MESTRE ECKHART — SERMÕES
Tradução de Marcos Beltrão
Sermão 101 — DUM MEDIA SILENTIUM TENERENT OMNIA ET NOX IN SUO CURSO MEDIUM ITER HABERET, ETC. (Sap 18:14)
Hoje, mesmo vivendo dentro do tempo, celebramos o nascimento eterno no qual Deus Pai nasce e incessantemente repete este ato de nascer na eternidade, por que este nascimento do qual falamos é realizado nesta natureza humana e inserido no tempo.
Diz Santo Agostinho:
“Do que adiantaria que este nascimento ocorresse sempre se não fosse para ser realizado dentro de mim? Que isto ocorra dentro de mim é o que me interessa”.
Discorramos pois de tal nascimento, de como ele pode ser realizado em nós e como ocorre na pessoa virtuosa sempre que Deus Pai fala a sua palavra eterna na alma perfeita. Pois tudo aquilo que falarei aqui é para ser entendido do homem purificado e estável que trilha os caminhos de Deus; não, é claro, do homem natural e sem prática, pois este está totalmente distanciado deste nascimento, além de o ignorar.
Um ditado dos sábios diz:
“Quando todas as coisas estavam envoltas em silêncio, então surgiu em mim uma palavra secreta, que veio direto do trono real, desde o alto”.
O que se segue deste sermão é todo sobre esta Palavra.
Logo três coisas ficam nitidamente evidenciadas aqui.
Primeiramente, em que localidade exata da alma Deus o Pai dá o Seu recado, onde acontece o nascimento, e onde a alma é receptiva a tal — pois isto somente pode ocorrer naquela parte mais pura, elevada e sutil da alma. A verdade é que, se Deus Pai em sua onipotência pudesse doar à alma algo mais nobre e se a alma por sua vez pudesse receber Dele algo de mais nobre, então o Pai teria de adiar o nascimento para a vinda desta excelência maior ainda. Portanto a alma onde este nascimento ocorreria deve se manter absolutamente pura e viver em nobre estilo, por completo dona de si mesma e voltada em sua totalidade para o interior: não saindo a todo instante pelos cinco sentidos para a multiplicidade das criaturas, mas voltada para dentro, recolhida na parte mais pura. Ali é seu lugar, ela despreza tudo que for menos.
A segunda parte deste sermão aborda a atitude do homem em relação a este acontecimento, ao recado de Deus, a esta palavra dentro da alma, a este nascimento. Se for mais conveniente que o homem coopere para que isto seja efetuado através de seu próprio esforço e mérito; se o homem deve possuir uma predisposição mental, arquitetar pensamentos, refletindo na grande sabedoria de Deus, Sua onipotência, eternidade ou o que mais se possa imaginar de Deus. Se isto é o mais favorável para que o Pai possa vir a nascer na alma — ou se a pessoa deve subtrair todos os pensamentos, palavras e ações, bem como todas as imagens preconcebidas geradas pelo intelecto, mantendo uma atitude receptiva total para com a chegada de Deus, como se a pessoa, permanecendo inerte, abrisse caminho em seu íntimo para a ação de Deus. Qual a melhor atitude com respeito a este nascimento?
Atentem que tudo que eu afirmar em seguida será corroborado por dados concretos, para que se possa observar universalmente que assim é, pois, embora tenha fé total nas Escrituras, acho mais fácil constatarem-se os fatos através de argumentos palpáveis.
— Em primeiro lugar, analisemos as palavras:
“Quando todas as coisas estavam envoltas em silêncio, então surgiu em mim uma palavra secreta”.
“Mas, caro fulano de tal, onde é que está este silêncio e, mais ainda, onde está a palavra secreta?”
Como eu acabei de expor, ela está no lugar mais puro que a alma é capaz de alcançar, na parte mais nobre, no chão — de fato, na essência mesma da alma, que é sua parte mais secreta. Ali é que está o silencioso “meio”, pois ali criatura alguma jamais chegou; e menos ainda imagem alguma jamais penetrou neste lugar, nem tem a alma deste lugar qualquer compreensão; e por isto mesmo é que ali ela não está consciente de nenhuma imagem, quer seja uma imagem gerada por si mesmo, ou imagem alheia, de alguma outra criatura.
O que a alma faz, ela o faz com suas forças. O que ela compreende, compreende com o intelecto; o que lembra é com a memória; se quiser amar, usa a vontade: e assim ela trabalha com suas forças, não com sua essência.
