Apoftegmas — Abade Poimém
Tradução do grego de D. Estevão Bettencourt O.S.B.
91. Disse o Abade Poimém: «O monge não se queixa de sua sorte; o monge não retribui o mal pelo mal; o monge não é dado à ira».
92. Alguns dos anciãos foram ter com o Abade Poimém e disseram-lhe: «Se virmos que os irmãos adormecem durante o Ofício, queres que os cotovelemos a fim de que estejam despertos para a vigília? «Aquele respondeu: «Quando vejo meu irmão adormecer, coloco, sem hesitar, a sua cabeça sobre os meus joelhos e proporciono-lhe repouso».
93. A respeito de certo irmão contavam que era tentado à blasfêmia, mas se envegonhava de o dizer. Aonde ouvia que se achavam anciãos de grande mérito, acorria a fim de lhes referir a tentação; logo porém, que se chegava a eles, envergonhava-se de confessar. Assim é que muitas vezes foi ter também com o Abade Poimém. O ancião, ao notar que tinha maus pensamentos e não os manifestava, entristecia-se. Certo dia, porém, ao despedir-se dele, disse-lhe: «Eis há tanto tempo que aqui vens a fim de me manifestares teus maus pensamentos, mas, cada vez que te chegas, não ousas confessar, e sais aflito, conservando-os na mente. Di-ze-me, filho, o que é que tens». O irmão respondeu: «O demônio me tenta a blasfemar a Deus, e até agora envergonhei-me de o dizer». Ao contar isto, o irmão logo experimentou alívio. O ancião acrescentou: «Não te aflijas, filho; mas quando te vier tal tentação, dize: ‘Não tenho culpa; a tua blasfêmia seja imputada a ti, Satanás. Pois minha alma não quer isso’. Ora tudo que a alma não quer, é de pouca duração». Tendo assim recebido remédio, o irmão se foi.
94. Um irmão disse ao Abade Poimém: «Esforço-me por encontrar um amparo em qualquer lugar para onde eu vá». O ancião respondeu-lhe: «Mesmo aqueles que trazem a espada nas mãos, têm Deus misericordioso para com eles no tempo presente. Portanto, se somos corajosos, Deus exerce a sua misericórdia conosco» (O irmão receoso das tentações procurava, aflito, refugiar-se contra elas e evitá-las. O ancião tranquiliza-o: o nosso auxílio nos vem ánfalivelmente de Deus, desde que o servimos corajosamente.).
95. Disse o Abade Poimém: «Se o homem acusa a si mesmo, persevera em toda a parte» (Porque não cai em litígios com os outros).
96. Referiu também ter dito o Abade Amonas: «Há quem tenha passado cem anos na cela sem ter aprendido como se deve residir na cela» (Sem tirar algum fruto de sua vida retirada).
97. Disse o Abade Poimém: «Se o homem consegue o que diz o Apóstolo: “Tudo é puro para os puros’ (Tt 1,15), ele se julga inferior a toda criatura». O irmão perguntou-lhe então: «Como me posso julgar inferior ao homicida?» Respondeu o ancião: «O homem que alcançou o que diz o Apóstolo, vendo alguém matar, diz: ‘Tal homem cometeu esse pecado só; eu, porém mato todos os dias’».
98. O irmão interrogou o Abade Anube a respeito da mesma frase do Apóstolo, referindo o que o Abade Poimém dissera. O Abade Anube respondeu: «Quando o homem que conseguiu o que diz o Apóstolo, vê as faltas de seu irmão, ele faz que a sua justiça devore tais faltas». Perguntou, então, o irmão: «E qual é a sua justiça?» Respondeu o ancião: «É que ele se acuse em todo tempo».
99. Um irmão disse ao Abade Poimém: «Se caio num miserável pecado, o meu pensamento me devora e me acusa: ‘Por que caíste?’ Observou o ancião: «Na hora em que o homem, tendo caído em culpa, diz: ‘Pequei’, a culpa cessa incontinenti».
100. Um irmão perguntou ao Abade Poimém: «Por que é que os demônios persuadem à minha alma que me coloque com quem está acima de mim, por isso que o Apóstolo disse: ‘Numa casa grande há não somente vasos de ouro e de prata, mas também de madeira e de argila. Se, pois, alguém se purificar de todas essas coisas, será um vaso de honra, útil ao Senhor, preparado para toda obra boa’» 1.