Gregório de Nissa: vício

Os aficionados pelas corridas de cavalos, embora aqueles a quem apoiam nos esforços das corridas não se descuidem um instante em suas tentativas de ser velozes, nas arquibancadas e envolvendo com os olhos todo o certame, gritam no desejo de os ver triunfar, e com os gritos incitam ao cocheiro e aos cavalos – ao menos assim o crêem – a um impulso mais forte; dobram os joelhos ao mesmo tempo que os cavalos e estendem as mãos para a frente, agitando-as como um chicote. Não atuam assim porque estas coisas causem a vitória, mas pelo interesse que sentem pelos participantes, que os leva a mostrar sua preferência com a palavra e com o gesto. Algo semelhante me parece acontecer contigo, o mais estimado dos amigos e irmãos: enquanto no estádio das virtudes te empenhas valentemente na competição divina e avanças com passos ágeis e rápidos para a recompensa do chamado que vem de cima, te animo com minhas palavras, e te apresso, e te exorto a aumentar o esforço para ser mais veloz. Atuo assim não como quem se deixa levar por um impulso irrefletido, mas como quem proporciona a um filho querido tudo o que lhe é grato. Como na carta que me enviaste recentemente me pedes um conselho para a vida perfeita, me pareceu conveniente te propor com minhas palavras algo que talvez só te será útil se se converter para ti em um exemplo eficaz de obediência. Com efeito, se eu, que estou colocado no lugar de pai para tantas almas, considero conveniente a meus cabelos brancos aceder ao pedido de tua juventude virtuosa, tanto mais conveniente será que se reforce em ti a disposição à docilidade, agora que a tua juventude tem sido instruída por mim a uma obediência voluntária. E já basta deste tema. Iniciemos já o assunto proposto, tomando a Deus como guia de nosso discurso. Pediste-me, meu querido, que te trace um esboço de qual é a vida perfeita, com a intenção evidente de aplicar a tua própria vida – se o que procuras se encontra em minha resposta – a graça indicada por minhas palavras. Sinto-me igualmente incapaz destas coisas: confesso que se encontra acima de minhas forças tanto o definir com palavras em que consiste a perfeição, como o mostrar em minha vida o que o espirito entende dela. Talvez não só eu, mas também muitos dos grandes e avançados na virtude confessarão que uma coisa assim também não é alcançável para eles. Explicarei com a maior clareza o que estou tentando dizer, para não parecer, dizendo-o com as palavras do Salmo, que tenho temor onde não deve haver temor ( Sal 13, 5 ). Em todas as coisas pertencentes à ordem sensível, a perfeição está circunscrita por alguns limites, como sucede com a quantidade contínua ou descontínua. Com efeito, tudo aquilo que se pode medir quantitativamente se encontra em limites bem definidos, e alguém que considere um pedaço ou o número dez sabe bem que, para essas coisas, a perfeição consiste em ter um começo e um fim. Por outro lado, com relação à virtude, aprendemos com o Apóstolo que o único limite de perfeição consiste em não ter limite. Aquele divino Apóstolo, grande e elevado de pensamento, correndo sempre pelo caminho da virtude, jamais cessou de se lançar para a frente, pois lhe parecia perigoso deter-se na corrida. Por que? Porque todo o bem, pela própria natureza, carece de limites, e só é limitado pela presença de seu contrário, como a vida é limitada pela morte e a luz pelas trevas; em geral, tudo aquilo que é bem tem seu fim naquilo que é considerado o oposto do bem. Assim como o fim da vida é o começo da morte, assim também o deter-se na corrida pela virtude é o princípio da corrida ao vício. SOBRE A VIDA DE MOISÉS: PRIMEIRA PARTE PREFÁCIO

Por este motivo, não nos enganava nosso raciocínio ao dizer que, no que diz respeito à virtude, é impossível uma definição da perfeição, já que demonstramos que tudo que se encontra demarcado por alguns limites não é virtude. E como eu disse que para aqueles que vão atras da virtude é impossível alcançar a perfeição, esclarecerei meu pensamento com relação a esta questão. O Bem em sentido primeiro e próprio, aquele cuja essência é a Bondade, esse mesmo é a Divindade. Esta é chamada com propriedade – e é realmente – tudo aquilo que implica sua essência. Como já foi demonstrado que a virtude não tem mais limite alem do vício, e foi demonstrado também que na Divindade não cabe o que é contrário, conclui-se consequentemente que a natureza divina é infinita e ilimitada. Portanto, quem busca a verdadeira virtude não busca outra coisa senão Deus, já que Ele é a virtude perfeita. Com efeito, a participação do Bem por natureza é completamente desejável para quem o conhece, e, alem disso, o Bem é ilimitado; segue-se, pois, necessariamente que o desejo de quem busca participar dele é coextensivo com aquilo que é ilimitado, e não se detém jamais. Portanto, é impossível alcançar a perfeição, pois, como já dissemos, a perfeição não está circunscrita por nenhum limite; o único limite da virtude é o ilimitado. E