NO PRINCÍPIO ERA O VERBO — STANISLAS BRETON — FILOSOFIA E MÍSTICA
A questão da preexistência não surgiu toda pronta de um cérebro de filósofo ou de teólogo. Ela é, e permanece ligada a um texto, um texto sagrado, que não é outro senão o Prólogo de São João. Pois a preexistência e a vida em Deus não são possíveis senão pela relação essencial ao Verbo que está em Deus e junto a Deus. Convém desde logo, sem pretender uma análise de exegese ou de semiótica, lembrar alguns aspectos do Prólogo que concernem nossa questão.
1. A primeira nota se relaciona ao Verbo e ao tempo do verbo no nosso texto. O verbo essencial é aqui o verbo «ser». O tempo é o imperfeito. Ora o imperfeito nada tem de comum com a ideia de uma imperfeição. Marca, ao contrário por seu acento de duração intemporal, o tempo sem tempo que significa a palavra eternidade. Frequentemente associado ao presente do verbo ontológico «é», se deixa pensar, no texto joânico, por seu equivalente «foi». Entre o presente e o imperfeito, a diferença poderia ser precisada da seguinte maneira: «é» exprime de alguma maneira o clarão de um surgimento; «foi» significa menos a permanência que o poder durativo que faz desta fulguração um clarão subsistente; clarão que tem de sua própria energia a perseverança em seu ser. Logo «foi» não contradiz ou modifica essencialmente o célebre Ego sum qui sum do Êxodo. De um a outro, pelo menos para nossos velhos mestres, não há e nem pode haver senão uma distinção de pontos de vista sobre uma mesma realidade singular. Todavia, «foi», se se visualiza do lado das criaturas, é o ponto focal que orienta o pensamento para a preexistência.
2. O substantivo preexistência, e mesmo o verbo «preexistir», arrisca, como se se insinuava mais alto, de indispôr, em razão dos perigos da duplicação que dela não se pode dissociar. Terei ocasião de voltar sobre estas delicadas questões. De momento, basta preparar a discussão que se impõe, recordando que, no Prólogo, todo o reino está encostado, pela virtude de sua contingência, a um prévio, expresso pelo imperfeito «foi» o qual, na interpretação medieval, significa a necessidade de um recurso a uma causalidade transcendente.
Tomemos, sem mais tardar, o texto do Prólogo tal qual o liam, no latim da Vulgata de São Jerônimo, os cléricos da Idade Média:
In principio erat Verbum et Verbum erat apud Deum et Deus erat Verbum. Hoc erat in principio apud Deum. Omnia per ipsum facta sunt, et sine ipso factum est nihil quod factum est. In ipso vita erat et vita erat lux hominum.
A tradução ecumênica da Bíblia é a seguinte: «No princípio era o Verbo, e o Verbo estava voltado para Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio voltado para Deus. Tudo foi feito por ele, e nada do que foi feito, não foi sem ele. Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens. »
Estas poucas linhas bastam. Elas representam o lugar que permitiu à reflexão de determinar o sentido da preexistência. Ruminados indefinidamente, estes versículos foram a substância da qual a metafísica, a teologia e a espiritualidade se alimentaram. Convém, em consequência, aí nos atermos, antes de voltar a nosso problema. Parece-me indispensável definir o sentido genérico, que é subjacente aos textos que se terá de explicar.
No princípio. In principio pode ser assim traduzido, e é a versão mais facilmente aceita. Nossos autores preferem «no princípio». Sem qualquer dúvida, João retoma aqui o incipit do Gênesis, interpretado no sentido de uma origem, em sua acepção mais radical, e não como pronto inicial de uma série temporal finita, qualquer que seja, a princípio, a crença, de fé neste época, na criação do mundo in tempore. A criação judeu-cristã, a partir do nada (creatio ex nihilo), é portanto pressuposta.
O Verbo. O Verbo é pensado em sua relação a Deus. E é em razão de sua relação ao Deus-Pai que ele mesmo é declarado deus (theos), sem artigo que o identificaria puramente e simplesmente ao Absoluto. Quais são, do Verbo a Deus, as relações que nos concernem em uma exegese da preexistência? São todos expressos em uma linguagem preposicional. E as preposições de maior interesse são as seguintes: junto a (fr. auprès), para (fr. vers), em (fr. dans), por (fr. par).
*VERBO JUNTO A
*VERBO EM
*VERBO POR
*VERBO TODO
*VERBO SENTIDO
Pelo jogo das quatro preposições: “junto a”, “para”, “em”, “por”, o estatuto ontológico do Verbo é suficientemente determinado. Nos resta, para completar estas preliminares, precisar dois outros termos muito importantes: tudo e nada; assim como a relação que une ao Verbo as diversas criaturas que fazem parte do todo.