cólera

Ele escolheu conduzir nos montes uma vida solitária, afastada do tumulto das praças e dedicada a guardar os rebanhos no deserto. A história nos conta (Ex 3, 1-6) que, passado algum tempo nesta vida, Moisés recebeu uma surpreendente aparição de Deus: em um tranqüilo meio dia, reluziu ante seus olhos uma luz mais forte que a luz do sol; estranhando o inusitado do espetáculo, levantou os olhos para o monte e viu um arbusto do qual saia um resplendor como de fogo. Como os ramos da planta estavam verdes como se as chamas fossem orvalho, disse a si mesmo estas palavras: vamos e vejamos este grande espetáculo. Isto nos diz que o prodígio da luz não somente se mostrou a seus olhos mas, o que é mais impressionante de tudo, seus ouvidos foram iluminados com os resplendores da luz. Com efeito, a graça da luz foi distribuída a ambos os sentidos: os olhos foram iluminados com os resplendores da luz, e os ouvidos foram levados à luz com instruções puríssimas. Isto é, a voz que saía daquela luz proibiu Moisés de aproximar-se do monte com calçados feitos de peles mortas; quando ele livrou seus pés dos calçados, tocou assim aquela terra que estava iluminada com a luz divina. Depois dessas coisas, não julgo oportuno que o discurso se entretenha muito na história deste homem, para ater-nos mais a nosso propósito, fortalecido com a teofania que vira, recebeu a missão de livrar o seu povo da escravidão dos egípcios. E para que melhor se convencesse da força que recebia do alto, ele, por disposição de Deus, faz a experiência com o que tem nas mãos. Esta foi a experiência: o bastão que sua mão deixou cair se animou, e quando foi retomado por suas mãos, voltou a ser o que era antes de transformar-se em animal. Depois o aspecto de sua mão quando a tira do seio se transforma em um branco como de neve, e reintroduzida ao seio recobra seu aspecto natural (Ex 4, 2-7). Quando Moisés descia do Egito levando consigo sua esposa, que era estrangeira, e os filhos que tinha tido com ela, conta-se que um anjo saiu-lhe ao encontro causando-lhe um medo de morte, e que a mulher o aplacou com o sangue da circuncisão do menino. Foi então que ocorreu o encontro com Aarão que fora impelido por Deus para este encontro (Ex 4, 24-28). Ambos convocam então o povo para uma assembléia geral e anunciam aos que estavam oprimidos pelo padecimento dos trabalhos, a libertação da escravidão. Sobre este tema ele teve uma conversa com o tirano. Por causa dessas coisas, aumentou a CÓLERA do tirano contra os que dirigiam os trabalhos e contra os israelitas: aumentou então o tributo de ladrilhos, e enviou uma ordem mais pesada, de forma que os israelitas não só padeciam pelo barro, mas também eram sobrecarregados por causa da palha e das canas (Ex 5, 1-23). Depois o Faraó, este era o nome do tirano egípcio, tentou fazer frente, com os encantamentos dos feiticeiros, aos prodígios que eles faziam pela vontade de Deus. Quando Moisés tornou a converter seu bastão em animal ante os olhos dos egípcios, a magia pareceu realizar o mesmo prodígio nos bastões dos magos. Porem o engano foi desmascarado, pois a serpente surgida da transformação do bastão de Moisés, ao comer os troncos dos magos, isto é, as serpentes, demonstrou assim que os bastões dos magos não tinham nenhuma força para se defender e nem para viver, mas apenas a aparência de um truque mágico para verem os olhos daqueles que eram fáceis de enganar (Ex 7, 8-12). Quando Moisés viu que todos os súditos estavam de acordo com o príncipe da maldade, fez vir uma praga geral sobre todo o povo egípcio, sem que ninguém escapasse da experiência dos males. E para infligir este castigo aos egípcios, cooperaram com ele os mesmos elementos que vemos no universo: a terra, a água, o ar, o fogo, que trocaram suas forças conforme a vontade dos homens. HISTÓRIA DE MOISÉS 2.