como poderá alguém chegar ao limite prefixado, se este limite não existe? Porem o fato de havermos demonstrado que o que buscamos é totalmente inatingível, não justifica que se possa descuidar do preceito do Senhor, que diz: Sede perfeitos, como é perfeito vosso Pai celeste. Com efeito, aqueles que têm bom senso julgam grande ganância não carecer de uma parte dos bens verdadeiros, ainda que seja impossível alcança-los de forma completa. Deve-se portanto, por todo ardor em não estar privado da perfeição possível e, em conseqüência, em alcançar dela tanto quanto sejamos capazes de receber em nosso interior. Talvez a perfeição da natureza humana consista em estar sempre dispostos a conseguir um maior bem. Parece-me oportuno tomar a Escritura como guia nesta questão. De fato, a voz de Deus diz por meio da profecia de Isaías: Lançai os olhos para Abraão vosso pai, e para Sara que vos deu à luz ( Is 51,2 ). A palavra divina faz esta exortação àqueles que erram longe da virtude, para que assim como os navegantes que se desviaram de sua rota para o porto corrigem-se de seu erro graças a um sinal que se lhes faz visível – vendo um sinal de fogo posto no alto ou em cima de um monte – assim também aqueles que erram no mar da vida levados por uma mente sem timoneiro, se dirijam novamente ao porto da vontade divina seguindo o exemplo de Abraão e Sara. A natureza humana se divide em feminino e masculino, e a escolha entre virtude e vicio se apresenta igualmente ante ambos os sexos. Por esta razão, a palavra divina oferece o exemplo de virtude correspondente a cada uma das partes, para que, olhando cada uma para o que lhe é afim – os homens para Abraão e a outra parte para Sara – as duas se encaminhem para a vida virtuosa com exemplos que lhe sejam próximos. Também será suficiente para nós a lembrança de um destes personagens ilustres por sua vida, para faze- lo desempenhar o papel de guia, e mostrar assim como é possível que a alma chegue ao porto seguro da virtude, onde já não estará exposta de nenhuma forma às tempestades da vida, e onde não correrá o risco de cair no abismo do vicio por causa dos sucessivos embates das ondas das paixões. SOBRE A VIDA DE MOISÉS: PRIMEIRA PARTE PREFÁCIO

Por outro lado, uma vez que por seu grande esforço e pela iluminação que recebeu no cume se elevou à maior das ações da alma, tem lugar um encontro amigável e pacífico, pois Deus moveu seu irmão para que saísse a seu encontro ( Ex 4, 27 ). Se o que acontece na história for interpretado em sentido alegórico, talvez não se encontre nada que seja alheio a nosso propósito. A quem se dedica ao progresso na virtude, assiste uma ajuda dada por Deus a nossa natureza, que é anterior a nós quanto a sua origem, mas que se mostra e se dá a conhecer quando nos dispomos a combates mais fortes, depois de havermos nos familiarizado suficientemente, com cuidado e diligência, com a vida mais elevada. Para não explicar alguns enigmas por meio de outro enigma, exporei mais claramente o sentido desta passagem. Existe uma doutrina que merece credibilidade por pertencer à tradição dos Pais. Diz que, depois da queda de nossa natureza no pecado, Deus não contemplou nossa desgraça indiferentemente, mas que colocou perto, como ajuda para a vida de cada um, um anjo que recebeu uma natureza incorpórea ( Mt 18, 10- 11 ); e que em oposição, o corruptor da natureza maquinou algo parecido, danificando a vida do homem mediante um demônio perverso e malvado. Como conseqüência, o homem se encontra entre esses dois que o acompanham com propósitos contrários, e pode por si mesmo fazer triunfar um ou outro. O bom mostra ao pensamento os bens da virtude como são contemplados em esperança por aqueles que agem retamente; o outro mostra os sujos prazeres nos que não existe nenhuma esperança de bem, pois inclusive o prazer imediato, o que se apreende e se pega, escraviza os sentidos dos tontos. Porem se alguém se afasta dos que induzem ao mal, dirige seus pensamentos ao melhor e volta as costas – por assim dizer – ao vício, põe sua própria alma – que é como um espelho -, frente à esperança dos bens, e assim imprime na pureza da própria alma as imagens e reflexos da virtude que lhe é mostrada por Deus. É então que a companhia do irmão lhe sai ao encontro e o assiste ( Ex 4, 27 ). Pela racionalidade e intelectualidade da alma humana, pode-se, de certo modo, chamar irmão ao anjo. Este, como já dissemos, aparece e socorre quando nos aproximamos do Faraó. Que ninguém pense que a narração da história corresponde tão absolutamente com a ilação desta consideração espiritual, que se encontrar algo do escrito que não concorda com esta interpretação, por este algo que não concorda rechace o todo. Que tenha sempre presente a finalidade de nossas palavras, a qual temos presente ao expor estas coisas. Já adiantamos no prefácio a afirmação de que as vidas dos grandes homens são colocadas como exemplos de virtude para a posteridade. SOBRE A VIDA DE MOISÉS: SEGUNDA PARTE CAPÍTULO 6.

