Origenes Palavras

Orígenes — Tratado da Oração — Comentário ao Pai Nosso

XXI Nada de palavras supérfluas
1 Mas, ao orarmos, não acumulemos palavras vazias, mas sim, dignas de Deus. São vazias as nossas palavras, quando não nos repreendemos a nós mesmos nem examinamos com severa atenção as palavras que pronunciamos na oração, e dizemos palavras e pensamentos impuros e abjetos, coisas indignas, alheias à pureza do Senhor.

O palavrório na oração deixa aquele que assim ora, em pior condição do que aquele que ora com prazer na sinagoga, e num caminho mais perigoso do que aquele que, em pé, ora nas esquinas das praças, pois não guarda nem mesmo a aparência de virtude.

A julgar pelos textos do Evangelho, só os pagãos são assim loquazes, pois não têm noção da oração elevada e celeste, e se contentam em rogar os bens corporais e exteriores. Semelhante, portanto, a um pagão com o seu palavrório vazio, é aquele que pede bens terrenos ao Senhor que habita os céus e as mansões acima dos céus.

2 Palavrório excessivo é semelhante a palavrório inútil. Nada que é material e corporal é simples. Assim tudo aquilo que parece simples é realmente dividido, decomposto em muitas partes que perderam a unidade.

A virtude é simples; múltiplas são as coisas más. Una é a verdade, múltipla a mentira. Una a verdadeira justiça, múltiplas as atitudes que falsamente passam por ela. Una é a sabedoria de Deus, muitas as sabedorias “deste mundo e dos príncipes deste mundo” (1 Cor 2,6). A palavra de Deus é una, mas muitas são as palavras alheias a Deus. Por isso, “no multilóquio ninguém fugirá do pecado” (Pr 10,19), nem é escutado quem “pensa ser ouvido à força de palavrório” (Mt 6,7).

Assim portanto, cuidemos ao orar, de não ser semelhantes aos pagãos, que enchem a boca de abundantes palavras ocas, ou tudo fazem, “à semelhança das serpentes” venenosas (Sl 57,5). O Deus dos santos, sendo Pai, conhece tudo de que precisam os seus filhos, porque são coisas próprias do conhecimento (gnosis) paterno. Se alguém ignora Deus, ignora também as coisas de Deus, e ignora igualmente aquilo de que precisa. São viciosas as coisas de que julga precisar.

Ao contrário, porém, quem contemplou os bens superiores e divinos, dos quais tem necessidade, obtê-los-á de Deus Pai, que já os conhecia antes que fossem pedidos. Depois de todas estas explicações sobre o que, em Mateus, precede a oração, vejamos agora o conteúdo da própria oração.