Bom e Mau Servo (Mt XXIV, 45-51; Lc XII, 41-48)

PARÁBOLAS DE JESUS — O BOM E O MAU SERVO (Mt XXIV, 45-51; Lc XII, 41-48)

EVANGELHO DE JESUS: Mt 24:45-51; Lc 12:41-48

Tomas de Aquino: Catena aurea: Mateus, Lucas


Antonio Orbe: Irineu de Lião
Na Igreja há bons “presbíteros”, “os que sucedem aos apóstolos e com a sucessão no episcopado, receberam o carisma certo da verdade segundo beneplácito do Pai”. Frente a eles se levantam os hereges, afastados da sucessão autêntica e desviados da verdade. Entre uns e outros se movem aqueles que aos olhos de muitos passam por “presbíteros”, e são escravos de suas paixões.
O Salvador retrata os bons presbíteros como o servo fiel da parábola. O ecônomo (oikonomos) ou servo (gr. doulos) fiel responde, no NT, às dignidades do AT. Neles repousam os carismas de Deus. Ecônomo (“ator”) ou servo, na mente do Salvador, representa a um sucessor dos apóstolos, indivíduo qualificado de nível “presbítero” (bispo), e não um particular.

Tertuliano interpreta a parábola ao mesmo tempo que critica Marcion em sua reprodução no seu “evangelho”:

  • Nota-se uma diferença importante no Evangelho de Marcion com relação ao verso de Lc 12,46: “Virá o amo daquele criado no dia que menos espera e na hora que menos saiba, e o “apartará” (apokorisei auton) e porá sua ração com a dos infiéis”. Aplicado a Cristo (e a seu Pai, o Deus bom), era óbvio revestira o tom suave e tranquilo do Salvador. O verbo dikotemeo resultava demasiado forte; incompatível com a benignidade característica de Cristo ainda frente aos maus. O Salvador juiz se contenta com “apartar” de si aos pecadores, separados antes, por conta própria dele.
    Origenes volta-se para o sentido interior: se o homem é alma e leva em seu interior o espírito “divino”, indispensável a seu fim altíssimo, muito representa a dicotomia entre a psyche e o pneuma para os condenados. Abusaram do espírito, que os acompanhou sempre na vida, e de cujas inspirações não quiseram valer-se para ir a Deus. Em castigo virá o Amo (Cristo) e aplicará a dicotomia: de um lado a psyche (e o corpo)) com destino ao fogo, e do outro o “espírito” para se reabsorver em Deus.
  • A importância origeana da dicotomia (gr. dikotomesis) muito superior teologicamente a de Philon, provém de sua noção de anthropos = anima (não corpo e alma). Segundo a atual economia “positiva”, em que anthropos (divino) = anima e spiritus, ou psyche dotada (a modo de qualidade) de “espírito” divino, sem ser uma divisão em duas substâncias, a dicotomia equivale a uma sucessão entre a substância humana e a (substância) de Deus, a qual se dirigia a alma em virtude do “espírito”.

Roberto Pla: Evangelho de ToméLogion 41

Articulação sutil com a Parábola dos Talentos: O resultado final, o juízo, que decorre de manter escondida a irradiação da Palavra (o talento escondido na parábola dos Talentos), o descreve leve e sutilmente Mateus nesta parábola que examinamos Mt XXIV, 45-51. Em tal psíquico (psychikos que ignora em absoluto sua essência espiritual, seu Ser, se produz ao final uma dicotomia total entre o pneumático e o psíquico que determina o futuro de ambos. Ante a ausência de transferência espiritual aos campos estéreis do psíquico, os esponsais sagrados se dissolvem, os noivos se separam. Acerca disto se disse que a Palavra é mais cortante “que espada de dois fios. Penetra até as fronteiras entre a alma e o espírito” (Heb 4,12).