O ensinamento da verdade é acolhido segundo as disposições dos que recebem a palavra. De fato, a palavra mostra a todos o que é bom e o que é mau. Pois bem, quem é dócil àquilo que lhe é mostrado tem a mente na luz, enquanto que quem tem a disposição contrária e não aceita que a alma olhe para a luz da verdade permanece na obscuridade da ignorância. Se a interpretação que demos ao conjunto da passagem não estiver errada, então a interpretação dada a cada um dos detalhes não lhe será totalmente oposta, pois a exegese de cada um deles está compreendida no conjunto. Portanto, não há nada de estranho em que o hebreu permanecesse incólume diante das pragas dos egípcios, embora estivesse vivendo no meio desses estrangeiros, posto que também agora é possível ver que sucede a mesma coisa. De fato, estando divididos os homens nas grandes cidades entre doutrinas contrárias, para uns a água do manancial da é potável e límpida, e a conseguem mediante o ensinamento divino, enquanto a água se torna sangue corrompido para aqueles que se converteram em egípcios por causa de suas perversas opiniões ( Ex 7, 20 ). Muitas vezes os sofistas do erro rondam também a água dos hebreus para converte-la em sangue com a contaminação da mentira, isto é, para mostrar-nos que nossa doutrina não é como é, porem não conseguem corromper totalmente a água, embora a superfície fique avermelhada por causa do erro. Ainda que esteja caluniada pelos inimigos, o hebreu bebe água verdadeira, sem prestar atenção à aparência de erro. O mesmo cabe dizer da espécie de rãs ( Ex 8, 1-6 ), ruidosa e maléfica, que se introduz sub- reptíciamente nas casas, habitações e dispensas dos egípcios, sem chegar a tocar a vida dos hebreus: sua vida é anfíbia, seu salto rasteiro; é repugnante não só por seu aspecto como também pelo fedor de sua pele. Os desastrosos frutos da maldade que surgem do coração sujo dos homens como gerados no pântano, são certamente como uma espécie de rãs. Estas rãs habitam as casas de quem se fez egípcio por escolha de seu estilo de vida; se deixam ver às mesas, não abandonam os leitos e se introduzem nas dispensas onde se guardam as coisas. Considera a vida suja e desavergonhada, nascida de um verdadeiro limo pantanoso, que, ao imita-lo, se assemelha à natureza irracional. Falando com rigor, em seu estilo de vida, não pertence a nenhuma das duas naturezas, pois é homem segundo sua natureza, porem se transformou em besta por sua paixão. Por esta razão mostra em si mesma aquele modo de vida anfíbio e ambíguo. E assim encontrarás nessa vida os sinais desta praga, não só nos leitos, mas também nas mesas, nas dispensas e em toda a casa. Um homem assim deixa, por onde quer que vá, o rastro de sua vida dissoluta, de forma que todos podem distinguir facilmente a vida do homem licencioso da vida do homem puro, inclusive na decoração da casa. De fato, na casa do impuro, sobre o reboco das paredes, encontra-se pinturas feitas com habilidade, que, ao trazer à memória as formas da debilidade, excitam ao prazer sensual e introduzem as paixões na alma através da contemplação de coisas vergonhosas, enquanto que na casa do sábio, pelo contrário, há todo o cuidado e cautela para manter a vista livre de espetáculos obscenos. Do mesmo modo a mesa do sábio se encontra limpa, enquanto que a do que se espoja em uma vida lodosa está suja como as rãs, e transbordante de comidas. E assim se entrasses nas dispensas, isto é, nas coisas ocultas e reservadas de sua vida, encontrarias ali, nas intemperanças, um montão ainda maior de rãs. A história diz que o bastão da virtude fez estas coisas contra os egípcios. Não nos desconcertemos por esta forma de falar. Também diz a história que o tirano foi endurecido por Deus ( Ex 9, 12 e Rm 9, 17- 18 ). Como seria digno de condenação aquele que tivesse sido feito duro e refratário por uma força irresistível vinda do alto? O divino Apóstolo diz a mesma coisa: Posto que não tivessem por bem guardar o verdadeiro conhecimento de Deus, Deus os entregou às paixões vergonhosas ( Rm 1, 28 e 26 ), falando dos pederastas e de quantos se envilecem com as diversas formas vergonhosas e inconfessáveis da vida dissoluta. Porém, embora seja verdade que a divina Escritura se expressa dizendo que Deus entregou às paixões vergonhosas aqueles que se entregaram a elas, nem o Faraó se endureceu por querer divino, nem a vida sórdida, própria das rãs, é causada pela virtude. De fato, se a Divindade tivesse querido isto, tal querer teria tido absolutamente a mesma força sobre todos, de forma que jamais se poderia estabelecer diferença alguma entre virtude e vício. Ao contrário, uns e outros, os que são dirigidos pela virtude e os que caem no vício, vivem de formas diferentes, e ninguém poderá, racionalmente, atribuir a uma fatalidade estabelecida pelo querer divino estas diferenças no modo de viver, que surgem exclusivamente da livre escolha de cada um. SOBRE A VIDA DE MOISÉS: SEGUNDA PARTE CAPÍTULO 9.