Assim lhes construiu a tenda e lhes transmitiu as leis, estabelecendo o sacerdócio conforme o que lhe havia sido ensinado por Deus. Depois fez que se realizassem os trabalhos materiais conforme a instrução divina: a tenda, os vestíbulos, todas as coisas interiores, o altar de incenso, o altar dos holocaustos, o lampadário, os tapetes, as cortinas, o propiciatório no interior do santuário, os ornamentos sacerdotais, os perfumes, os diversos sacrifícios, as purificações, os ritos de ação de graças, de impetração contra os males, de expiação dos pecados; tendo ordenado todas estas coisas da maneira devida, suscita contra si a inveja de seus íntimos, essa enfermidade tão familiar à natureza dos homens. De fato, tanto Aarão, honrado com a dignidade do sacerdócio, como também sua irmã Maria, movida por uma inveja especificamente feminina contra a honra que Deus havia dado a ele, disseram coisas que moveram Deus a castigar este pecado. Nesta ocasião, Moisés se mostrou digno de admiração por sua mansidão, pois enquanto Deus queria castigar a ilógica inveja, ele antepunha a natureza à CÓLERA e intercedia perante Deus por sua irmã (Nm 12, 1-13). A plebe se entregou novamente à desordem. O começo do pecado foi a desmedida nos prazeres do ventre. Não lhes bastava viver saudável e agradavelmente do alimento que lhes vinha de cima, mas o desejo de iguarias e a ânsia de comer carne os fizeram preferir a perpétua escravidão do Egito aos bens que já tinham. Moisés falou com Deus a respeito da paixão que se havia abatido sobre eles, e este, ao lhes conceder alcançar precisamente aquilo que desejavam, os ensinou que não era conveniente se comportar assim. De fato, de improviso fez cair no acampamento uma multidão de pássaros que voavam em grande número a rés do solo, com o que facilmente caçados saciou o desejo dos que ansiavam por carne fresca (Nm 11, 4-6 e 31-32). Para uma grande parte deles, o excesso de comida transformou o equilíbrio dos humores de seus corpos em vômitos corrompidos, e a saciedade se converteu em enfermidade e morte. Seu exemplo foi suficiente para levar a temperança a eles mesmos e aos que os assistiam (Nm 11, 33-34). Então Moisés enviou exploradores àquela região que, segundo a promessa divina, esperavam habitar. Como nem todos contaram a verdade, mas alguns deram notícias falsas e más, o povo se encheu de ira contra Moisés mais uma vez. Aqueles que desconfiaram da ajuda divina, Deus castigou não lhes deixando ver a terra que lhes havia prometido (Nm 13, 1-14, 38). Ao prosseguir sua marcha através do deserto, faltou novamente a água e, juntamente com ela, lhes faltou a lembrança do poder de Deus. Na verdade, o prodígio da rocha que já havia tido lugar, não lhes foi suficiente para crer que nada do necessário lhes faltaria agora, mas, afastando-se das mais saudáveis esperanças, propalaram ultrajes contra Deus e contra Moisés até o ponto em que mesmo Moisés pareceu se deixar levar pela desconfiança do povo. Não obstante, novamente realiza o milagre transformando em água aquela rocha bruta (Nm 20, 2-11). Mais uma vez, o prazer vulgar da comida despertou neles o desejo de fartar-se e, embora ainda não lhes faltasse nenhuma das coisas necessárias para a vida, sonharam com a saciedade do Egito. Os jovens rebeldes foram corrigidos com castigos mais severos, ao lhes inocular veneno as serpentes mordendo-os em um ataque mortal (Nm 21, 4-6). Posto que um após outro sucumbiam à serpente, o Legislador, movido pelo conselho divino, fez uma figura de serpente em bronze e mandou colocá-la no alto para que estivesse à vista de todo o acampamento. E assim deteve o dano que estes animais faziam ao povo, e pôs fim a sua destruição. Com efeito, quem olhava para a imagem da serpente feita de bronze não tinha porque temer nenhuma mordida da serpente verdadeira, porque o olhar debilitava o veneno com uma misteriosa resistência (Ex 21, 7-9). HISTÓRIA DE MOISÉS 10.

Como mais uma vez se originasse no povo uma rebelião para conseguir o poder, e alguns tentassem pela força que fosse transferido para eles o sacerdócio, ele suplicou uma vez mais a Deus pelos que pecavam, porem o rigor do juízo divino foi mais forte que a compaixão de Moisés por sua gente. A terra, que por vontade divina se abrira como uma boca, fechou-se novamente sobre si mesma, tragando totalmente todos os que se opunham a autoridade de Moisés; aqueles que se haviam envolvido em intrigas para alcançar o sacerdócio, devorados pelo fogo em número próximo de duzentos e cinqüenta, com sua desgraça ensinaram sensatez ao povo (Nm 16, 1-35). Para que os homens se persuadissem mais de que a graça do sacerdócio é concedida por Deus aos que são dignos, Moisés fez com que os homens principais de cada tribo trouxessem bastões, marcados cada um com o sinal de seu dono. Entre estes se encontrava o do sacerdote Aarão. Tendo colocado os bastões diante do santuário, neles mostrou ao povo o desígnio de Deus no que diz respeito ao sacerdócio: dentre todos, somente o báculo de Aarão floresceu e produziu fruto do lenho, – o fruto era uma noz -, e o levou ao amadurecimento (Nm 17, 16-24). Mesmo para os que não criam pareceu um enorme prodígio que o que estava seco, sem casca