Nothomb Segundo Relato 3,9

Paul Nothomb — O SEGUNDO RELATO

Gen 3,9 E Deus interpelou o Homem e lhe disse: «Onde estás? »

O texto que tomou o hábito, depois da abusiva denominação da Mulher, de citar os dois membros do casal por nomes distintos (sempre determinados quando se trata do «ish» e «isha» por um sufixo pessoal) retoma aqui o nome unitário H’DM «o homem» de sua Criação (Gen 1,27) para designar ao mesmo tempo um e outro e juntos, e sublinhar assim, no meu entendimento, dois pontos muito importantes. A princípio que Deus não chama o Homem por um nome (seja seu nome no texto) nem por um prenome, mas o interpela unicamente por um prenome da segunda pessoa, «tu», «ti» ou «vós». E sobretudo que esta primeira questão explícita de Deus ao Homem é «a questão», a única que lhe coloca sempre no fundo, aquela de seu «lugar» ou de seu «não-lugar», «onde te situas tu, no Éden ou no Exílio? » que vai continuar a princípio a lhe colocar sob diversas formas no diálogo que segue. Porque Deus não o sabe. Ao Homem, que é livre, e permanece livre o que quer que tenha, a lhe dizê-lo. Ou não.

Notemos que a questão ‘YKH (pronunciado «ayeka») consiste em um advérbio de lugar sufixado, literalmente «Onde tu? » sem verbo, logo sem «aspecto» nem tempo, e de um valor permanente.

Bíblia Aberta
Os rabinos chamam a atenção que neste versículo trata-se de uma chamada, um apelo. Deus não fala ao homem. Ele o chama para lhe falar.

Deus chama os profetas por uma razão, neste caso uma vocação e uma função a preencher. Mas Deus também pode interpelar o homem e incitá-lo a tomar responsabilidade.Neste texto Deus chama o homem culpado de ter adicionado desordem à desordem preexistente e eis aí uma terceira forma de chamada que se faz entender no coração mesmo da culpa e do remorso.

O homem é anônimo enquanto é inocente; ele é chamado — nomeado — após a falta!

A questão «onde estás?» pode ter diferentes formas, tais como colocadas por distintos rabinos: «donde estás?», «onde te situas doravante?», «como ousastes?», «como pudestes ir tão longe?»,… Todas traduzem bem o que a falta tem de estupeficante. Mas a formulação da chamada não deixa dúvida sobre sua verdadeira significação. Mais que uma reprimenda ou uma acusação, a chamada é um convite para o homem tomar consciência de sua situação. «Onde estás?»: Ainda estás no jardim? onde te levou tua falta? Em que mundo vives agora?.

Esta questão que, em hebreu, se faz em uma só palavra: ayeka, o judaísmo lhe conferiu um valor excepcional. Não esqueçamos que, em resumo, é a primeira palavra que Deus dirige ao homem em sua história. A primeira relação do divino à consciência humana se dá em uma questão, e seu valor excepcional, bem entendido, é que esta questão é permanente e universal. A todo homem, a todo momento, Deus demanda: «Onde estás? ».