Como pode a história estabelecer uma lei contrária à razão? Considerando a interpretação espiritual, não será mais razoável crer que isto sucede como figura e que, através do que foi dito, o Legislador quis propor um ensinamento? O ensinamento é este: que quem se empenha na luta da virtude contra o vício deve faze-lo desaparecer em seus primeiros brotos. De fato, com a destruição dos primeiros brotos, se destroi também o que lhes segue em continuação, como nos ensina o Senhor no Evangelho, ordenando quase com as mesmas palavras destruir os primogênitos dos vícios egípcios; exorta-nos assim a cortar a concupiscência e a ira ( Mt 5, 22 e 28 ), e a não ter medo nem da sujidade do adultério, nem da mancha do homicídio, pois nenhum destes males tem consistência por si mesmo, mas que é a cólera que leva a cabo o homicídio e o desejo é que conduz ao adultério. Precisamente porque aquele que engendra o mal, antes do adultério produziu o desejo e antes do crime produziu a cólera, quem destroi o primogênito destroi totalmente a descendência que segue o primogênito, do mesmo modo que quem golpeou a cabeça da serpente matou com o mesmo golpe o corpo que rasteja atrás. Porem isto não poderia acontecer se previamente não tivessem sido borrifadas as ombreiras das portas com aquele sangue que afugenta o Exterminador ( Ex 12, 23 ). E se queremos captar com maior exatidão o sentido de quanto se diz, a história no-lo insinua através destas coisas: através da morte do primogênito e através da proteção da entrada com o sangue. Ali, com efeito, se destroi o primeiro movimento do mal e aqui mesmo, pelo verdadeiro cordeiro, se afasta a primeira entrada do mal em nós. Pois uma vez que o exterminador esteja dentro, não o expulsaremos com um simples pensamento; vigiemos com a Lei, para que nem se quer comece a entrar em nós. A vigilância e a segurança consistem em sinalizar com o sangue do cordeiro o montante e as ombreiras da entrada ( Ex 12, 22 ). A Escritura nos explica estas coisas da alma com figuras; também a ciência profana as intuiu ao distinguir a alma em seu aspecto racional, concupiscível e irascível. Deles – diz – o irascível e o concupiscível estão abaixo, sustentando cada um a parte racional da alma, e assim a parte racional, tendo subjugadas as outras duas, as governa e, por sua vez, é sustentada por elas: é impulsionada ao valor pelo apetite irascível e é elevada pelo apetite concupiscível à participação no bem. Enquanto a alma se encontra estabilizada nesta disposição, estando segura por pensamentos virtuosos como se fossem cavilhas, dá-se uma cooperação para o bem de todas as faculdades entre si: a parte racional dá segurança por si mesma às partes que lhe estão submetidas e, por sua vez, recebe o mesmo benefício da parte delas. Porem se a ordem for invertida e o que está acima passar par baixo, caindo para a parte em que é pisada, a razão fará subir sobre si as disposições concupiscível e irascível, e então, o exterminador entrará no interior, sem que se oponha a ele nenhum repúdio proveniente do sangue, isto é, sem que a em Cristo ajude no combate àqueles que se encontram nestas disposições. Manda borrifar com sangue primeiro o montante, e besuntar depois as ombreiras de um lado e outro. Como poderia alguém untar primeiro o que está acima, se não estivesse em cima? Não estranhes se estes dois episódios – a morte dos primogênitos e a aspersão do sangue – não acontecem igualmente aos israelitas, e não repudies, por causa disto, nossa consideração a respeito da destruição do mal, como se estivesse fora da verdade. Interpretamos a diferença entre os nomes hebreu de egípcio como a diferença entre a virtude e o vício. Se, pois, o sentido espiritual sugere entender o israelita como o bom, não seria coerente que alguém tentasse matar as primícias dos frutos da virtude, mas aquelas cuja destruição é mais útil que sua conservação. Assim pois, coerentemente, aprendemos com Deus que é necessário destruir as primícias da estirpe egípcia, para que seja destroçado o mal, aniquilado com a destruição de seus primeiros brotos. Esta interpretação está de acordo com a história. A proteção dos filhos dos israelitas tem lugar por meio da aspersão do sangue para que o bem chegue à plenitude; por outro lado, aquele que ao amadurecer haveria de constituir o povo egípcio, este é destruído antes que chegue à plenitude no mal. O que segue está de acordo com a