Giuseppe Faggin — Meister Eckhart e a mística medieval alemã
Excertos da tradução portuguesa da ECE Editora, 1984
A ESTRUTURA TEOLÓGICO-METAFÍSICA DA MÍSTICA ECKHARTIANA
(continuação)
Mas o neoplatonismo chegava ao Ocidente cristão ainda por outra via e através de outra contaminatio. As obras do Pseudo Dionísio, o Areopagita (De divinis nominibus, De hierarchia coelesti. De hierarchia ecclesiastica, Theologia mystica, Epistulae) — que remontam ao século V e foram traduzidas para o latim, primeiro pelo monge Hilduíno e depois por João Escoto Erígena, justamente até a metade do século IX, quando Alkindi reelaborava a Theologia Aristotelis — introduziam no mundo cristão o pensamento neoplatônico, mas na forma que havia recebido através da elaboração cristã. O primeiro a deixar-se seduzir por estas obras foi o próprio tradutor, Erígena, que no De Divisione naturae demonstrava até onde podia conduzir a doutrina neoplatônica invocada para constituirá estrutura metafísica da revelação e da experiência cristãs. Através de João Escoto Erígena perpetuava-se a intuição plotiniana da vida, mas ao mesmo tempo se acentuava cada vez mais o perigo de que o Cristianismo se desviasse para uma especulação puramente racional, obra dos homens. Sua atração se exercerá secretamente sobre os místicos posteriores, ortodoxos e heréticos e sobre o próprio Eckhart e será objeto de grandes amores e enormes ódios, acusado de panteísmo e apontado como fonte de ruinosas doutrinas e ao mesmo tempo, defendido como muito pouco panteísta. O mistério de sua exegese é o que encontramos em Plotino e o que encontraremos em Mestre Eckhart.
Também a sistematização teológico-filosófica de Agostinho, original mas claramente inspirada em alguns motivos plotinianos fundamentais, contribui para arraigar profundamente na especulação cristã este conjunto de ideias e de orientações de genuína entonação neoplatônica que, a despeito de qualquer peripatetismo, ficará como depósito sagrado em toda a filosofia escolástica.