Orígenes — Tratado da Oração
XI Orar com Cristo, com os anjos e com os santos
1 Não é somente o Sumo Sacerdote que ora com aqueles que oram do modo devido, mas também os anjos que no céu mais se alegram “com um pecador que faz penitência, do que com noventa e nove justos que não precisam de penitência” (Lc 15,7), bem como também as almas santas dos que já adormeceram (no Senhor).
Isto se mostra com a passagem em que Rafael ofereceu a Deus um sacrifício espiritual por Tobias e Sara. Com efeito, após a oração de ambos, diz a Escritura: “A oração de ambos foi ouvida na presença da glória do grande Rafael, e ele foi enviado a curar os dois” (Tb 3,16-17).
O mesmo Rafael, ao dar a conhecer o que por eles fizera, como anjo enviado por Deus, declara: “Quando fazias a tua oração com tua esposa Sara, era eu que apresentava a vossa oração diante do Santo” (Tb 12,12).
E pouco adiante: “Eu sou Rafael, um dos sete Anjos que oferecem as orações dos santos e penetram diante da glória do Santo” (id. 12,15). Assim, pois, segundo a palavra de Rafael, “é boa coisa a oração unida ao jejum, à esmola e à justiça” (id. 12,8).
Também Jeremias é apresentado no livro dos Macabeus como “ilustre por sua idade e glória, de modo que a sua fama era admirável e mais excelente do que a de outros. Ele estendeu a mão direita e deu a Judas uma espada de ouro” (2 Mc 15,13. 15). Do mesmo deu testemunho Onias, um outro santo, já falecido: “Este é Jeremias, o Profeta de Deus, que muito ora pelo povo e pela cidade santa” (id. 15,14).
2 Considerando que o conhecimento (gnosis) no tempo presente é dado aos santos como que através de uma visão, em espelho e em enigma, ao passo que na vida futura será face a face, é absurdo não recorrer a esta mesma analogia para julgar as outras virtudes, principalmente porque aquilo que é preparado nesta vida, conseguirá a perfeição na outra.
Uma das mais altas dessas virtudes, segundo a palavra divina, é a caridade para com o próximo.
É preciso pensar que os santos, que já morreram, a praticam em relação aos que lutam nesta vida, muito mais do que aqueles que ainda vivem na fraqueza humana e ajudam os fracos em sua luta.
Não é somente aos que estão no mundo, que se aplica esta palavra: “Se um membro sofre, sofrem com ele todos os membros, e se um membro é honrado, todos os membros se alegram com isto” (1 Cor 12,26). Pois outro tanto se pode dizer da caridade dos que deixaram esta vida: “Na solicitude de todas as igrejas, quem desfalece, que eu também não desfaleça? Quem se escandaliza, e eu também não me abrase?” (2 Cor 11, 28-29).
O próprio Cristo, aliás, afirmou que é enfermo em cada um dos santos que são enfermos, e que está preso, que está nu, que está sem teto, e tem fome e está com sede (Mt 25,35-40). Quem, pois, ignora, entre os que leram o Evangelho, que Cristo declara seus os sofrimentos dos fiéis?
3 Se “os anjos de Deus, aproximando-se de Jesus o serviram” (Mt 4,11), não é correto pensar que o ministério dos anjos se exercia, por pouco tempo, durante a sua permanência corporal entre os homens, e enquanto ele esteve no meio dos fiéis, não como aquele que se assenta à mesa, mas como aquele que serve (cf. Lc 22,27).
Quantos anjos, portanto, podemos pensar que sirvam a Jesus a congregar os filhos de Israel um depois do outro (cf. Is 27,12), a reunir os dispersos (cf. Jo 7,35), a resgatar os que o temem e o invocam (cf. Rm 10,12-13)?
Mais do que os Apóstolos, os anjos trabalham pelo crescimento e extensão da Igreja. No livro do Apocalipse, João diz que certos anjos presidem às Igrejas.
Não é, pois, em vão que os anjos de Deus sobem e descem sobre o Filho do Homem (cf. Jo 1,51), vistos por aqueles que têm os olhos iluminados pela luz de conhecimento (gnosis) superior.
4 Assim, os anjos, durante o tempo da oração, se tornam conscientes daquilo que falta àquele que ora, e fazem o que podem por ele, cumprindo um mandamento que receberam, de alcance universal.
É preciso recorrer a uma imagem, para melhor mostrar o que estamos dizendo.
Imaginemos um médico consciencioso. Ele atende a um doente que lhe pede a própria cura. Sabe como curar a doença daquele enfermo que o procurou. É evidente que esse médico se empenha em curar o homem que lho pede, mas, não sem razão, supõe que este é o plano de Deus que escutou a oração do paciente a pedir a cura.
Ou, então, imaginai um homem que possui em grande quantidade os bens deste mundo e que, por ser generoso, escuta a oração de um pobre que se dirige a Deus em suas necessidades.
É também evidente que esse homem, ao satisfazer ao desejo do pobre, coopera com a vontade paterna de Deus. Foi Deus, com efeito, que, no tempo da oração, conduziu ao mesmo lugar, o suplicante e aquele que pode ajudar, o qual por seu coração generoso não pode desprezar a indigência do outro.
5 Quando tais coisas acontecem, não devem ser consideradas obra do acaso. Pois “aquele que contou todos os fios de cabelo da cabeça dos santos” (cf. Mt 10,30; Lc 12,6), harmoniosamente juntou, no tempo da oração, o que vai ser ministro do benefício e o que precisa de auxílio e orou com fé. Assim, podemos pensar que os anjos, inspetores e ministros de Deus, estão junto do homem que ora e se unem à sua petição. De outro lado, o anjo de cada um de nós, inclusive dos menores na Igreja, “sempre contemplando a face do Pai que está no céu” (Mt 18,10), e vendo a divindade do nosso Criador, ora conosco e faz tudo que pode para cooperar conosco em nossos pedidos.