interpretação espiritual que propusemos, acomodando-se ao sentido do discurso. Prescreve-se, com efeito, que se converta em nosso alimento o corpo daquele do qual fluiu este sangue que, mostrado nos montantes das portas, afasta o exterminador dos primogênitos dos egípcios. A atitude dos que levam à boca esta comida há de ser sóbria e conforme com pessoas que têm pressa, não como a que se vê naqueles que se divertem em banquetes, cujas mãos estão soltas, as vestes sem cingir, os pés livres de calçados de viagem. Aqui tudo é o oposto. Os pés estão aprisionados nos sapatos, o cinturão cinge as pregas da túnica aos rins e, na mão, o bastão que defende dos cães ( Ex 12, 11 ). E neste atavio, a comida é posta diante deles sem nenhuma preparação complicada, mas elaborada apressadamente sobre o fogo, de forma improvisada. Os convidados a devoram rapidamente, a toda pressa, até que todo o corpo do animal tenha sido consumido. Comem tudo o que é comestível em redor dos ossos, porem não tocam no que está dentro, pois é proibido romper os ossos deste animal. O que sobra de comida é consumido pelo fogo ( Ex 12, 9-10 e Nm 9, 12 ). De tudo isto se depreende com clareza que a Escritura está visando um significado mais elevado, já que a Lei não nos ensina o modo de comer, para estas coisas é suficiente guia a natureza, a qual colocou em nós o apetite, mas através disto quer significar outra coisa. De fato, que tem a ver com a virtude ou o vício a comida ser apresentada de uma forma ou de outra, com a cintura cingida ou sem cingir, descalços os pés ou com os sapatos, tendo o bastão na mão ou o havendo deixado? Resulta claro, ao contrário, o que significa simbolicamente a preparação do aparato de viagem. Convida-nos diretamente a que reconheçamos que na vida presente estamos de passagem, como caminhantes, impelidos desde o nascimento até à morte pela mesma necessidade das coisas. E que é necessário que as mãos, os pés e tudo o demais estejam preparados para esta saída a fim de ter segurança no caminho. Para que não sejamos feridos nos pés desprotegidos e descalços pelos espinhos desta vida, os espinhos poderiam ser os pecados, protejamo-los com a defesa dos sapatos. Isto é a vida casta e austera, que quebra e dobra por si mesma as pontas dos espinhos, e evita que o mal penetre dentro de nós com um começo pequeno e imperceptível. Uma túnica que flutua solta sobre os pés e que se enreda entre as pernas seria um estorvo para quem anda corajosamente por este caminho, segundo Deus. Neste contexto, poderíamos entender a túnica como a relaxação prazenteira nos cuidados desta vida a qual uma mente sábia, convertendo-se em cinturão do caminhante, reduz e aperta. Que o cinturão é a temperança, se atesta pelo lugar ao qual cinge. O bastão que defende das feras é a palavra da esperança, com a qual sustentamos a alma em suas fadigas e afugentamos os que ladram. O alimento para nós preparado no fogo comparo com a cálida e ardente que acolhemos sem demora, de que comemos quanto de comestível está à mão do que come, enquanto deixamos de lado, sem buscar e sem espiar curiosamente, a doutrina que está velada em conceitos duros e dificilmente assimiláveis, entregando ao fogo um alimento semelhante. Para explicar os símbolos utilizados em relação a isto, dizemos o seguinte: alguns dos ensinamentos divinos têm um sentido exeqüível; não convém recebe-los preguiçosamente nem de má vontade, mas saciar- nos, como famintos impelidos pelo apetite, dos ensinamentos que estão diante de nós, de forma que o alimento se converta em robustecimento para nossa saúde. Outros ensinamentos são obscuros, como o indagar qual é a substância de Deus, ou o que existia antes da criação, ou o que há alem das aparências, ou que necessidade marca os acontecimentos, e todas as coisas deste estilo que são investigadas pelos curiosos; é necessário deixar que estas coisas só sejam conhecidas pelo Espírito Santo, que penetra as profundidades de Deus, como diz o Apóstolo ( 1Co 2, 10 ). Com efeito, ninguém que esteja familiarizado com a Escritura ignora que nela o Espírito freqüentemente é lembrado e é designado como fogo. Somos levados a esta interpretação pela advertência da Sabedoria: Não especules sobre o que te ultrapassa ( Eclo 3, 22 ), isto é, não rompas os ossos do ensinamento, pois não te é necessário o que está escondido ( Eclo 3, 23 ). SOBRE A VIDA DE MOISÉS: SEGUNDA PARTE CAPÍTULO 14.

