Gregório do Sinai — Seleção de Jean Gouillard
Do erro
Os demônios (diabolos) gostam de andar em torno dos principiantes e dos idiorrítmicos… Não. há motivo de espanto no fato de alguns se terem desviado do caminho, perdido a cabeça; de terem aceitado ou aceitarem o erro, verem coisas contrárias à realidade eu dizerem incongruências, por ignorância ou por inexperiência. Quantas vezes se viram pessoas simples, querendo exprimir a verdade, dizerem, sem saber, uma coisa por outra, por não poderem expressar-se convenientemente; perturbarem os outros, atraírem sobre si próprias, e por conseguinte, sobre os hesicastas, a censura e o escárnio. Nada de surpreendente no fato de um principiante se perder, mesmo depois de muitos esforços; isso tanto aconteceu no passado, como acontece no presente, a muitos dos que procuram Deus. A lembrança de Deus ou oração (euche) espiritual é a mais elevada de todas as ações, a mais alta das virtudes (arete), com a caridade (agape). Aquele que temerariamente se dispõe a ir para Deus, a confessá-lo com toda a pureza e a fazer violência para possuí-lo em si, é facilmente vítima dos demônios (diabolos), se Deus o abandonar a si próprio.
Quanto a ti, se praticas a quietude como convém, à espera da união com Deus, jamais deixes um objeto sensível ou mental, exterior ou interior ( seja ele a imagem de Cristo, ou a pretensa forma de um anjo ou de santos, ou ainda uma luz ) introduzir-se ou desenhar-se em teu espírito. O espírito tem uma faculdade natural de imaginação e se deixa facilmente marcar pelo objeto de seus desejos, naqueles que não têm muita cautela, e faz, assim, sua própria infelicidade. Mesmo a lembrança dos objetos bons ou maus marca o sentido do espírito e leva-o a imaginações… Assim, toma cuidado para não dares crédito depressa demais, nem dares teu assentimento, mesmo quando se trata de coisa boa; pergunta antes a quem tem experiência e examina, por muito tempo, para não correres nenhum risco. O que Deus tinha enviado, à guisa de prova, e para aumentar a recompensa, com freqüência tem prejudicado alguns. Nosso Senhor põe à prova o nosso livre-arbítrio, para ver de que ladc> penderá. Quem vê alguma coisa no pensamento, nos sentidos, mesmo vinda de Deus, e a acolhe sem a opinião dos experimentados, engana-se ou se enganará com facilidade, por ser excessivamente complacente em aceitar. O principiante deve apegar-se à obra do coração (kardia) — ela não engana — e não deve admitir nada mais, antes que chegue o momento da serenidade das paixões. Deus não quer mal a quem se vigia rigorosamente, por medo de perder-se, mesmo que esse alguém só aceite c que vem de Deus, depois de ter consultado e examinado muito; quase sempre ele louva essa sabedoria… Aquele que trabalha para conseguir a oração (euche) pura caminhará, pois, na tranqüilidade, com tremor e compunção (katanyxis) extrema, sob a direção de conselheiros experimentados; chorará continuamente seus pecados, sempre temendo o castigo futuro, e receoso de ficar separado de Deus, neste mundo ou no outro… A oração (euche) infalível é a oração (euche) ardente de Jesus… que consome as paixões como o fogo dos espinheiros, traz júbilo e alegria à alma (psyche); oração (euche) que não parte nem para a direita, nem para a esquerda, nem para cima, e sim, como uma fonte, jorra do Espírito vivificante, em pleno coração (kardia). Que teu desejo seja encontrar e possuir no coração (kardia) nada além dela, guardando incessantemente o teu espírito de qualquer imagem, despido de pensamentos e de conceitos. Não temas nada… Não devemos nem temer, nem gemer, quando invocamos o Senhor. Se alguns se desviaram e perderam a direção, fica sabendo que foi por causa da idiorritmia e do orgulho. Quem procura Deus na submissão e consulta humildemente, nunca terá que recear infelicidade desse tipo. O hesicasta nunca abandonará o caminho mais glorioso. O excesso em tudo produz a suficiência, cuja conseqüência é o erro. Para não sucumbir ao orgulho, cerrando um pouco os lábios durante a oração (euche), reprime a distensão e a frouxidão do espírito, e não a distensão das narinas, como fazem os tolos…
A aparição da graça (kharis), na oração (euche), se faz sob formas diversas e a partilha do Espírito se manifesta e se dá a conhecer diferentemente, conforme o que agrada ao Espírito. Elias, o Tesbita, oferece-nos o protótipo disso. Em alguns, o espírito de temor passa rendendo as montanhas, quebrando os rochedos — os corações duros; ele crava na carne pregos de temor, por assim dizer, e deixa-a morta. Noutros, um abalo ou uma exultação ( um salto, dizem mais claramente os Padres ) absolutamente imaterial, mas substancial, produz-se nas entranhas ( substancial porque o que não tem nem essência, nem substância, não existe ). Noutros, finalmente, Deus produz — é principalmente o caso dos que progrediram na oração (euche) — uma brisa luminosa, leve e tranqüila, enquanto Cristo faz morada no coração (kardia) e se manifesta misticamente no Espírito. Aí está por que Deus disse a Elias no monte Horeb: o Senhor não está no primeiro, nem no segundo ( fenômenos ), isto é, nas obras particulares dos iniciantes, mas na brisa luminosa e leve, ou seja, na oração (euche) perfeita ( cf. 1Rs 19,11s; P.G. t. 150, cc. 1329s. ).