e sem raiz, se tornasse fértil de repente, e que realizasse o que realizam as plantas com raízes, fazendo, o poder divino, para o lenho as vezes da terra, córtex, umidade, raiz e tempo. Depois disto Moisés, guiando o exército entre povos estrangeiros que se opunham à sua passagem, promete com juramento que o povo não atravessaria suas lavouras nem seus vinhedos, mas que seguiria o caminho real, sem desviar-se nem para a direita nem para a esquerda. Como nem assim se aquietassem os inimigos, vencendo seu adversário em combate, faz-se dono do caminho (Nm 20, 17). Então certo Balac, que dominava sobre o povo mais importante, -madianitas era o nome desse povo-, compadecido da sorte dos vencidos e imaginando que padeceria as mesmas coisas por parte dos israelitas, não leva em sua ajuda nenhum contingente de armas ou de pessoas, mas a arte da magia através de certo Balaam, o qual tinha fama de ser versado nestas coisas e, segundo a convicção daqueles que o haviam procurado, tinha certo poder nesta atividade. Sua arte era a da adivinhação, porem com a ajuda dos demônios era temível, fazendo cair males incuráveis sobre os homens com poder mágico (Nm 22, 2-8). Este, enquanto segue aos que o conduzem ao rei do povo, conhece pela voz da jumenta que o caminho não lhe seria favorável. Depois conhecendo por uma visão o que devia fazer, descobriu que sua magia era demasiado débil para causar dano àqueles que estavam acompanhados por Deus na luta. Balaam possuído pela inspiração divina em lugar da energia dos demônios, disse palavras tais que claramente são uma profecia das melhores coisas que lhes sucederia mais adiante aos israelitas. Ao ser impedido de utilizar sua arte para o mal, tomando então consciência do poder divino, afastou-se da adivinhação e se fez intérprete da vontade divina (Nm 22, 22-24). Depois disto, os estrangeiros foram exterminados pelo povo em um combate contra eles; este por sua vez resultou vencido pela paixão da incontinência pelas cativas. Finéias atravessou com uma só lança aos que estavam entrelaçados na ignomínia; então teve descanso a CÓLERA de Deus contra aqueles que se haviam deixado arrastar às uniões ilícitas (Nm 25, 1-9). Finalmente, o Legislador, subindo a um monte e contemplando de longe a terra que estava preparada para Israel segundo a promessa feita por Deus aos pais, abandonou a vida humana sem haver deixado sobre a terra nenhum sinal, nem uma recordação de seu trânsito com algum monumento funerário. O tempo não havia maltratado sua formosura, nem havia obscurecido o fulgor de seus olhos, nem havia debilitado a graça resplandecente de seu rosto (Dt 34,1-7), mas permaneceu sempre idêntico a si mesmo e, desta forma, conservou, mesmo na maturidade, a imutabilidade na beleza. Expus para ti em grandes traços quanto aprendemos sobre a história do homem em seu sentido literal, ainda que também tenhamos alargado necessariamente o discurso naquelas coisas em que de algum modo havia razão para isso. Talvez já seja tempo de aplicar a vida que acabamos de recordar ao objetivo a que nos propusemos em nosso discurso com o fim de obter alguma utilidade para a vida virtuosa. Retomemos pois o começo do relato desta vida. HISTÓRIA DE MOISÉS 11.

Como pode a história estabelecer uma lei contrária à razão? Considerando a interpretação espiritual, não será mais razoável crer que isto sucede como figura e que, através do que foi dito, o Legislador quis propor um ensinamento? O ensinamento é este: que quem se empenha na luta da virtude contra o vício deve faze-lo desaparecer em seus primeiros brotos. De fato, com a destruição dos primeiros brotos, se destroi também o que lhes segue em continuação, como nos ensina o Senhor no Evangelho, ordenando quase com as mesmas palavras destruir os primogênitos dos vícios egípcios; exorta-nos assim a cortar a concupiscência e a ira (Mt 5, 22 e 28), e a não ter medo nem da sujidade do adultério, nem da mancha do homicídio, pois nenhum destes males tem consistência por si mesmo, mas que é a CÓLERA que leva a cabo o homicídio e o desejo é que conduz ao adultério. Precisamente porque aquele que engendra o mal, antes do adultério produziu o desejo e antes do crime produziu a CÓLERA, quem destroi o primogênito destroi totalmente a descendência que segue o primogênito, do mesmo modo que quem golpeou a cabeça da serpente matou com o mesmo golpe o corpo que rasteja atrás. Porem isto não poderia acontecer se previamente não tivessem sido borrifadas as ombreiras das portas com aquele sangue que afugenta o Exterminador (Ex 12, 23). E se queremos captar com maior exatidão o sentido de quanto se diz, a história no-lo insinua através destas coisas: através da morte do primogênito e através da proteção da entrada com o sangue. Ali, com efeito, se destroi o primeiro movimento do mal e aqui mesmo, pelo verdadeiro cordeiro, se afasta a primeira entrada do mal em nós. Pois uma vez que o exterminador esteja dentro, não o expulsaremos com um simples pensamento; vigiemos com a Lei, para que nem se quer comece a entrar em nós. A vigilância e a segurança consistem em sinalizar com o sangue do cordeiro o montante e as ombreiras da entrada (Ex 12, 22). A Escritura nos explica estas