Todas estas coisas e quantas lhes são afins, precipitam-se na água perseguindo os israelitas junto com o promotor do perverso ataque. Porem a água, posto que o bastão da e a nuvem luminosa usam como guia, se converte em fonte de vida para os que se refugiam nela e em destruição dos perseguidores. A história nos ensina através disto, como convém que sejam os que atravessam a água. Quando alguém emerge da água não deve conservar consigo nada do exército inimigo. Se o inimigo emergisse juntamente com ele, este permaneceria em escravidão ainda depois da água, ao haver feito emergir vivo consigo o tirano, ao que não afogou no abismo. Isto quer dizer, se explicarmos abertamente o simbolismo aproximando-o de um significado mais claro, que é necessário que quantos, no batismo, passam através da água sacramental, façam morrer na água todo o exército do vício: a avareza, o desejo impuro, o espírito de rapina, a tendência à soberba e à prepotência, o impulso à violência, a ira, o rancor, a inveja, os ciúmes e todas essas coisas. Posto que, de alguma forma, as paixões seguem a natureza humana, devemos afogar na água inclusive os maus movimentos da alma e suas seqüelas. No mistério da Páscoa, este é o nome da vítima cujo sangue preserva da morte quem se vale dela, sucede o mesmo. Recomenda-se que coma pão ázimo na Páscoa. Ázimo é o que não está misturado com o fermento do dia anterior ( Ex 13, 6 e 1Co 5, 7-8 ). Através disto a Lei nos dá a entender que não se deve misturar nenhum resíduo de maldade com a vida nova, mas que comecemos a vida nova com um começo novo, rompendo a cadeia dos pecados com a conversão ao bem. Por esta razão quer que afoguemos no batismo salvador – como no batismo do mar – toda pessoa egípcia, isto é, toda forma de maldade, e que devemos emergir sós, sem arrastar conosco em nossa vida nenhum estrangeiro. Isto é o que aprendemos com a história quando diz que na mesma água se distingue o inimigo e o amigo com a morte e com a vida: o inimigo é destruído, o amigo é vivificado ( Ex 14, 27-30 ). Muitos dos que receberam o sacramento do batismo, por desconhecimento dos preceitos da lei, misturaram a levedura do vício, já abandonada, à vida nova, e, depois de ter atravessado a água, em sua forma de viver levam consigo, vivo, o exército egípcio. Com efeito, quem antes do dom do batismo se havia enriquecido com a injustiça ou a rapina, ou adquiriu alguma terra com perjúrio, ou coabitava com uma mulher em adultério, ou qualquer das demais coisas proibidas, pensa que mesmo que depois do batismo continue a gozar das coisas que adquiriu perversamente, permanece livre da escravidão dos pecados, sem perceber que se encontra escravizado por perversos senhores. Pois a luxuria é um dano cruel e furioso, que atormenta a alma submetida a sua escravidão com os prazeres como se fossem látegos. Um tirano semelhante é a avareza, que não permite nenhum descanso a seu escravo, senão que por muito que trabalhe obedecendo as ordens de seu dono e ganhando para ele o que ambiciona, sempre o incita a mais. E todas as outras coisas que se fazem impulsionados pela maldade constituem uma serie de tiranos e donos. Se alguém lhes obedece, ainda que haja passado através da água, apesar disso – é meu parecer -, não tocou na água sacramental cuja obra é a destruição dos perversos tiranos. SOBRE A VIDA DE MOISÉS: SEGUNDA PARTE CAPÍTULO 17.

