Evangelho de Tomé – Logion 106

Pla

Jesus disse: Quando façais do dois Um, vos tornareis Filho do homem, e quando digais: montanha move-te, ela se moverá.

Puech

106. Jésus a dit : Quand vous ferez de deux un, vous deviendrez fils de l’homme, et quand vous direz : Montagne, déplace-toi, elle se déplacera.

Suarez

1 Jésus a dit : 2 lorsque vous faites le deux Un, 3 vous deviendrez Fils de l’homme, 4 et si vous dites : 5 montagne, éloigne-toi : 6 elle s’éloignera. v. [Logion 48]

Meyer

106 (1) Jesus said, “When you make the two into one, you will become children of humanity,[Or “sons of man.”] (2) and when you say, ‘Mountain, move from here,’ it will move.” [Cf. Gospel of Thomas 48; Matthew 18:19; 17:20b (Q); Luke 17:6b (Q); Matthew 21:21; Mark 11:23; 1 Corinthians 13:2.]


Roberto Pla

A exegese manifesta da Escritura ensina, segundo o entende, que desde os dois dias genesíacos em que Deus criou os céus e a terra, existem assim dois princípios opostos, irredutíveis, que embora não coeternos em sua origem, posto que o princípio originário foi monista, permanecem em oposição durante seu desenvolvimento e persistirão assim ainda depois do final do mundo, como dualidade irredutível e eterna.

Tudo isto supõe um monismo na origem e um dualismo estrito a partir do ato da criação. Este dualismo converte o universo no campo de batalha de dois princípios, o do bem e o do mal, e seu enfrentamento invade a eternidade pós-escatológica e inclusive se assenta nela de maneira definitiva depois do juízo final.

Por sua vez, a exegese oculta não encontra dualidade nem na origem nem no final da criação, pois ambos extremos são à maneira dos polos de um círculo que se abre durante o caminho mas logo se fecha na unidade.

Somente durante o trânsito pelos céus e a terra criados se apresenta uma dualidade aparente, se se entende por “aparente” uma dualidade que vem da coexistência em tensão de dois elementos supostamente opostos: um princípio divino, preexistente e eterno, e um pseudo-princípio criado, e portanto destrutível, limitado e finito.

O que a nós nos corresponde explicar neste esboço de exegese oculta de um aspecto do mundo segundo o evangelho, é o que se refere aos dois elementos que parecem coexistir em oposição. Posto que nem antes do princípio, nem ao final do criado há dualidade, resulta necessário admitir que a espécie de dualidade que conhecemos, é engendrada no seio da criação e antes ou ao tempo da consumação escatológica, tal dualidade se resolverá outra vez na unidade.

Se impõe, por conseguinte, esclarecer a consistência e destino que têm, segundo o evangelho, as três ordens de dualidade em que, para efeitos de estudo, podemos dividir a criação:

  • A dualidade cosmológica, significada sob a denominação geral de “Deus e o mundo”;
  • A dualidade que pode ser denominada antropológica, pois se refere à zona separativa que resta aberta entre “Deus e o homem”;
  • A dualidade gnoseológica, que pode ser definida como a dualidade que estabelece a consciência consigo mesma.

Vemos, também, que o evangelho, quando é estudado segundo a exegese oculta, proporciona explicação para todas as formas de unidade que hão de sobreviver, pois a consumação de todas as coisas é precisamente isso: “que todas as formas de dualidade são temporais. engendradas pela criação, e se resolverão na unidade antes ou ao tempo do fim”.

Isto é o que deve ser estudado no presente comentário deste logion. De fato, a unidade é uma realidade preexistente e indestrutível, e se o que vemos são os pares de opostos, se deve a que não alcançamos a Plenitude da consciência, pois em tal caso comprovaríamos que a dualidade que contemplamos se consuma por si mesma na unidade.

Estas formas de unidade que sobrevêm, ou por dizê-lo à maneira do logion, este “fazer-se o dois um” no âmbito em que se move a Boa Nova, constitui a essência do ensinamento de Jesus, e se pode resumir em três consumações de unidade, as quais confluem por sua vez na unidade de Deus.

