CAPÍTULO PRIMEIRO — OS ESTADOS PÓSTUMOS NA OBRA DE RENÉ GUÉNON (cont.)
A hereditariedade não é unicamente constituída pelas influências do “meio” exercidas sobre o indivíduo mas ela se estende a todo conjunto das relações próprias ao estado horizontal, conjunto de ações e reações recíprocas “entre todos os seres individuais que são manifestados neste domínio seja simultaneamente, seja sucessivamente”, do mais próximo ao mais afastado, temporalmente ou espacialmente. Vê-se logo que o ser toma emprestado diretamente ao meio, nascendo aqui e não alhures, elementos tanto corporais quanto anímicos ou sutis e que “atrai” também outros elementos em função de sua natureza particular. Ele as assimila “como modificações secundárias dele mesmo”. Estas são as “causas ocasionais” que vão aparecer ao longo de sua vida; elas não são finalmente senão possibilidades inerentes a sua natureza interior particular. A atualização destas “possibilidades” é conforme à natureza específica da individualidade humana considerada. Em virtude das afinidades, ela não tomará do meio senão o que é conforme às possibilidades que ela traz nela.
Guénon adiciona ainda, a respeito das relações entre dois seres concebidos como acaba de ser dito, que para ser reais devem necessariamente exprimir algo que pertence : ao mesmo tempo à natureza de um e de outro”. “Assim a influência que um ser parece receber de fora ou receber de um outro que ele, não é jamais verdadeiramente, quando se visa um ponto de vista mais profundo, senão uma espécie de tradução em relação ao meio, de uma possibilidade inerente à natureza deste ser ele mesmo”.
Não se deve considerar como pertencente ao mesmo processo a transmissão de elementos psíquicos de “vivente” a “vivente”, os fenômenos de hereditariedade? O que deixa supôr, como Guénon a consignou igualmente, que os pais transmitem não somente um germe corporal mas também um germe psíquico? Trata-se então de elementos enterrados na “subconsciência” direta ou ancestral: tendências e predisposições familiais, tribais, raciais, etc. Guénon associa esta teoria — que fundamentalmente inclui no potencial genético original algo que vai atualizar ou se reatualizar nas gerações a vir — uma explicação racional da transmissão do “pecado original”. Ele lhe assimila também certas formas de “prolongamento psíquico” da individualidade humana associadas à “longevidade” pelas doutrinas orientais (O ERRO ESPÍRITA).
Se estas doutrinas visam de preferência e nesta ocorrência, a herança psíquica, é que “elas aí veem um verdadeiro prolongamento da individualidade humana” e “eis porque, sob o nome de ‘posteridade’ (que é a princípio suscetível também de um sentido superior e de um sentido inferior), elas o associam à ‘longevidade’ que os ocidentais chamam ‘imortalidade’”.