Se chegasses a saber que a vida de um sacerdote é doce, folgada e cor de rosa, como aqueles que se vestem de linho e púrpura e engordam em mesas esplêndidas ( Lc 16, 19 ), que bebem vinho filtrado, estão ungidos com o melhores perfumes e reúnem para si tudo o que parece suave ao gosto superficial dos que desfrutam de uma vida mole, poderias aplicar com toda exatidão o dito evangélico: olhando o fruto, não reconheço a árvore sacerdotal, pois um é o fruto do sacerdócio e outro muito diferente este ( Lc 6, 43-44 ). Aquele fruto é a continência, este é a moleza; aquele não está alimentado por umidade terrestre, a este regam muitos arroios de prazeres daqui de baixo, graças aos quais nesta hora o fruto de vida se colore de rosa. Uma vez que o povo se tenha purificado também desta paixão, atravessa a vida estrangeira guiando-o a Lei pelo caminho real, sem desviar-se de um lado ou de outro ( Nm 20, 17 ). É perigoso para o caminhante desviar-se para qualquer lado. Quando dois precipícios se estreitam no caminho de um rompente elevado, é perigoso para quem marcha por ele desviar-se para uma parte ou outra, pois o abismo do precipício traga igualmente a quem se desvia de um lado ou de outro; assim a Lei quer que quem segue suas pegadas não abandone o caminho, o qual, como diz o Senhor, é estreito e empinado ( Mt 7, 14 ), isto é, que não se desvie nem à esquerda, nem à direita. Esta palavra, ao definir que as virtudes se encontram no meio, contem este ensinamento: todo vício nasce ou por falta ou por excesso no fazer em relação à virtude. Assim com respeito ao valor, a covardia é uma falta de virtude, e a temeridade um excesso: o que está livre destes extremos se encontra situado no meio dos vícios que se encontram em seus flancos. Isto precisamente é a virtude. Da mesma forma todas as demais coisas se encontram, em sua relação com o bem, no meio de vizinhos perigosos. A sabedoria ocupa o lugar intermediário entre a astúcia e a candura: nem a astúcia da serpente é aprovada, nem a candura da pomba, se tomarmos cada uma delas separadamente em si mesma ( Mt 10, 16 ), pois a virtude consiste na disposição intermediária que modera estas duas. O que está falho de temperança é um libertino, enquanto que quem se excede em sua prática cauteriza a própria consciência, como declara o Apóstolo ( 1Tm 4, 2 ): um, de fato, se entregou voluntariamente aos prazeres, enquanto o outro sente horror ante o matrimônio, como se fosse adultério. A disposição intermediária entre estes dois é a temperança. Posto que, como diz o Senhor, este mundo está sob o poder do maligno ( 1Jo 5, 19 ), e para quem segue a Lei tudo quanto se opões à virtude – isto é, a maldade – lhe resulta estranho, aquele que marcha através deste mundo levará a bom termo durante sua vida este caminho da virtude, se não perder a grande estrada, pisada e abrandada pela virtude, sem desviar-se pelo vício para caminhos impraticáveis que estão aos lados. Como já foi dito, a tentação do adversário – que, em qualquer situação, encontra ocasiões para desviar-nos para o mal – cresce juntamente com o progresso da virtude. Na hora que o povo cresceu muito na vida segundo Deus é quando o inimigo tenta atacar com outra forma de tentação segundo o uso de melhores estratégias. Estes quando julgam difícil vencer a frente do exército do inimigo, superior em forças, o combatem com emboscadas e enganos. Por esta razão, a estratégia do mal não apresenta frontalmente sua força contra aqueles que estão robustecidos pela Lei e a virtude, mas realiza a tentação veladamente, com emboscadas. Chama agora a magia como aliada para atacar. O relato diz que era um adivinho e um investigador do vôo das aves, o qual tinha um poder daninho contra os adversários, sem dúvida por alguma força dos demônios. Este estava sendo pago pelo chefe dos madianitas para danar com maldições os que viviam para Deus, porem trocou a maldição em benção ( Nm 22, 2-35 ). Nós, por coerência com nossa exegese anterior, interpretamos que nem sequer a magia tem força contra quem vive na virtude; quem está fortalecido pela ajuda de Deus vence toda tentação. SOBRE A VIDA DE MOISÉS: SEGUNDA PARTE CAPÍTULO 45.

O fato de que o investigador do vôo das aves, que mencionamos, praticava a magia é atestada pelo relato quando diz que tinha o poder de fazer vaticínios na mão e de consultar através das aves e, antes disso, que havia conhecido pelo zurro da jumenta o concernente à rivalidade que tinha diante. A Escritura apresentou o zurro da jumenta como uma palavra articulada, porque ele habitualmente consultava com uma força diabólica as vozes dos animais. Mostra-nos com isto que quem está enredado com este engano dos demônios chega inclusive a tomar como uma palavra racional o ensinamento que encontra na observação dos sons dos irracionais. Ao escuta-la, compreendeu por aquelas mesmas coisas em que havia errado, que era invencível a força contra a qual o haviam alugado. Também na narração evangélica a turba de demônios chamada legião ( Mc 5, 9 e Lc 8, 30 ), se prepara para se opor ao poder do Senhor. Porem quando se aproxima Aquele que tem o poder sobre todas as coisas, a horda proclama seu poder excelso e não oculta a verdade: que este é a força divina, e que