coisas da alma com figuras; também a ciência profana as intuiu ao distinguir a alma em seu aspecto racional, concupiscível e irascível. Deles – diz – o irascível e o concupiscível estão abaixo, sustentando cada um a parte racional da alma, e assim a parte racional, tendo subjugadas as outras duas, as governa e, por sua vez, é sustentada por elas: é impulsionada ao valor pelo apetite irascível e é elevada pelo apetite concupiscível à participação no bem. Enquanto a alma se encontra estabilizada nesta disposição, estando segura por pensamentos virtuosos como se fossem cavilhas, dá-se uma cooperação para o bem de todas as faculdades entre si: a parte racional dá segurança por si mesma às partes que lhe estão submetidas e, por sua vez, recebe o mesmo benefício da parte delas. Porem se a ordem for invertida e o que está acima passar par baixo, caindo para a parte em que é pisada, a razão fará subir sobre si as disposições concupiscível e irascível, e então, o exterminador entrará no interior, sem que se oponha a ele nenhum repúdio proveniente do sangue, isto é, sem que a em Cristo ajude no combate àqueles que se encontram nestas disposições. Manda borrifar com sangue primeiro o montante, e besuntar depois as ombreiras de um lado e outro. Como poderia alguém untar primeiro o que está acima, se não estivesse em cima? Não estranhes se estes dois episódios – a morte dos primogênitos e a aspersão do sangue – não acontecem igualmente aos israelitas, e não repudies, por causa disto, nossa consideração a respeito da destruição do mal, como se estivesse fora da verdade. Interpretamos a diferença entre os nomes hebreu de egípcio como a diferença entre a virtude e o vício. Se, pois, o sentido espiritual sugere entender o israelita como o bom, não seria coerente que alguém tentasse matar as primícias dos frutos da virtude, mas aquelas cuja destruição é mais útil que sua conservação. Assim pois, coerentemente, aprendemos com Deus que é necessário destruir as primícias da estirpe egípcia, para que seja destroçado o mal, aniquilado com a destruição de seus primeiros brotos. Esta interpretação está de acordo com a história. A proteção dos filhos dos israelitas tem lugar por meio da aspersão do sangue para que o bem chegue à plenitude; por outro lado, aquele que ao amadurecer haveria de constituir o povo egípcio, este é destruído antes que chegue à plenitude no mal. O que segue está de acordo com a interpretação espiritual que propusemos, acomodando-se ao sentido do discurso. Prescreve-se, com efeito, que se converta em nosso alimento o corpo daquele do qual fluiu este sangue que, mostrado nos montantes das portas, afasta o exterminador dos primogênitos dos egípcios. A atitude dos que levam à boca esta comida há de ser sóbria e conforme com pessoas que têm pressa, não como a que se vê naqueles que se divertem em banquetes, cujas mãos estão soltas, as vestes sem cingir, os pés livres de calçados de viagem. Aqui tudo é o oposto. Os pés estão aprisionados nos sapatos, o cinturão cinge as pregas da túnica aos rins e, na mão, o bastão que defende dos cães (Ex 12, 11). E neste atavio, a comida é posta diante deles sem nenhuma preparação complicada, mas elaborada apressadamente sobre o fogo, de forma improvisada. Os convidados a devoram rapidamente, a toda pressa, até que todo o corpo do animal tenha sido consumido. Comem tudo o que é comestível em redor dos ossos, porem não tocam no que está dentro, pois é proibido romper os ossos deste animal. O que sobra de comida é consumido pelo fogo (Ex 12, 9-10 e Nm 9, 12). De tudo isto se depreende com clareza que a Escritura está visando um significado mais elevado, já que a Lei não nos ensina o modo de comer, para estas coisas é suficiente guia a natureza, a qual colocou em nós o apetite, mas através disto quer significar outra coisa. De fato, que tem a ver com a virtude ou o vício a comida ser apresentada de uma forma ou de outra, com a cintura cingida ou sem cingir, descalços os pés ou com os sapatos, tendo o bastão na mão ou o havendo deixado? Resulta claro, ao contrário, o que significa simbolicamente a preparação do aparato de viagem. Convida-nos diretamente a que reconheçamos que na vida presente estamos de passagem, como caminhantes, impelidos desde o nascimento até à morte pela mesma necessidade das coisas. E que é necessário que as mãos, os pés e tudo o demais estejam preparados para esta saída a fim de ter segurança no caminho. Para que não sejamos feridos nos pés desprotegidos e descalços pelos espinhos desta vida, os espinhos poderiam ser os pecados, protejamo-los com a defesa dos sapatos. Isto é a vida casta e austera, que quebra e dobra por si mesma as pontas dos espinhos, e evita que o mal penetre dentro de nós com um começo pequeno e imperceptível. Uma túnica que flutua solta sobre os pés e que se enreda entre as pernas seria um estorvo para quem anda corajosamente por este caminho, segundo Deus. Neste contexto, poderíamos entender a túnica como a relaxação prazenteira nos cuidados desta vida a qual uma mente sábia, convertendo-se em cinturão do caminhante, reduz e aperta. Que o cinturão é a temperança, se atesta pelo lugar ao qual cinge. O bastão que defende das feras é a