EVANGELHO DE TOMÉ — Logion 26=>LOGION 27<=Logion 28 Jesus disse: se não jejuais do mundo, não encontrareis o reino; se não celebrais o sabá como sabá, não vereis o pai. Roberto Pla
EVANGELHO DE JESUS: Bem-aventuranças
Hermenêutica
Roberto Pla
Importa antes de tudo esclarecer os termos verdadeiros da disjuntiva “mundo-Reino de Deus” segundo a significação real dada pela linguagem da Boa Nova. O que pode parecer em princípio, quando não se aprofundou corretamente nela, é que o evangelho declara que o mundo e o Reino constituem duas esferas opostas e inconciliáveis e que por isso propõe o logion praticar o jejum do mundo, quer dizer, a privação total ou em grande parte deste mundo, se é que se pretende encontrar o Reino.
Essa maneira tão chão de entender a doutrina evangélica quanto à relação de Deus com o mundo formou parte durante séculos da crença de muitos seguidores da mensagem cristã que em cenóbios, em mosteiros ou em prática privada se dispuseram a cercear ou ao menos a atenuar com grande convencimento e na medida de suas forças seu alimento mundano, para assim dar entrada franca em sua consciência à antítese espiritual do mundo: o Reino.
É verdade que aquela forma, até certo ponto fugidia, de perseguir o sagrado como se se tratasse de um conteúdo totalmente exterior, ou alheio ao mundo, diminuiu em seu uso, e hoje os herdeiros daqueles primitivos cenobitas opinam em sua maioria que a velha disjuntiva se cumpre mais eficazmente se é conduzida até a apreciação do próximo e seus problemas mundanos, dentro de sentido evangélico de solidária caridade fraterna.
Ambas formas do religioso, a reclusão apartada ou a penetração ativa são, por suposto, a expressão não desdenhável de um impulso purificador, mas ocorre que a primeira destas formas consistiu simplesmente em magnificar a ideia, quer dizer, em fortificar a imagem de um Deus cósmico embora até certo ponto extraterrestre, forjado na mente. Quanto à segunda forma se funda na intenção bastante profana de sacralizar a imagem — exterior, física — do homem verdadeiro, por trás da ideia de um Deus imaginado segundo um acontecer sociológico e mundano, como se Deus caminhasse “segundo a corrente do mundo”.
Mas a imagem de Deus é sempre errônea pelo simples fato de ser imagem, posto que Deus é inimaginável. Em sua condição de essência pura, o Deus-Pai do evangelho explicado por Jesus não cabe nos limites do entendimento, pois este, o entendimento, é um movimento do conhecer da temporalidade do mundo e sem validez alguma para representar ao Pai preexistente, do qual se disse:
Antes que nascessem os montes, ou que tivesses formado a terra e o mundo, sim, de eternidade a eternidade tu és Deus. (Sl 90:2)
Quando no evangelho de Mateus explica Jesus a significação da parábola da cizânia e o campo, diz que o “o campo é o mundo e a boa semente são os filhos do Reino” (vide Cizania).
Tudo isso se acha explicado no quarto evangelho, o qual está consagrado em boa parte a determinar a diferença entre o mundo e a luz do mundo. A luz é a Palavra, o Filho, posto que Jesus enquanto Cristo disse:
*Falou-lhes, pois, Jesus outra vez, dizendo: Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida. (Jo 8:12)
*Estava no mundo, e o mundo foi feito por ele, e o mundo não o conheceu. (Jo 1:10)
O testemunho evangélico é concludente: a luz (a Palavra), está no mundo (embora o mundo não a conheça); mas isto há que bem se entender. Aqueles que se apartam do mundo para encontrar a luz, se esquecem de que a luz está no mundo. Em realidade, são homens de pouca fé e não creem que a luz está no mundo; possivelmente, no fundo de sua consciência amam mais as trevas que a luz; são do mundo e por isso não conhecem a luz.
*E a condenação é esta: Que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque as suas obras eram más. (Jo 3:19)
No lado oposto estão aqueles que estudaram que a luz está no mundo e antes de discernir entre ambas as coisas, o mundo e a luz, se entregam ao mundo crendo que todo ele é a luz. Esquecem estes seguramente que “estar” no mundo e “ser” do mundo são coisas bem distintas em seu conteúdo embora idênticas na forma. Jesus tentou dizer isto a seus discípulos quando falou do Tesouro do Templo (vide Sinal da Cruz).
*E dizia-lhes: Vós sois de baixo, eu sou de cima; vós sois deste mundo, eu não sou deste mundo. (Jo 8:23)
A pergunta que sobrevém depois, é esta: é possível contemplar a luz do mundo de maneira que o mundo seja amado pela luz que nele há? Isto é o que se quer significar quando se diz estar no mundo sem ser do mundo. Para isto é necessário exercer um olhar incontaminado sobre o mundo, pois quando existe esse olhar no mundo transparente sempre a luz — o Filho do homem — que ali está “desde de sempre e para sempre”. Esse é o olhar adestrado, superior, de “quem anda de dia e não tropeça, senão que vê a luz deste mundo”.
*Jesus respondeu: Não há doze horas no dia? Se alguém andar de dia, não tropeça, porque vê a luz deste mundo; (Jo 11:9)
O logion explica no último termo que para ver ao Pai (invisível) é necessário “celebrar o sabá como sabá”. O que vem a dizer com isso é que há que viver cada dia em sua plenitude gloriosa de ser o Dia do Senhor. Quando todos os dias são o Dia do Senhor é porque cada dia é a revolução conjunta, completa, da luz e do mundo; e o mundo e a luz são então, e somente então, uma única coisa: “Se alguém me ama — diz Jesus — guardará minha Palavra, e meu Pai o amará, e vendermos a ele e faremos morada nele”.
*Jesus respondeu, e disse-lhe: Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e viremos para ele, e faremos nele morada. (Jo 14:23)