em tempo vindouro infligirá o castigo aos pecadores. Pois diz a voz dos demônios: Sabemos quem és: o Santo de Deus, e que vieste antes do tempo a atormentar-nos ( Mc 1, 24; 5, 7 e Lc 4, 34-35 ). Isto é o que sucedeu também então: o poder demoníaco que acompanhava o mago ensinou a Balaan que o povo era invencível e invulnerável. Harmonizando este relato com as coisas que já explicamos, dizemos que quem quer maldizer os que vivem na virtude não pode pronunciar nenhuma palavra hostil nem discordante, mas converte sua maldição em benção. Isto significa que a afronta da difamação não alcança os que vivem na virtude. Com efeito, como pode ser caluniado de avareza aquele que não possui nada? Como será reprochado de libertino aquele que vive só levando uma vida de anacoreta? De cólera aquele que é manso? De orgulho aquele que é humilde? Ou como se dirigirá qualquer outra critica àqueles que são conhecidos pelo contrário, que têm por finalidade apresentar uma vida inacessível à critica a fim de que, como diz o Apóstolo, nosso adversário se envergonhe não tendo nada que dizer ( Tt 2, 8 )? Por esta razão disse a voz de quem havia sido feito vir para maldizer: como maldiria àquele que não maldiz o Senhor? ( Nm 23, 8 ), isto é, como acusarei quem não oferece matéria de acusação, já que, por olhar sempre para Deus, leva uma vida inacessível ao pecado? Apesar de haver falado isto, o inventor da maldade não cessa em absoluto seu projeto contra os que tentava, mas muda a insídia para sua forma mais antiga de tentar, tentando atrair a natureza para o mal outra vez por meio do prazer. Com efeito, o prazer é apresentado por todo vício como isca que arrasta facilmente as almas sensuais a cair no anzol da perdição. É sobre tudo por meio do prazer impuro que a natureza é arrastada para o mal sem que se controle. É o mesmo que sucede agora. Com efeito, aqueles que haviam prevalecido sobre as armas, que haviam demonstrado que todo ataque de ferro era mais débil que sua própria força, e que com seu poder haviam feito fugir o exército dos inimigos, estes foram feridos pelos dardos femininos através do prazer. E os que haviam sido mais fortes que os varões se converteram em vencidos pelas mulheres. Com efeito, logo que vieram às mulheres que punham ante eles suas próprias formas em vez de armas, imediatamente esqueceram o ímpeto de seu valor, apagando seu ardor no prazer. Eles estavam em uma situação na qual era natural deixar-se levar à união proibida com estrangeiros. Com efeito, a vizinhança com o mal já era um afastamento da ajuda do bem. Imediatamente a Divindade se levantou em cólera contra eles. Porem o zeloso Finéias não esperou que o pecado fosse purificado por uma decisão do alto, mas ele mesmo se converteu em juiz e verdugo ( Nm 25, 1-9 ). Enchendo-se de ira contra quem se havia deixado levar pela paixão, fez as vezes de sacerdote purificando o pecado com sangue: não com o sangue de algum animal inocente, que não tivera parte na imundície da intemperança, mas com o dos que se haviam unido entre si no pecado. Sua lança deteve o movimento da justiça divina ao atravessar de um só golpe os corpos dos dois, mesclando com a morte o prazer dos pecadores. Parece-me que o relato propõe aos homens um ensinamento útil à alma. Através dele aprendemos que, sendo muitas as paixões que se opõem à razão do homem, nenhuma outra paixão tem tanto poder contra nós que possa igualar a enfermidade do prazer. Pois o fato de que aqueles israelitas, que unidos se haviam mostrado mais fortes que a cavalaria egípcia, haviam superado os amalecitas, haviam parecido temíveis ante o povo que lhes era vizinho e depois destas coisas haviam vencido a falange dos madianitas, hajam caído na escravidão da paixão quando viram as mulheres estrangeiras, mostra bem – como dissemos – que a voluptuosidade é para nós um inimigo difícil de combater e de vencer. Tendo vencido imediatamente, só com seu comparecimento, a homens impetuosos com as armas, a voluptuosidade levantou contra eles a bandeira da desonra, publicando sua infâmia à luz do sol. Pois mostrou que os homens, por sua causa, converteram em animais os que o impulso bestial e irracional à impureza convenceu a que esquecessem de sua natureza humana, a ponto de não encobrir sua impiedade, mas gloriar-se com a infâmia de sua paixão e adornar-se com a imundície da vergonha, chafurdando como porcos na lama da impureza, abertamente, à vista dos demais. Que lição tiraremos deste relato? Que sabedores de quanta força para o mal tem a enfermidade da voluptuosidade, mantenhamos nossa vida o mais afastada possível desta vizinhança, de forma que esta enfermidade, que é como um fogo que com sua proximidade acende a chama perversa, não tenha nenhum acesso a nós. Isto é o que ensina Salomão na Sabedoria ao dizer que não se deve pisar a brasa com o pé descalço e que não se deve introduzir fogo no seio ( Pr 6, 27-28 ), pois está em nosso poder permanecer livres de paixão contanto que nos mantenhamos longe de avivar o fogo. Porem se, ao contrário, chegarmos a tocar este fogo ardente, penetrará em nosso seio o fogo da concupiscência, e então se seguirá a queimadura para o pé e a ruína para o seio. SOBRE A VIDA DE MOISÉS: SEGUNDA PARTE CAPÍTULO 46.