palavra da esperança, com a qual sustentamos a alma em suas fadigas e afugentamos os que ladram. O alimento para nós preparado no fogo comparo com a cálida e ardente que acolhemos sem demora, de que comemos quanto de comestível está à mão do que come, enquanto deixamos de lado, sem buscar e sem espiar curiosamente, a doutrina que está velada em conceitos duros e dificilmente assimiláveis, entregando ao fogo um alimento semelhante. Para explicar os símbolos utilizados em relação a isto, dizemos o seguinte: alguns dos ensinamentos divinos têm um sentido exeqüível; não convém recebe-los preguiçosamente nem de má vontade, mas saciar- nos, como famintos impelidos pelo apetite, dos ensinamentos que estão diante de nós, de forma que o alimento se converta em robustecimento para nossa saúde. Outros ensinamentos são obscuros, como o indagar qual é a substância de Deus, ou o que existia antes da criação, ou o que há alem das aparências, ou que necessidade marca os acontecimentos, e todas as coisas deste estilo que são investigadas pelos curiosos; é necessário deixar que estas coisas só sejam conhecidas pelo Espírito Santo, que penetra as profundidades de Deus, como diz o Apóstolo (1Co 2, 10). Com efeito, ninguém que esteja familiarizado com a Escritura ignora que nela o Espírito freqüentemente é lembrado e é designado como fogo. Somos levados a esta interpretação pela advertência da Sabedoria: Não especules sobre o que te ultrapassa (Eclo 3, 22), isto é, não rompas os ossos do ensinamento, pois não te é necessário o que está escondido (Eclo 3, 23). INTERPRETAÇÃO MÍSTICA DA VIDA DE MOISÉS 14.

Voltemos ao ponto em que estávamos. Aqueles que já avistam a virtude e seguem o Legislador em seu estilo de vida, quando abandonam os limites do domínio dos egípcios, são perseguidos pelos ataques das tentações que provocam ansiedades, medos e perigos em relação ao êxito final. Assustada por estas coisas, a alma dos principiantes na cai em completa desesperança em conseguir os bens. Porem, se Moisés ou alguém como ele se encontra à liderança do povo, ao medo se oporá o conselho, reconfortando a alma em seu desfalecimento com a esperança da ajuda divina. Mas isto não ocorrerá se o coração de quem está na liderança não fala com Deus. De fato, a muitos que estão colocados nesta posição só preocupa a maneira como se encontra organizado o que se vê, enquanto que as coisas que estão ocultas, que só são vistas por Deus, lhes produzem um cuidado pequeno. Não foi assim com Moisés. Quando exortava os israelitas a terem confiança, mesmo não pronunciando exteriormente nenhuma palavra dirigida a Deus, o próprio Deus testemunha que gritou (Ex 14, 13-15), ensinando-nos a Escritura – penso – que a voz que é sonora e sobe aos ouvidos divinos não é o clamor que tem lugar com vozes, mas o pensamento interior que sobe de uma consciência pura. A quem se encontra nesta situação, parece pequeno o irmão como ajuda para as maiores batalhas, refiro-me àquele irmão que saiu ao encontro de Moisés quando, conforme o mandado de Deus, se dirigia aos egípcios, e a quem nosso discurso apresentou em seu ministério de anjo (Ex 4, 27). Agora tem lugar a manifestação do Ser transcendente, que se mostra de modo que possa ser captado por quem o recebe. Conhecemos pela história que isto aconteceu então e sabemos pela interpretação espiritual que isto ocorre sempre. De fato, cada vez que alguém foge do egípcio e, ao chegar fora de seus territórios, se assusta ante os ataques das tentações, e quando o inimigo rodeando com suas forças o perseguido só lhe deixa disponível o mar, o guia, isto é, a nuvem, lhe mostra a salvação imprevista que vem de cima. Até ali, ao mar, o conduz o guia, quer dizer, a nuvem (Ex 13, 21). Os que nos precederam interpretaram este nome dado ao guia como a graça do Espírito Santo que conduz ao bem os que são dignos. O que a segue atravessa a água, enquanto o guia lhe abre nela uma passagem estreita através da qual se realiza um caminhar seguro até a liberdade, onde desaparece debaixo da água aquele que o perseguia para escravizar. Quem ouve isto, talvez reconheça o mistério da água a que alguém desce junto com todo o exército do inimigo e da qual emerge só, depois de se afogar na água o exército inimigo (Ex 14, 26-30). Pois quem desconhece que o exército egípcio significa as diversas paixões da alma às quais se escraviza o homem? Isto são os cavalos, isto são os carros e os que estão montados neles; isto são os arqueiros, e os infantes e o resto do exército dos inimigos (Ex 14, 9). De fato, em que se diria que os movimentos de CÓLERA ou os impulsos ao prazer, à tristeza e à avareza diferem do exército que acabamos de mencionar? A afronta é pedra lançada pela funda, e o ataque de CÓLERA é lança que agita sua ponta, enquanto que os cavalos que puxam os carros com impulso irrefreável podem ser entendidos como o afã de prazeres. Nos três homens montados no carro – a quem a história chama tristates (Ex 14, 7) -, e que são levados por ele, reconhecerás, instruído pelo simbolismo do montante e das ombreiras das portas, a tríplice divisão da alma, pensando no racional, no concupiscível e no irascível. INTERPRETAÇÃO MÍSTICA DA VIDA DE MOISÉS 16.