A unidade de Deus resta afirmada no Antigo e no Novo Testamento e se confirma com a seguinte sentença: “Ele é único e não há outro fora dEle” (Mc 12,32). Mas esta unidade de Deus deve ser determinada em três esferas diferentes:

  • a unidade do mundo no Reino de Deus
  • a unidade de todos os homens entre si, e de todos com o Pai
  • a unidade do homem consigo mesmo no Ser único e universal

O Homem que a consciência conhece e que denomina “a alma”, não é senão uma representação, uma imagem, do homem essencial, verdadeiro: o espírito.

O espírito é o conhecedor e a alma é o conhecido; uma dualidade que só se resolve em unidade quando o conhecedor descobre a imagem, a alma, como imagem e não como o si mesmo segundo acreditou até então.

A partir disso, o enigma se levanta e o “espelho” cessa. Isto é o que o logion explica como “fazer do dois um”. Logo, diz que o “um” que resta uma vez se tenha resolvido a unidade, é o Filho do Homem. A consciência de ser, é então ser o Filho do Homem.

A unidade perfeita significa que quando há fome, sede, solidão, desnudez, enfermidade, ou cativeiro, sempre é, em todos os casos, o Filho do Homem o que tem fome, sede, solidão, desnudez, enfermidade, ou cativeiro.

Isso há que “vê-lo”, há que sabê-lo “ver”, de maneira direta, com a consistência que dá ao fogo do conhecimento o sal agregado. Há que vê-lo, ainda que seja na transparência das coisas, pois essa é, à princípio, a “presença” de Deus.

Quando o homem descobre essa “presença” bendita, ali onde põe seu olhar, o que vê é o simples olhar de Deus, quer dizer, o Filho do Homem. A fome, a sede, a solidão, a desnudez, a enfermidade, ou o cativeiro que se descobre então, é o Filho do Homem sobre o qual se pôs o olhar, e também é isso mesmo o Filho do Homem que governa o olhar que olha.

Ninguém há na unidade que seja diferente do Filho do Homem, pois a unidade é que a criação inteira se redimiu na unidade, na consumação de ser um com o Filho do Homem.

Só assim se verá cumprida, quando chegue a hora decretada da dissolução do criado, a magna oração de Jesus ao Pai: “Que sejam (perfeitamente) um, como nós somos um: eu neles e tu em mim” (Jo 17, 22-23).

Desvanecidos então os céus, como fumaça que são, e desgastada a terra, abrasada pela ação corrosiva do tempo, para já não ser, a criação terá passado.

A montanha, o Lugar Santo, recôndito, onde o si mesmo do homem há de subir e “olhar” com olhos de transparência, para adorar em espírito e verdade, se deslocará então, empurrada pelo fogo de Deus e cobrirá o mar das almas.

A essa montanha interior onde sempre reinou e reinará a unidade, com criação ou sem ela, queria subir o salmista quando disse: “Já tenho consagrado em Sião a meu rei, em Sião meu monte alto” (Sl 2,6).

Leloup

  • Na unificação de nossas dualidades (matéria-espírito, homem-mulher, criado-incriado, etc.) nos tornamos Filho do homem, plenamente, divinamente humano.
  • “Orais para que eles se tornem todos Filhos do homem” (Libri graduum, col 737,24)

Gillabert

  • Jesus é o Filho do homem e se designa como tal e chama Filho do homem àquele que como ele fez do dois Um.
  • Antes de meu nascimento, antes mesmo de minha concepção, era Um.
  • Meus condicionamentos passados e minhas projeções me fizeram crer que era dois.
  • devido a uma ilusão que me vi separado, mas além de minha memória e meus sonhos, sou fundamentalmente Um.
  • Além do sonho de minha vida psíquica, sou Um.
  • Não só recorro à fonte da energia mas sou esta fonte mesma de energia.

Puech

  • Eis a palavra de ordem de todo Evangelho de Tomé, fazer do dois Um.
    • Neste logion serve para definir a condição necessária para se tornar “filho do homem” (shere emprome), passando do estado de “filho da mulher”, saído da geração carnal, para aquele de “filho do macho”, ou mais exatamente de filho do anthropos, nascido ou renascido do Espírito.
  • Vide breve6750