Todo ato externo está ligado a algum meio. O poder da visão funciona com os olhos: se assim não fosse, não poderia nem usar a visão nem ver; e assim ocorre também com os demais sentidos. Todo ato externo da alma é realizado através de algum meio. Mas na essência da alma, ali não ocorre atividade alguma, pois as forças ali empregadas provêm do chão do ser.
Contudo, é neste mesmo chão que se encontra o silencioso “meio”: ali nada existe senão o repouso e a celebração deste nascimento, deste ato, no qual Deus Pai fala Sua palavra; pois é um fato constatado que este lugar a nada é receptivo exceto à divina essência, sem mediação. Ali Deus entra na alma com sua força total e não parcialmente. Deus entra pois neste chão da alma. Ninguém pode tocar este chão da alma, senão Deus apenas. Nenhuma criatura pode penetrar no chão da alma: deve permanecer de fora, nas “forças”. Desde dentro, a alma se apercebe da imagem através da qual a criatura foi absorvida e classificada. Pois sempre que as forças da alma percebem uma criatura, elas começam a funcionar e tecem uma reprodução da criatura, em imagem e semelhança, a qual é em seguida assimilada pelas forças. É assim que estas forças chegam a um conhecimento da criatura. Não há criatura que se aproxime mais da alma do que isso e a alma também por sua vez não se aproxima jamais de uma criatura, sem antes ter tecido esta imagem dela para si mesma. E’ através da mediação desta imagem presente que a alma se achega às criaturas — assinalando-se que a imagem é algo que a alma constrói com suas próprias forças a partir dos objetos externos. Quer se trate de uma pedra, um cavalo, um homem, ou o que seja, que ela deseje conhecer, ela produz a imagem daquilo que ela havia já assimilado — e é desta forma que ela se une ao objeto.
Mas para o homem receber de tal forma uma imagem, deve ela necessariamente vir de fora, através dos sentidos. Por consequência, nada há que seja tão ignoto à alma quanto ela mesma, pois as imagens entram através dos sentidos: logo, dela mesma ela não pode ter imagem alguma. Assim, de si mesma ela é desconhecida. Por esta razão disse um mestre que de si mesma a alma não pode obter nem criar imagens. Portanto, ela não tem meios de se autoconhecer; pois se as imagens emanam através dos canais dos sentidos, então dela mesma ela não possui imagens. Segue-se que, por falta de mediação, de si mesma ela é ignota.
E deve se saber que por dentro a alma está livre e esvaziada de todo e qualquer intermediário e imagem — eis porque a ela Deus pode se unir livremente sem forma e sem semelhança. Se a pessoa diz que um mestre espiritual qualquer possui força, não se pode atribuir esta força que ele quiçá possua, senão a Deus sem limites. Quanto mais forte e cheio de recursos hábeis é o mestre, tanto mais expedito é o seu trabalho, e tanto mais se constata a simplicidade com que realiza seu trabalho. O homem necessita de muitos intermediários para produzir obras externas; muito preparo prévio dos materiais se faz necessário antes que ele execute a obra como estava pensando. Mas o sol em seu poder soberano faz o seu trabalho de verter luz de forma imediata: no mesmo instante em que seu brilho aparece, todos os lugares até os confins da Terra se enchem de luz. Quanto mais elevado for o anjo, tanto menos ele necessita de coisas para seu trabalho, de tanto menos imagens ele necessita: isto se deve ao fato de que ele percebe como unidade tudo aquilo que seus subalternos percebem como sendo múltiplo.
Mas Deus não necessita sequer de qualquer imagem, tampouco possui Ele qualquer imagem que seja. Sem qualquer semelhança, intermediário ou imagem—Deus age diretamente na alma: naquele chão mesmo do qual falávamos, onde imagem alguma jamais penetrou, apenas Ele mesmo com seu ser. Isto não há criatura que possa fazer.
“Como Deus Pai faz nascer Seu Filho na alma—como criatura, imagem ou semelhança?”
Não, de forma alguma, mas assim mesmo como Ele o faz nascer na eternidade — é assim, sem tirar nem por.
“Bem, mas neste caso, como Ele O faz nascer?”
