Erígena — Homilia sobre o Prólogo do Evangelho de S. João
XIII A contemplação natural destas palavras
Mas a contemplação natural destas palavras permite outro sentido para a frase “E a luz brilhou na escuridão”.
Pois a natureza humana, mesmo se não tivesse pecado, seria incapaz de brilhar por sua própria força; pois a natureza humana não é naturalmente luz, mas só participa na luz. Embora a natureza humana seja capaz de sabedoria, não é ela mesma sabedoria: apenas participação na sabedoria permite a ela ser sábia. Assim como o ar não brilha por si mesmo — e é por esta razão denominado escuridão — e é, no entanto, capaz de receber a luz do sol, assim também nossa natureza, considerada em si mesma, é uma substância de escuridão, mas é capaz de receber a luz da sabedoria. Assim como o ar, enquanto participa dos raios do sol, é dito não brilhar por si mesmo — mas o esplendor do sol é dito aparecer nele, de modo que ele não perde sua natural obscuridade mas apenas recebe a interventora luz nele mesmo — assim a parte nacional de nossa natureza, enquanto possuindo a presença do Verbo de Deus, conhece — não através de si mesma mas através da impressão nela da Luz divina — coisas inteligíveis e até Deus Ele Mesmo. O Verbo Ele mesmo diz: “Não tu que falas, mas o espírito de teu pai que fala em ti”.
Por meio desta sentença o Verbo quer nos ensinar a compreender esta verdade universal e ter este sentido sempre e inefavelmente soando nos ouvidos de nossos corações: Não é tu quem brilhas, mas o espírito de teu Pai brilha em ti. Em outras palavras, é Ele, o Pai, que me manifesta, o Verbo, para brilhar em ti, pois Eu sou a luz do do mundo inteligível, ou seja, da natureza racional e intelectual. Tu, que me conheces, não és. Sou Eu, Eu mesmo, através de meu espírito, que conhece Eu mesmo em tu — pois tu não és uma luz substancial, mas apenas participas na luz auto-subsistente.
Assim a luz brilha na escuridão, pois o Verbo de Deus — a vida e a luz dos seres humanos — não cessa de brilhar em nossa natureza a qual, investigada e considerada em si mesma, revela-se ser sem forma e trevas. Nem, apesar de sua queda, deseja o Verbo desamparar a natureza humana; nem nunca a abandonará. Pois a forma, do momento que a contém por natureza; e a reforma pela graça deificante. A como Ele, Ele mesmo, é a luz incompreensível de todas as criaturas, a escuridão não a compreenderam.
Pois Deus supera todo significado e inteligência, e só possui imortalidade. Cuja luz é chamada escuridão por virtude de sua excelência, posto que nenhuma criatura pode compreender seja o que ou como é.