viver? Ora, não é possível ser mente e não viver, quando tem mais a capacidade de compreender, pois também as almas dos animais vivem, mas não entendem. Por conseguinte, do mesmo modo que a mente toda ela é mente, também toda ela vive. E sabe que vive, logo, conhece-se na totalidade. Por fim, quando a mente procura conhecer-se, já sabe que é mente; se assim não fosse, ignoraria se se procura, e procuraria talvez uma coisa em vez de outra. Pode acontecer que ela não seja mente e, assim, enquanto procura conhecer a mente, não se procure a si mesma. Por isso, visto que, quando a mente procura o que é a mente, sabe que se procura, sabe certamente que ela própria é mente. Ora, se conhece em si aquilo que é a mente, e toda ela é mente, toda ela se conhece. Mas admitamos que, quando se procura, não sabe que é mente, sabendo apenas isto: que se procura. Se não sabe isso, pode, de facto, também assim procurar uma coisa por outra; para não procurar uma coisa por outra, está fora de dúvida que conhece aquilo que procura. Mas se conhece o que procura e se procura a si mesma, certamente que se conhece a si mesma. Então que procura ainda? Ora, se se conhece em parte, e em parte ainda se procura, não se procura a si, mas uma parte de si; na verdade, quando ela própria é dita, é dita toda. Além disso, porque conhece que ainda não foi encontrada toda por si mesma, conhece qual é a sua dimensão total. E, assim, procura o que falta, do mesmo modo que nós costumamos procurar que nos venha à mente aquilo que se nos escapou, mas não escapou completamente porque pode ser reconhecido como aquilo que se procurava quando vier à mente. Mas como há-de a mente vir à mente, como se a mente pudesse não estar na mente? Chega-se a isto porque, se uma parte está encontrada, não se procura a si toda, mas toda ela se procura. Portanto, toda ela está à sua disposição, e não há nada mais a procurar; de facto, o que falta é aquilo que se procura, não aquela que procura. Quando, pois, toda ela se procura, nada dela falta. Ou, se não é ela toda que se procura, mas é a parte que foi encontrada que procura a parte que ainda não foi encontrada, então a mente, da qual nenhuma parte a si se procura, não se procura. De facto, a parte que foi encontrada não se procura a si; nem se procura a si também a parte que ainda não foi encontrada, porque é procurada pela parte que já foi encontrada. Por consequência, uma vez que nem é a mente na sua totalidade que se procura, nem parte nenhuma dela se procura a si mesma, a mente, simplesmente, não se procura.