Vejam: Deus Pai tem de Si mesmo um conhecimento tão penetrante e irretocável, tão profundo, Dele de Si mesmo, que não é feito através de imagens. É assim que Deus Pai dá aluz seu Filho na unidade da natureza divina. É desta forma e apenas desta forma, note-se bem, que Deus Pai dá a luz o Filho no chão e essência da alma—e assim se une Deus à alma. Pois se houvesse intermediação de qualquer imagem que fosse, não haveria união legítima— e nesta união realizada é que reside toda a felicidade da alma.
Alguém poderia levantar a questão de que nada há na alma senão imagens. Não é isto que ocorre, de forma alguma! Se assim fosse a alma não poderia jamais se tornar abençoada, pois Deus não geraria jamais criatura alguma da qual se pudesse receber a felicidade inefável; porquanto, se tal ocorresse, não seria Deus a bênção mais elevada e o objetivo final, quando o contrário é o que ocorre: é a natureza de Deus ser esta bênção, e é sua absoluta vontade ser o alfa e o ômega de todas as coisas. Nenhuma criatura pode ser a felicidade de uma pessoa, nem a perfeição desta pessoa aqui na terra; pois o que é nesta vida a perfeição—ou seja, o somatório total das boas qualidades da pessoa, é seguida pela perfeição na vida depois desta. Portanto temos que nos postar e permanecer postados na essência e no chão: e é ali que Deus nos tocará com sua essência simples, sem a intervenção de qualquer imagem. Nenhuma imagem representa e aponta para si mesma. Ela é sempre imagem daquilo que ela representa. E já que não temos imagem alguma, exceto de coisas externas a nós (que são absorvidas pelos sentidos, e sempre ficam indicando aquilo de que é imagem)— é impossível atingir a felicidade através de qualquer imagem que seja. É por esta razão que deve haver um silêncio e uma quietação e é através deste meio que o Pai virá a ser conhecido e se expressará, dando à luz seu Filho e realizando a obra que é isenta de imagens.
O segundo ponto importante a ser levado em conta: Qual parte o homem tem que aplicar de si mesmo para chegar a merecer e ganhar a consumação deste nascimento dentro de si?
Será melhor fazer algo ativamente para isto, como imaginar e sonhar com Deus; ou será melhor ficar em quietação e silêncio, e deixar que, em vez de imaginar, que fale Deus e chegue a agir através de si, ou seja — uma atitude receptiva à espera de Deus?
O que vou dizer agora refere-se apenas àqueles que já se estabilizaram em algum grau de atitude correta; que praticaram e assimilaram virtudes, e que estas já se tornaram coisa natural neles, sem que sequer eles estejam cientes de tal. E que acima de tudo levem digna vida, permanecendo nos elevados ensinamentos de Nosso Senhor Jesus Cristo. Devem então estar plenamente cônscios de que o excelso ensinamento transmitido nesta vida é o silêncio—que abre espaço, para Deus fazer seu trabalho interno na alma. Apenas quando todas as forças forem retraídas de todos os seus trabalhos e imagens é que a palavra poderá então ser falada. Foi por isto que ele disse:
“Quando todas as coisas estavam envoltas em silêncio, então surgiu em mim uma palavra secreta”.
E assim, quanto mais a pessoa for capaz de recolher suas forças para uma unidade e se olvidar das coisas e das imagens das coisas produzidas; e quanto mais a pessoa puder se abstrair das criaturas e suas imagens—tanto mais achegado estará a isso e tanto mais preparado para recebê-lo. Se de repente você estivesse inconsciente de todas as coisas, então quiçá você poderia entrar no esquecimento de seu corpo, como fez São Paulo quando disse:
“Se estou no corpo não sei, tampouco sei se estou fora dele: Só Deus sabe”. (2 Cor. 12:2)
O que ocorreu aqui foi que o espírito absorveu tão completamente as forças, que se esqueceu do corpo: a memória não mais funcionava, nem a compreensão, nem os sentidos, nem as forças que, funcionando, davam vida ao corpo; e o calor vital e corporal foram suspensos, de tal forma que o corpo não padeceu durante os três dias em que ele nem se alimentou nem bebeu. O mesmo ocorreu com Moisés ao jejuar na montanha durante quarenta dias, sem que se desgastasse de forma alguma com isto. Pois no último dia ele se encontrava tão saudável quanto no primeiro. É assim que o homem deve abandonar seus sentidos, voltar e dirigir suas forças para o interior e esquecer de si mesmo e de todas as coisas.
…page…
Uma vez um mestre falou assim à sua alma:
“Retira-te do sorvedouro das atividades externas, fuja e guarda-te da confusão dos pensamentos, pois estas coisas só trazem balbúrdia e discórdia”.