Pois o erro da idolatria desapareceu completamente da vida, absorvido pelas bocas piedosas dos que realizaram em si mesmos o aniquilamento da matéria da impiedade por meio da confissão da . Os mistérios antigamente bem estabelecidos entre os idólatras se converteram em água que flui sem consistência, água que é bebida pelas mesmas bocas que em outro tempo eram seguidoras dos deuses. Assim pois, quando vês que os que antes se ajoelhavam ante esta vacuidade agora destroem e fazem desaparecer as coisas nas quais haviam posto sua confiança, não te parece que o relato anuncia abertamente que um dia todo ídolo será absorvido pelas bocas daqueles que se converteram do erro à piedade? Moisés arma os levitas contra seus compatriotas. E percorrendo o acampamento de um extremo ao outro, dão morte de forma indiscriminada aos que encontram, deixando à ponta da espada a escolha de quem partir ao meio. Ao causar a morte igualmente a todos os que encontra, o que decidia sobre a morte dos que eram suprimidos não era o ser inimigo ou amigo, estrangeiro ou vizinho, parente ou estranho; a mão acometia da mesma forma e atuava igual mente sobre todos os que atacava. Talvez a útil lição que nos oferece este relato seja a de que cai sobre eles um castigo indiscriminado porque todos foram cúmplices com o povo inteiro no mal, e todo o acampamento se havia feito um só homem no sentir. Da mesma forma, quem castiga com açoites alguém surpreendido em um delito golpeia com o chicote a parte do corpo que se lhe põe diante sabendo que a dor de uma parte se estende ao todo, assim também, posto que todo o corpo devia se castigado igualmente por ter estado unido na alma, o chicote atingiu o todo atuando sobre uma parte. Portanto, se a CÓLERA de Deus, ao contemplar a mesma maldade em muitos, não atuou contra todos senão só contra alguns, convém ter em conta que a correção foi feita por causa do amor ao homem; ainda que nem todos tenham sido castigados, com os golpes de alguns todos foram corrigidos para que se afastem do mal. Esta consideração está feita ainda ao fio da literalidade do relato. O sentido espiritual talvez possamos aproveitar do seguinte modo. O Legislador disse a todos em uma exortação pública: Quem estiver a favor do Senhor, que venha a mim (Ex 32, 26). É a voz da Lei convidando a todos: Se alguém quer ser amigo de Deus, que se faça meu amigo, da Lei, pois efetivamente, se alguém é amigo de Deus, se faz também amigo da Lei. A todos os que se reuniram em torno dele por causa deste chamado, Moisés ordenou tomar a espada contra o irmão, o amigo e o vizinho (Ex 32, 27). Se tivermos presente o contexto da consideração espiritual, entenderemos que todo aquele que presta atenção a Deus e à Lei se purifica com a morte dos costumes que habitam perversamente nele. Com efeito, as palavras irmão, amigo ou vizinho nem sempre são usadas pela Escritura no bom sentido, mas há ocasiões em que o irmão é um estrangeiro, o amigo um inimigo, o vizinho alguém que se levantou como adversário. Entendemos por estes, nossos pensamentos íntimos, cuja vida causa nossa morte, e cuja morte causa nossa vida. INTERPRETAÇÃO MÍSTICA DA VIDA DE MOISÉS 33.

