Gregório de Nissa: demônio

Por outro lado, uma vez que por seu grande esforço e pela iluminação que recebeu no cume se elevou à maior das ações da alma, tem lugar um encontro amigável e pacífico, pois Deus moveu seu irmão para que saísse a seu encontro (Ex 4, 27). Se o que acontece na história for interpretado em sentido alegórico, talvez não se encontre nada que seja alheio a nosso propósito. A quem se dedica ao progresso na virtude, assiste uma ajuda dada por Deus a nossa natureza, que é anterior a nós quanto a sua origem, mas que se mostra e se dá a conhecer quando nos dispomos a combates mais fortes, depois de havermos nos familiarizado suficientemente, com cuidado e diligência, com a vida mais elevada. Para não explicar alguns enigmas por meio de outro enigma, exporei mais claramente o sentido desta passagem. Existe uma doutrina que merece credibilidade por pertencer à tradição dos Pais. Diz que, depois da queda de nossa natureza no pecado, Deus não contemplou nossa desgraça indiferentemente, mas que colocou perto, como ajuda para a vida de cada um, um anjo que recebeu uma natureza incorpórea (Mt 18, 10- 11); e que em oposição, o corruptor da natureza maquinou algo parecido, danificando a vida do homem mediante um demônio perverso e malvado. Como conseqüência, o homem se encontra entre esses dois que o acompanham com propósitos contrários, e pode por si mesmo fazer triunfar um ou outro. O bom mostra ao pensamento os bens da virtude como são contemplados em esperança por aqueles que agem retamente; o outro mostra os sujos prazeres nos que não existe nenhuma esperança de bem, pois inclusive o prazer imediato, o que se apreende e se pega, escraviza os sentidos dos tontos. Porem se alguém se afasta dos que induzem ao mal, dirige seus pensamentos ao melhor e volta as costas – por assim dizer – ao vício, põe sua própria alma – que é como um espelho -, frente à esperança dos bens, e assim imprime na pureza da própria alma as imagens e reflexos da virtude que lhe é mostrada por Deus. É então que a companhia do irmão lhe sai ao encontro e o assiste (Ex 4, 27). Pela racionalidade e intelectualidade da alma humana, pode-se, de certo modo, chamar irmão ao anjo. Este, como já dissemos, aparece e socorre quando nos aproximamos do Faraó. Que ninguém pense que a narração da história corresponde tão absolutamente com a ilação desta consideração espiritual, que se encontrar algo do escrito que não concorda com esta interpretação, por este algo que não concorda rechace o todo. Que tenha sempre presente a finalidade de nossas palavras, a qual temos presente ao expor estas coisas. Já adiantamos no prefácio a afirmação de que as vidas dos grandes homens são colocadas como exemplos de virtude para a posteridade. INTERPRETAÇÃO MÍSTICA DA VIDA DE MOISÉS 6.

Muitos dos que acolheram a palavra que liberta da tirania e se aproximaram da pregação são maltratados agora pelo inimigo com os assaltos das tentações. Muitos destes se fazem mais provados e firmes na , temperados pelo ataque dos que os combatem; ao contrário, alguns mais débeis dobram o joelhos diante destes ataques dizendo abertamente que é preferível para eles permanecer surdos à chamada da liberdade que padecer tais dificuldades por causa dela. Isto mesmo ocorreu então devido à pusilanimidade dos israelitas, que acusaram os que os aconselhava o meio de escapar da escravidão. Porem não por isso cessará a palavra de atrair para o bem, ainda que o imaturo, infantil e imperfeito de entendimento, por sua inexperiência, se assuste ante as tentações. Isto é o que o demônio tenta contra os homens: busca ferir e corromper. Que quem está sujeito a ele não olhe para o céu, mas que se incline para a terra e faça ladrilhos com lama dentro de si mesmo. De fato, é patente a todo mundo como o que pertence ao prazer material deriva da terra e da água, quer se olhe para os desejos do ventre e da gula ou quanto se refere à riqueza. A mistura destes elementos é – e se chama justamente – barro. Quantos avidamente se enchem dos prazeres do barro, não conseguem manter cheia sua ampla capacidade para receber prazeres, pois uma vez cheia, de novo se torna vazia para aquilo que flui para dentro. Quem faz ladrilhos sempre coloca de novo outro barro no molde que ficou vazio; parece-me que quem considera o apetite concupiscível da alma, compreenderá facilmente este exemplo. De fato, quem dá satisfação a sua paixão em qualquer das coisas pelas quais lutou, novamente se encontrará vazio com relação àquilo mesmo, se é lançado pela paixão a alguma outra coisa. E ao sentir-se satisfeito por esta coisa, se encontrará de novo vazio e com capacidade de desejar alguma outra coisa. E isto não cessará em absoluto de atuar em nós, até que nos subtraiamos da vida material. A cana e a palha que provem dela e que quem está submetido às ordens do tirano é obrigado a misturar ao ladrilho, interpretamos conforme o Evangelho de Deus e às palavras profundas do Apóstolo: ambos significam igualmente, a palha e a cana, matéria para o fogo (Mt 3, 12 e 1Co 3, 12-13). Quando algum dos que progridem na virtude quer atrair para uma vida livre e plena de sabedoria aqueles que estão escravizados pelo engano, aquele que, como diz o Apóstolo, seduz com ciladas variadas nossas almas (Ef 6, 12), sabe opor os sofismas do engano à lei de Deus. Tendo presente a Escritura, digo isto referindo-me às serpentes do Egito, isto é, às diversas maldades do engano, cuja aniquilação realiza a vara de Moisés (Ex 7, 10-12). Porem isto já está suficientemente considerado. Assim pois, quem possui esta invencível vara da virtude que destroi as varas enganosas, avança por um caminho contínuo até maiores prodígios. A realização dos prodígios não tem lugar com a finalidade de ser admirada pelos que os vêem, mas está dirigida ao aproveitamento dos que se salvam (2Tim 3, 16). Com estes prodígios da virtude, se afasta o que é inimigo e se reconforta o que é da mesma estirpe. Conheçamos, em primeiro lugar, o significado geral destes prodígios; depois talvez nos seja possível adaptar analógicamente este conhecimento a cada um deles em particular. INTERPRETAÇÃO MÍSTICA DA VIDA DE MOISÉS 8.