Logo, para que Deus fale sua palavra na alma, esta tem que estar em descanso e em paz e apenas então Ele falará Sua palavra, ou seja: Ele mesmo na alma, não como uma imagem, mas Ele em pessoa!
Dionísio disse:
“Deus não possui imagem ou semelhança de Si mesmo, sendo como é intrinsecamente todo bondade, verdade e ser”.
Deus realiza todos os Seus trabalhos num átimo, quer seja em Si mesmo ou fora de Si mesmo. Não imaginem, nem por um só instante sequer, que Deus, ao fazer o céu, a terra e todas as coisas, fez uma coisa num dia e outra no dia seguinte. Moisés explicou assim, mas ele sabia que de fato tal não ocorria: ele falou assim para o benefício daqueles que de outra forma não poderiam conceber o fato. O que Deus fez foi o seguinte: Ele quis, ele falou, e as coisas aconteceram! Deus fez o Seu trabalho sem intermediários e sem imagens. E quanto mais liberto você estiver de imagens, tanto mais pronto você estará para o trabalho interno de Deus; e quanto mais voltado para dentro e esquecido de si mesmo você estiver, tanto mais aproximado disto você estará.
Dionísio encorajava seu discípulo Timóteo neste sentido, ao dizer:
“Caro Amigo Timóteo, voe você com uma mente sem preocupações acima de si mesmo e de todas as suas forças, acima, muito acima de todo o raciocínio e discriminação humana, acima de trabalhos e de todas as formas de existência, bem profundo no segredo e escuridão quieta, para que você possa se inteirar do Deus desconhecido e super divino”.
Deve haver uma retirada de todas as coisas. Deus desdenha agir através de meras imagens.
Alguém poderia nesta altura perguntar:
“O que Deus obra no chão e na essência?”
Isto eu não posso saber porque as forças da minha alma são capazes de receber apenas imagens; estas forças conhecem e atém-se a cada coisa com sua imagem adequada. Elas não são capazes de reconhecer um cavalo ao ser mostrada a imagem de um homem; e já que as coisas vêm de fora, aquele conhecimento está oculto de minha alma—o que é altamente benéfico.
Este não-saber torna-a imaginativa e a conduz a uma busca audaz, pois se ela percebe claramente o que é, ela não reconhece como nem o que seja. Sempre que o homem se inteira da causa das coisas, ele rapidamente delas se cansa e procura algo mais variado. Sempre querendo conhecer, é sempre inconstante. É desta forma que este saber sem saber mantém a alma constante e a estimula em sua busca.
Sobre isto um velho sábio afirmou:
“No meio da noite, quando tudo estava silente, uma palavra oculta me foi passada. Veio a mim como um ladrão às escondidas”. (Sap. 18:14,15)
Porque ele menciona uma palavra, se ela estava oculta? A função de uma palavra é revelar o que está oculto. Ela se revelou a mim e brilhou, revelando-me algo e tornando Deus conhecido de mim: por esta razão ele mencionou uma Palavra. Mas do que se tratou isso se queda oculto de mim. Foi desta forma que ela veio, sorrateira em uma calma murmurante e se revelou. Logo, porque está oculta é que se há de buscá-la. Ela brilhou e contudo estava oculta: nós devemos suspirar e anelar por ouvir tal palavra. São Paulo nos aconselha a persegui-la até seu vislumbre e que não nos detenhamos até que a termos agarrado. Após tê-la agarrado no terceiro céu, onde Deus se fez conhecido e onde ele presenciou todas aquelas coisas, ao voltar ele de nada havia se esquecido; mas estava tão profundamente no seu chão, que seu intelecto não podia abarcar e compreender isto: estava oculto dele. Logo, ele teve que procurar e perseguir dentro dele, e não fora dele mesmo. Está tudo dentro, nada fora, mas está completamente dentro. Consciente disto, ele afirmou:
“Estou seguro de que nem a morte nem qualquer sofrimento pode me separar do que encontrei dentro de mim”. (Rom. 8:38-39).
Um mestre pagão disse-o bem, ao constatar de certa feita:
“Estou ciente de que algo brilha em minha compreensão: posso nitidamente discernir de que se trata, mas o que é isto—não posso saber. E contudo, se o pudesse possuir, saberia tudo que há para ser sabido”.