O fato de que o investigador do vôo das aves, que mencionamos, praticava a magia é atestada pelo relato quando diz que tinha o poder de fazer vaticínios na mão e de consultar através das aves e, antes disso, que havia conhecido pelo zurro da jumenta o concernente à rivalidade que tinha diante. A Escritura apresentou o zurro da jumenta como uma palavra articulada, porque ele habitualmente consultava com uma força diabólica as vozes dos animais. Mostra-nos com isto que quem está enredado com este engano dos demônios chega inclusive a tomar como uma palavra racional o ensinamento que encontra na observação dos sons dos irracionais. Ao escuta-la, compreendeu por aquelas mesmas coisas em que havia errado, que era invencível a força contra a qual o haviam alugado. Também na narração evangélica a turba de demônios chamada legião (Mc 5, 9 e Lc 8, 30), se prepara para se opor ao poder do Senhor. Porem quando se aproxima Aquele que tem o poder sobre todas as coisas, a horda proclama seu poder excelso e não oculta a verdade: que este é a força divina, e que em tempo vindouro infligirá o castigo aos pecadores. Pois diz a voz dos demônios: Sabemos quem és: o Santo de Deus, e que vieste antes do tempo a atormentar-nos (Mc 1, 24; 5, 7 e Lc 4, 34-35). Isto é o que sucedeu também então: o poder demoníaco que acompanhava o mago ensinou a Balaan que o povo era invencível e invulnerável. Harmonizando este relato com as coisas que já explicamos, dizemos que quem quer maldizer os que vivem na virtude não pode pronunciar nenhuma palavra hostil nem discordante, mas converte sua maldição em benção. Isto significa que a afronta da difamação não alcança os que vivem na virtude. Com efeito, como pode ser caluniado de avareza aquele que não possui nada? Como será reprochado de libertino aquele que vive só levando uma vida de anacoreta? De CÓLERA aquele que é manso? De orgulho aquele que é humilde? Ou como se dirigirá qualquer outra critica àqueles que são conhecidos pelo contrário, que têm por finalidade apresentar uma vida inacessível à critica a fim de que, como diz o Apóstolo, nosso adversário se envergonhe não tendo nada que dizer (Tt 2, 8)? Por esta razão disse a voz de quem havia sido feito vir para maldizer: como maldiria àquele que não maldiz o Senhor? (Nm 23, 8), isto é, como acusarei quem não oferece matéria de acusação, já que, por olhar sempre para Deus, leva uma vida inacessível ao pecado? Apesar de haver falado isto, o inventor da maldade não cessa em absoluto seu projeto contra os que tentava, mas muda a insídia para sua forma mais antiga de tentar, tentando atrair a natureza para o mal outra vez por meio do prazer. Com efeito, o prazer é apresentado por todo vício como isca que arrasta facilmente as almas sensuais a cair no anzol da perdição. É sobre tudo por meio do prazer impuro que a natureza é arrastada para o mal sem que se controle. É o mesmo que sucede agora. Com efeito, aqueles que haviam prevalecido sobre as armas, que haviam demonstrado que todo ataque de ferro era mais débil que sua própria força, e que com seu poder haviam feito fugir o exército dos inimigos, estes foram feridos pelos dardos femininos através do prazer. E os que haviam sido mais fortes que os varões se converteram em vencidos pelas mulheres. Com efeito, logo que vieram às mulheres que punham ante eles suas próprias formas em vez de armas, imediatamente esqueceram o ímpeto de seu valor, apagando seu ardor no prazer. Eles estavam em uma situação na qual era natural deixar-se levar à união proibida com estrangeiros. Com efeito, a vizinhança com o mal já era um afastamento da ajuda do bem. Imediatamente a Divindade se levantou em CÓLERA contra eles. Porem o zeloso Finéias não esperou que o pecado fosse purificado por uma decisão do alto, mas ele mesmo se converteu em juiz e verdugo (Nm 25, 1-9). Enchendo-se de ira contra quem se havia deixado levar pela paixão, fez as vezes de sacerdote purificando o pecado com sangue: não com o sangue de algum animal inocente, que não tivera parte na imundície da intemperança, mas com o dos que se haviam unido entre si no pecado. Sua lança deteve o movimento da justiça divina ao atravessar de um só golpe os corpos dos dois, mesclando com a morte o prazer dos pecadores. Parece-me que o relato propõe aos homens um ensinamento útil à alma. Através dele aprendemos que, sendo muitas as paixões que se opõem à razão do homem, nenhuma outra paixão tem tanto poder contra nós que possa igualar a enfermidade do prazer. Pois o fato de que aqueles israelitas, que unidos se haviam mostrado mais fortes que a cavalaria egípcia, haviam superado os amalecitas, haviam parecido temíveis ante o povo que lhes era vizinho e depois destas coisas haviam vencido a falange dos madianitas, hajam caído na escravidão da paixão quando viram as mulheres estrangeiras, mostra bem – como dissemos – que a voluptuosidade é para nós um inimigo difícil de combater e de vencer. Tendo vencido imediatamente, só com seu comparecimento, a homens impetuosos com as armas, a voluptuosidade levantou contra eles a bandeira da desonra, publicando sua infâmia à luz do sol. Pois mostrou que os homens, por sua causa, converteram em animais os que o impulso bestial e irracional à impureza convenceu a que esquecessem de sua natureza humana, a ponto de não encobrir sua impiedade, mas gloriar-se com a infâmia de sua paixão e adornar-se com a imundície da vergonha, chafurdando como porcos na lama da impureza, abertamente, à vista dos demais. Que lição tiraremos deste relato? Que sabedores de quanta força para o mal tem a enfermidade da voluptuosidade, mantenhamos nossa vida o mais afastada possível desta vizinhança, de forma que esta enfermidade, que é como um fogo que com sua proximidade acende a chama perversa, não tenha nenhum acesso a nós. Isto é o que ensina Salomão na Sabedoria ao dizer que não se deve pisar a brasa com o pé descalço e que não se deve introduzir fogo no seio (Pr 6, 27-28), pois está em nosso poder permanecer livres de paixão contanto que nos mantenhamos longe de avivar o fogo. Porem se, ao contrário, chegarmos a tocar este fogo ardente, penetrará em nosso seio o fogo da concupiscência, e então se seguirá a queimadura para o pé e a ruína para o seio. INTERPRETAÇÃO MÍSTICA DA VIDA DE MOISÉS 46.

