Livro de Daniel

LIVRO DE DANIEL

Mitologia Grega
Mircea Eliade: História das Crenças e das Ideias Religiosas
Na sua forma atual, o livro de Daniel foi concluído por volta de ∼ 164. O autor descreve acontecimentos recentes ou contemporâneos sob a forma de profecias pronunciadas vários séculos antes. Esse procedimento (vaticinia ex eventu) é característico das literaturas apocalípticas: aumenta a fé nas profecias e, por conseguinte, ajuda os fiéis a suportar as provações presentes. Destarte, relata o livro de Daniel um sonho de Nabucodonosor (∼605-562). O rei tivera a visão de uma estátua: a cabeça era de ouro; o peito e os braços, de prata; o ventre e as coxas, de bronze; as pernas, de ferro e barro. De repente, uma pedra se desprendeu de um monte e atingiu a estátua: “Então se quebraram, a um tempo, o ferro, o barro, o bronze, a prata e o ouro, e ficaram reduzidos como a miúda palha que o vento leva para fora da eira no tempo do estio; e não ficou nada deles” (2: 32-36). Daniel interpreta o sonho: a cabeça de ouro é Nabucodonosor; depois dele, levantar-se-á outro reino, inferior, e, em seguida, um terceiro reino, de bronze, que dominará a terra inteira. O quarto, “duro como o ferro, quebrará e fará todos os outros em migalhas”, mas acabará sendo destruído. Então, “suscitará o Deus do céu um reino que não será jamais destruído, e este seu reino não passará a outro povo” (2: 44). Os reinos sucessivos dos assírios (i.e., o reino neobabilônico), dos medos e dos persas, e finalmente o reino de Alexandre, indicam um processo acelerado de decadência. Mas é sobretudo durante o quarto reino (ou seja, o de Antíoco Epifano) que a existência do povo de Israel se vê seriamente ameaçada. No entanto, assegura Daniel, avizinha-se o fim deste mundo decaído, e Deus edificará mais tarde o reino eterno. Ademais, Daniel descreve um de seus próprios sonhos, no qual viu ele quatro animais enormes saindo do mar. Os animais representam os quatro reinos destinados a perecer; no futuro, o domínio de todos os impérios será conferido “ao povo dos santos do Altíssimo” (7: 27).

Lembrando-lhes, em suma, os acontecimentos grandiosos do passado, especialmente a sequência de catástrofes que destruíram os Impérios militares, o autor do Daniel colimava um objetivo precioso: dar ânimo e coragem aos seus correligionários. Mas a sucessão dramática dos quatro reinos exprime, ao mesmo tempo, uma concepção unitária da história universal. É verdade que a imaginária mitológica denuncia uma origem oriental. O tema dos quatro reinos sucessivos, simbolizados pelos quatro metais, encontra-se em Hesíodo e no Irã. No que se refere aos quatro animais, temos para eles numerosos antecedentes: babilônicos, iranianos, fenícios. Da mesma forma, o “grande eão” de que fala o Primeiro Enoque (16: 1) é comparável à doutrina do “Grande Ano”. No entanto, Daniel e os apocalipses judaicos apresentam um elemento desconhecido nas outras tradições: os acontecimentos que constituem a história universal já não refletem o ritmo eterno do ciclo cósmico e já não dependem dos astros: desenvolvem-se de acordo com o plano de DeusS6. Nesse plano preestabelecido, Israel desempenha o papel central; a história precipita-se para o seu fim, em outros termos, é iminente o triunfo definitivo de Israel. Esse triunfo não será apenas de ordem política; efetivamente, o término da história equivale à salvação de Israel, salvação desde sempre determinada por Deus e inscrita no plano da História, em que pese aos pecados do seu povo.


Cabala
André Caquot: Excertos de Génies, anges et démons. Trad. Antonio Carneiro.

No livro de Daniel, marco canônico da literatura apocalíptica que floresceu no século II antes de nossa era, a multiplicação dos episódios maravilhosos e das visões celestes explica a abundante concorrência de figuras angélicas. Retenhamos na inovação a mais característica: alguns personagens do mundo celeste recebem nomes próprios, sinal que sua personalidade vai se acentuando. O visionário é esclarecido sobre o sentido do que vê por um anjo intérprete chamado Gabriel, « o homem de Deus » (VIII, 16, IX, 21). Aquele que tem em Daniel o papel que Zacarias confere ao « anjo de Yahwé » e que leva às costas de Yahwé)) o combate histórico e escatológico contra as nações pagãs é nomeado ((Miguel, « Quem-é-como-Deus? » (IX, 13, XII, 1).