Ao que o outro mestre retorquiu:
“Sê corajoso em tua busca. Pois se puderes segurar isto, terás o somatório total do que é bom e de quebra também a vida eterna!”
Santo Agostinho disse algo parecido:
“Percebo que algo brilha e fulgura diante de minha alma: se estivesse plenamente aperfeiçoado e estabilizado, por certo seria a vida eterna!”
Isto é algo que se revela, mas ao mesmo tempo se oculta; vem, mas como um ladrão para tudo surripiar e fazer tabula RASA do que existe na alma. Esta coisa que aparece tem a clara intenção de chamar a alma de volta para si mesma, e em seguida roubar e tirar a alma de si mesma.
Sobre isto, comenta o profeta:
“Senhor, tira deles o espírito e dá-lhes o teu espírito em troca”. (Sl. 103:29-30).
Isto também foi o que a alma saturada de amor quis dizer:
“Minha alma se dissolveu e desmanchou quando o Amor falou a sua palavra”. (Cant. 5:6) Quando ele entrou, eu tive que me retirar.
Cristo quis dizer isto quando falou:
“Quem tudo abandonar por minha causa será recompensado a cem por um, e quem quiser possuir isto deve negar a si mesmo e a todas as coisas; e quem deseja me servir que me siga e não busque mais suas coisas”.
Mas agora alguém poderia dizer:
“Mas meu caro senhor, você quer inverter a ordem natural das coisas e ir contra sua natureza! É a natureza da alma absorver as coisas através dos sentidos e formar imagens. Para que contrariar esta ordem natural das coisas?”
Não! Mas sabe lá você que nobreza Deus conferiu à natureza humana, ainda totalmente desconhecida e não revelada? Pois quem se atreveu a tentar descrever a nobreza da alma não foi mais além do que os levaram suas inteligências naturais; e eles não sonharam jamais entrar em seu próprio chão, de tal modo que de fato eles nada conhecem.
Foi o que o profeta disse:
“Em silêncio eu me sentarei, e ouvirei o que Deus me dirá”. (Sl. 84.9).
Por ser de tal forma secreta, esta palavra vem na noite e na escuridão.
São João disse:
“A luz brilhou na escuridão e tomou seu lugar de direito, e tantos quantos a receberam se tornaram com toda autoridade filhos de Deus; a estes lhes foi dado o poder de se tornarem filhos de Deus”. (João 1:5,11-12).
Tomem bem nota de como se usa esta palavra secreta e esta escuridão. O filho do Pai Celeste não nasce isolado nesta escuridão, que é Sua característica: você também pode nascer como filho do mesmo Pai celestial e a você também ele encherá de força. Vejam como é enorme a utilização disto! A despeito de todo o conhecimento dos mestres, obtidos por seus intelectos e compreensões, ou o que eles chegarão a obter até o dia do Juízo Final, eles não tiveram qualquer ideia que fosse deste conhecimento e deste chão. Apesar de poderem rotulá-lo de loucura—um não-saber, há contudo mais seiva aqui do que em todo saber e compreensão fora disto, pois é este não-saber que lhe atrai para fora de todas as coisas restritas, assim como de você mesmo, inclusive.
Foi o que Cristo disse:
“Quem não negar a si mesmo, e não deixar pai e mãe, e deles não se desapegar completamente, de mim não é digno”. (Mat. 10:37)
Como se estivesse dizendo: Quem não se desligar de todas as criaturas externas não pode nem ser concebido neste nascimento divino nem nascer. Mas, subtraindo-se de você mesmo, e de tudo que for externo, este desapego lhe proporcionará isto. E a bem dizer, e disto estou seguro, quem estiver estabelecido nisto não pode jamais se desligar de Deus. Ele não pode de forma alguma cometer um pecado mortal. A ele seria preferível sofrer a morte mais horrenda, como os santos fizeram antes dele, do que perpetrar o menor dos pecados mortais. Além disto, eu afirmo que tais pessoas não por vontade própria cometer nem que seja apenas um pecado venial, eles mesmos ou em relação a outros, se o puderem evitar. Tão profundamente estão eles estabelecidos e atraídos a isto, eles não podem se voltar a qualquer outro caminho que seja: para este caminho estão voltadas todas as suas forças, sentidos e energia.
Possa Deus, que nasceu de novo como homem, assistir-nos neste nascimento, ajudando-nos eternamente, a nós, fracos homens, a nascermos de novo Nele como Deus.
Amém.