O Senhor no Evangelho, com sua própria voz, para que nos mantivéssemos afastados deste mal, cortou o caminho, como raiz da paixão, da concupiscência que nasce do olhar, quando ensina que quem admite a paixão com a vista, abre, contra si mesmo, a porta da enfermidade (Mt 5, 28). As paixões perversas, como a peste, uma vez que tiverem dominado os pontos chaves, só cessam com a morte. Penso que não é necessário alargar o discurso apresentando ao leitor toda a vida de Moisés como exemplo de virtude. Com efeito, para quem se esforça por uma vida mais elevada, as coisas que já foram ditas servirão de não pequeno alimento para a verdadeira filosofia, enquanto que quem se encontra sem forças para os trabalhos da virtude não obteriam maior proveito com um escrito mais prolixo. Sem dúvida, para que não se esqueça a definição dada no começo na qual se baseava nosso discurso – que a vida perfeita é aquela à qual nenhum limite impede avançar, e que o constante progresso da vida ao melhor é para a alma o caminho para a perfeição – talvez seja bom que, levando o discurso até o final da vida de Moisés, se demonstre que a definição de perfeição que foi dada está certa. Com efeito, Moisés havendo se elevado durante toda a vida com estas ascensões, não duvidou em elevar-se sempre sobre si mesmo, de forma – penso – que sua vida perece em todas as coisas com a da águia, mais celestial e elevada que as nuvens, voando em círculos na abóbada celeste da ascensão espiritual. Nasceu quando entre os egípcios se tinha como um delito que nascesse um hebreu. Como o tirano castigasse então com a lei, ele foi superior à lei que dava morte, pois foi salvo primeiro por seus progenitores e, depois, pelos que haviam estabelecido a lei. E aqueles que haviam procurado sua morte com a lei, esses não só tomaram sobre si o cuidado de sua vida mas também o de uma educação bem planejada, conduzindo o menino através de toda a sabedoria. Depois disto, faz-se superior à honra humana e mais elevado que a dignidade régia, julgando que era mais forte e mais régio ter, em vez de servidores e da pompa real, a guarda da virtude e adornar-se com sua beleza. Depois disto, salva seu compatriota e fere com um golpe o egípcio, os quais, considerando-os à luz da interpretação espiritual, entendemos como o inimigo e o amigo da alma. Imediatamente faz do silêncio mestre de elevados ensinamentos, e desta forma ilumina seu espírito com a luz que resplandece da sarça. E então se apressa por fazer seus compatriotas partícipes dos bens que lhe foram dados por Deus. Com isto deu uma mostra dupla de sua virtude: com golpes variados e sucessivos mostrou, frente aos inimigos, sua força defensiva e, a seus compatriotas, sua força benfazeja. Conduz a pé através do mar este povo, sem haver preparado para si uma frota de navios, mas aprovisionando-os para a navegação com a como se fosse um navio; faz do abismo terra firme para os hebreus, e da terra firme, mar para os egípcios. Então os cantos de vitória. É guiado pela coluna de nuvem. É iluminado pelo fogo do céu. Prepara uma mesa com alimentos do alto. Sacia a sede com água da rocha. Eleva as mãos para a destruição dos amalecitas. Sobe à montanha. Entra nas trevas. Ouve a trombeta. Aproxima-se da natureza divina. Entra dentro do tabernáculo divino. Organiza o sacerdócio. Constrói a tenda. Regula a vida com leis. Leva a bom termo as últimas lutas da forma que explicamos. Para culminar suas obras retas, castigou a impureza por meio do sacerdócio: isto é o que significa a CÓLERA que, através de Finéias, se levantou contra a paixão. Depois destas coisas, se aproxima da montanha do descanso. Não caminha da terra daqui de baixo até a que, em razão da promessa, olha todo o povo. Ele, que se esforçou por viver do alimento que mana do céu, não experimenta mais um alimento terreno, mas elevado ao alto, acima mesmo da montanha, como um hábil escultor que trabalha a estátua inteira de sua vida, ao término de seu trabalho, pôs fim, sem coroa, à obra. Que diz o relato sobre isto? Que Moisés morreu, servo do Senhor segundo a palavra de Deus, e que ninguém conheceu seu sepulcro; que seus olhos não se apagaram, nem seu rosto se corrompeu (Dt 34, 5-7). Aprendemos que, depois de haver passado por tantos trabalhos, é considerado digno deste nome sublime, a ponto de ser chamado servidor de Deus, que é o mesmo que dizer que foi superior a tudo. Com efeito, nada serviria a Deus se não houvesse chegado a ser superior a tudo o que está no mundo. Para ele, este é o final da vida virtuosa dirigida pela palavra de Deus. A história a chama morte, morte vivente, que o sepulcro não é capaz de conter, sobre a qual não se levanta um túmulo, que não leva a cegueira aos olhos, nem a corrupção ao rosto. INTERPRETAÇÃO MÍSTICA DA VIDA DE MOISÉS 47.